‘Não os faça esperar’: cresce a pressão na COP26 por novos financiamentos
Chefe do Fundo Verde para o Clima (GCF), Yannick Glemarec, afirmou que nações insulares precisam de recursos urgentes para proteção do clima
A pequena nação insular da Jamaica, como muitas outras no Caribe, é regularmente atingida por tempestades tropicais que estão se tornando mais violentas com o aquecimento do oceano, ameaçando destruir residências, redes de energia, hospitais, estradas e portos.
As perdas causadas pelo clima em ilhas vulneráveis na região – agora também afetadas pela crise causada pela pandemia da Covid-19 – fizeram com que os níveis da dívida destas nações e os custos de empréstimos disparassem.
Isso pode deixar esses lugares para trás na luta para investir na proteção do clima de que seus cidadãos precisam, de acordo com o chefe do Fundo Verde para o Clima (GCF), Yannick Glemarec. O fundo tem apoio da Nações Unidas.
Glemarec, que visitou o Caribe há 10 dias, disse que países como a minúscula Dominica estão presos em um ciclo de tentar reduzir sua dívida apenas para vê-la “explodir” novamente depois que um furacão destrói uma grande parte do produto interno bruto (PIB) e, como consequência, muito mais empréstimos são necessários para reparar os danos. Mas esse não é um padrão inevitável, acrescentou.
“Se você investir em adaptação, poderá ter uma infraestrutura resiliente”, disse ele em uma entrevista paralela às negociações climáticas da COP26, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 da ONU. Ele falou à Thomson Reuters Foundation.
“Há algo que você pode fazer a respeito – mas, para isso, você precisa de dinheiro, precisa de acesso ao capital.”
De forma paralisante, para muitas nações insulares, esse dinheiro não está disponível, seja porque eles acham difícil negociar as complexidades de acessar o financiamento público internacional para o clima, seja porque os investidores privados os veem como um risco muito alto.
Infraestrutura verde
O fundo multibilionário GCF quer mudar esse status quo com novos projetos de teste mapeando como dois países costeiros – Jamaica e Gana – podem fortalecer suas defesas naturais contra a elevação do mar e tempestades com medidas como restaurar pântanos e plantar mais árvores.
O objetivo é ajudá-los a evitar a construção de ainda mais quebra-mares e outras barreiras de concreto com alto teor de carbono, ao mesmo tempo em que demonstra a potenciais patrocinadores do setor privado que empréstimos para “infraestrutura verde” não trazem incertezas inaceitáveis.
Ao ajudar os investidores a avaliar os projetos de forma mais eficaz e, quando necessário, usando fundos de doadores para cobrir parte de quaisquer perdas “você definitivamente transfere dinheiro”, disse Glemarec.
Os países em desenvolvimento e aqueles que trabalham com eles dizem que tais projetos, que visam obter financiamento para limitar a destruição potencial dos crescentes impactos climáticos, são urgentemente necessários, juntamente com um financiamento separado para lidar com as perdas que ocorrem.
Mudanças climáticas causam ‘impacto econômico devastador’
Um estudo divulgado pela instituição de caridade Christian Aid destacou o impacto econômico devastador que a mudança climática pode infligir aos países mais vulneráveis sem cortes bruscos nas emissões de aquecimento do clima e medidas para se adaptar ao aquecimento já encontrado.
As economias desses países ainda cresceriam na segunda metade deste século, prevê o estudo.
Mas se as temperaturas globais subirem 2,9 graus Celsius – um aumento que as políticas climáticas atuais podem causar – as nações mais pobres e pequenos Estados insulares podem acabar com um PIB médio quase 20% menor do que sem mudanças climáticas até 2050, e 64% menor até 2100.
Mesmo se o aquecimento global fosse limitado a 1,5ºC, conforme estabelecido no Acordo de Paris de 2015, esses países ainda poderiam enfrentar uma redução média do PIB de cerca de 13% até 2050 e 33% até 2100, previu o estudo. A África sofreria o maior golpe, disseram os pesquisadores.
