Futuro eleitoral de Trump deve ser decidido pela Suprema Corte dos EUA
Ex-presidente americano enfrenta uma série de processos na Justiça em meio à campanha presidencial deste ano
O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enfrenta uma série de processos na Justiça que podem mudar o rumo das eleições presidenciais deste ano.
A principal questão levantada por especialistas é se Trump poderia continuar na corrida presidencial mesmo condenado. A Constituição americana abre dois caminhos para interpretação.
Como a questão Trump é algo inédito nos Estados Unidos, veja o que pode acontecer com o ex-presidente:
O que diz a Constituição?
“Não há nada na Constituição que o impeça de governar. Ao contrário da legislação brasileira, não há nada similar com a Ficha Limpa no cenário norte-americano”, afirma Lucas Martins, professor e doutorando na Universidade Temple, na Filadélfia, EUA.
A Constituição faz apenas três exigências para os candidatos à presidência:
- Ser um cidadão nato;
- Ter pelo menos 35 anos;
- Ser residente dos Estados Unidos por pelo menos 14 anos;
“Uma pessoa pode, inclusive presa, fazer campanha e tornar-se presidente”, afirma o professor de Relações Internacionais Carlos Gustavo Poggio, da Berea College, no Kentucky, EUA.
Poggio ainda complementa: “Nada que ocorra no campo criminal atrapalharia o fato do Trump ser candidato”.
O que é a 14ª Emenda?
Porém, uma alteração na Constituição, feita depois da Guerra Civil no século XIX, pode mudar o rumo das eleições neste ano.
A 14ª Emenda diz que “nenhuma pessoa poderá ocupar qualquer cargo, civil ou militar, nos Estados Unidos, ou sob qualquer Estado, que tenha se envolvido em uma insurreição ou rebelião contra o Estado”.
No entanto, a Constituição não especifica como aplicar essa proibição e abre para interpretações. “Como isso nunca foi aplicado para um presidente, como é algo absolutamente inédito e não há nenhum precedente, não há clareza na questão”, afirma Poggio.
Trump é investigado pelo Departamento de Justiça dos EUA pela tentativa de reverter o resultado das eleições de 2020, que deram vitória a Joe Biden.
Autoridades afirmaram que, durante seus últimos meses no cargo, Trump os pressionou com falsas alegações de fraude eleitoral generalizada. Seus apoiadores atacaram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 em uma tentativa de impedir o Congresso de certificar a vitória de Biden.
As acusações envolvem:
- conspiração para fraudar os Estados Unidos;
- conspiração para obstruir um procedimento oficial do governo americano;
- obstrução e tentativa de obstrução de um procedimento oficial;
- e conspiração contra direitos civis [votar e ter o voto validado].
Esse caso pode, a depender da interpretação, tirar o republicano da corrida. No entanto, mesmo que condenado, Trump ainda pode recorrer à Suprema Corte dos EUA, que dará a palavra final.
“Se ele apelar para a Suprema Corte e for atendido, prevalece a decisão do principal tribunal do país. E, na composição atual, os juízes mais conservadores tendem a favorecê-lo”, afirma Lucas Martins.
Processo no Colorado
A 14° Emenda levou a Suprema Corte do Colorado a retirar Trump das primárias do partido Republicano que definem quem será o candidato a concorrer à presidência.
A decisão por 4 votos a 3, no mês passado, ressaltou que Trump é constitucionalmente inelegível para concorrer em 2024, porque a 14ª Emenda proíbe que insurgentes ocupem cargos. A decisão se refere ao envolvimento de Trump na invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.
A defesa do republicano alega que a alteração constitucional não se aplica a presidentes que estejam no cargo – o que seria o caso de Trump, que ficou no poder até o dia 20 de janeiro de 2021, com a posse de Joe Biden.
“Outro argumento do time de defesa do Trump é a questão da imunidade presidencial, que também não é algo que está escrito (na Constituição), mas há a expectativa de que a Suprema Corte interprete que o presidente, enquanto está no cargo, é imune de qualquer tipo de processo criminal e civil pelos atos que ele faz enquanto presidente dos EUA”, afirma Poggio.
A questão do Colorado chegou à Suprema Corte americana, depois que Trump entrou com uma ação para tentar reverter a decisão do estado.
Agora, está nas mãos dos juízes federais decidir sobre o futuro de Trump na política. A decisão da mais alta corte americana valerá para todo país.
“Uma Suprema Corte conservadora tende a favorecer Donald Trump em seus processos contra sua inelegibilidade nos estados do Maine e Colorado. Não se trata somente de uma questão política envolvendo liberais e conservadores, mas é sobretudo uma questão de proteção na abertura de precedentes”, afirma Lucas Martins.
O professor Poggio ressalta que “além de uma Suprema Corte conservadora, há uma série de fragilidades na argumentação da 14° Emenda; acho difícil que seja chancelado pela corte”.
Outra questão levantada pelos advogados é que Trump ainda não foi condenado pelo Departamento de Justiça abrindo margem para a interpretação dos juízes de cada estado.
De acordo com o professor Poggio, o remédio constitucional para o que o Donald Trump fez em janeiro de 2021 seria a condenação no processo de impeachment, algo que não aconteceu.
Qualquer outro tipo de manobra jurídica, fica fragilizada. Constitucionalmente o impeachment seria a forma de lidar com o que o Trump fez.
Carlos Gustavo Poggio, professor na Berea College
Processo na Geórgia
A 14ª Emenda respinga também no caso da Geórgia. Trump e outros 18 réus são acusados de pressionar as autoridades eleitorais do estado para reverter a derrota em 2020 para o atual presidente, Joe Biden. A vitória de Biden na Geórgia foi um dos fatores determinantes para que o democrata vencesse a disputa.
“Neste caso, estamos sob expectativa de que os júris coloquem em consideração os perigosos precedentes relacionados à 14ª emenda, que pode ser, ou não, atribuída ao presidente dos Estados Unidos dependendo da interpretação”, diz Lucas Martins.
Trump ainda está envolvido em mais dois casos na Justiça
Processo sobre documentos sigilosos:
FBI executou um mandado de busca e apreensão no resort de Mar-a-Lago, do ex-presidente Donald Trump, e recuperou pelo menos 15 caixas com registros e documentos confidenciais da presidência dos Estados Unidos.
A medida foi o pontapé inicial para uma série de 37 investigações movidas pelo procurador especial Jack Smith contra o republicano, que usou a mansão como residência não-oficial para receber chefes de Estado e cumprir agendas oficiais ao longo do mandato.
Para Lucas Martins, o “caso de Mar-a-Lago, é improvável que Trump seja declarado culpado, uma vez que o caso está nas mãos de um juiz federal indicado por ele”.
Processo em Nova York:
O primeiro processo da esfera criminal no qual Trump se tornou réu também foi da Justiça estadual de Nova York.
Ele foi acusado de disfarçar, como honorários advocatícios, na contabilidade de seu grupo empresarial, o suposto pagamento para a ex-atriz pornográfica Stormy Daniels. Em troca, ela ocultaria, durante sua campanha a presidente em 2016, um caso extraconjugal que teriam tido.
O professor Lucas Martins ressalta: “Trump já foi considerado culpado por fraude fiscal pela justiça estadual. Resta saber as multas que o ex-presidente terá de pagar e como isto irá afetar a operação de seus negócios no estado”, diz o professor.