Marina Andrijevic, que coordenou o estudo, disse que apenas examinou o impacto do aumento da temperatura, o que significa que os danos adicionais do clima selvagem podem piorar ainda mais as perspectivas econômicas para esses países.
As descobertas “implicam que a capacidade dos países do Sul Global de se desenvolverem de forma sustentável está seriamente comprometida e que as escolhas políticas que fazemos agora são cruciais para evitar mais danos”, disse Andrijevic, da Universidade Humboldt de Berlim, na Alemanha.
Nushrat Chowdhury, conselheira de justiça climática da Christian Aid de Bangladesh, na Índia, disse que viu em primeira mão como a “perda e dano” do clima já afetou seu povo, com casas, terrenos, escolas, hospitais e estradas atingidos por enchentes e ciclones.
“As pessoas estão perdendo tudo. O nível do mar está subindo e as pessoas estão desesperadas para se adaptar à mudança da situação”, disse ela em um comunicado. “Se alguma vez houve uma demonstração da necessidade de um mecanismo concreto de perdas e danos, é esta.”
Um mecanismo para lidar com essas perdas foi estabelecido nas negociações climáticas da ONU de 2013 em Varsóvia, mas os negociadores até agora fizeram pouco mais do que pesquisar opções para ações no mundo real, apesar dos crescentes apelos para que elas sejam postas em prática.
Recursos de financiamento
As demandas são especialmente fortes por novos tipos de financiamento para ajudar os países a se reconstruírem melhor após desastres destrutivos e realocar comunidades em risco para longe de litorais em ruínas e propensos a inundações.
Os países ricos, no entanto, até agora se recusaram a ir além do apoio para expandir a cobertura de seguro para condições climáticas extremas.
Na semana passada, o governo escocês abriu um precedente ao anunciar que forneceria £ 1 milhão (US$ 1,35 milhão) para ajudar as comunidades pobres a lidar com perdas e danos reparando e reconstruindo após desastres relacionados ao clima, como inundações e incêndios florestais.
Nas negociações de Glasgow, grupos de países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares estão pressionando fortemente por uma luz verde oficial para estabelecer algum tipo de fluxo de financiamento global para perdas e danos, de preferência na cúpula do clima do próximo ano.
Neste domingo, foi divulgada uma lista de possíveis pontos que poderiam ser incluídos em uma decisão final acertada na COP26, a tempo de ser discutida pelos ministros nesta segunda e última semana das negociações.
Já no tema perdas e danos foi mencionada apenas a “necessidade de um maior apoio financeiro e adicional”.
É improvável que isso satisfaça os negociadores de países vulneráveis, embora represente um abrandamento da oposição de governos ricos.
Yamide Dagnet, diretor de negociações climáticas do World Resources Institute, um think-thank com sede nos EUA, disse que a proposta era fraca e as questões financeiras em geral agora são como um “elefante na sala”.
As nações ricas ainda não cumpriram a promessa de arrecadar US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para impulsionar a energia limpa e ajudar as comunidades vulneráveis a se ajustarem às mudanças climáticas, uma fonte de profunda frustração nas negociações.
No Acordo de Paris, os países disseram que buscariam um equilíbrio no financiamento entre o corte de emissões e medidas para se adaptar a um mundo mais quente, mas apenas cerca de um quarto do financiamento até agora foi para esforços de adaptação.
Sonam P. Wangdi, do Butão, que preside o grupo de países menos desenvolvidos na COP26, disse ao jornal britânico Observer no domingo que a adaptação “é extremamente importante”.
“Precisamos nos adaptar agora, e para isso precisamos de dinheiro. Mas esse dinheiro não está vindo, atualmente. Como vai vir, não sei”, acrescentou.
Para o chefe do GCF, Glemarec, a urgência de ajudar os países pressionados pelos impactos das mudanças climáticas e pela pandemia é clara. “Quando você tem pessoas em apuros, não os faça esperar”, disse ele.
(edição de Laurie Goering)