Carência por like está quimicamente relacionada ao vício, alerta especialista
Diretor científico da Associação Americana de Psicologia diz que as redes sociais ativam regiões do cérebro relacionadas à sensação de “quero mais”
Você tem o celular na mão o tempo todo. Você abre suas redes sociais, fica olhando o telefone por um longo tempo, navegando automaticamente. Você guarda o telefone, mas, apenas alguns minutos depois, abre novamente o aparelho para continuar vendo as mesmas redes sociais que acabou de ver. A ação é repetida várias vezes ao dia.
Esta é uma cena comum? O que torna a mídia social tão atraente. Ou viciante?
O “charme” das redes sociais
As redes nos conectam com outras, são visualmente atraentes, nos oferecem conteúdos sobre pessoas, atividades, lugares de nosso interesse, mas “são pensadas de forma a promover a repetição do seu uso”, diz Carolina Vidal, professora assistente de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
“A maioria das redes sociais tem uma característica comum – o ‘curtir’ – que reforça o comportamento da pessoa que compartilha o comentário ou foto, promovendo sua repetição. Os likes têm se mostrado equivalentes a retornos relacionados a dinheiro ou recompensas sociais”, disse Vidal.
O porquê de não conseguirmos parar de acessar as redes está no cérebro.
Muitas pessoas são atraídas pelo uso frequente – quase viciante – da mídia social porque ela ativa substâncias químicas cerebrais que aguçam a sensação de “quero mais”. É o que diz o médico Mitch Prinstein, diretor científico da Associação Americana de Psicologia (APA).
“Estamos todos interessados em interações sociais agradáveis, mas a pesquisa mostra que a mídia social e seu foco em ‘curtidas’ quantificadas ou notificações frequentes, parecem estar associadas à ativação de áreas no cérebro que nos fazem não apenas desfrutar dessas interações, mas biologicamente ansiar por elas”, disse Prinstein.
“Essas são as mesmas regiões do cérebro associadas ao vício em substâncias ilegais”, acrescentou o diretor científico da APA.
Segundo Prinstein, entre os 10 e 12 anos de idade, o cérebro “aumenta a capacidade de receber sinais da dopamina e da oxitocina”, o que faz com que as pessoas anseiem por atenção, visibilidade e busquem um lugar dentro de seu grupo social.
“A mídia social capitaliza essa mudança biológica, dando-nos uma plataforma para procurar essa reação bioquímica literalmente 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano”, disse Prinstein, observando que, é algo “perigoso porque não é a maneira como os humanos estão acostumados a interagir uns com os outros”. E isso gera vulnerabilidades.
Mas nem sempre é problemático usar redes sociais.
“A maioria das pessoas parece usar a mídia social de maneira saudável”, disse Paul Croarkin, psiquiatra infantil da Clínica Mayo, em Rochester, Minnesota.
“É importante perceber que, nem tudo está errado com elas. Quando as usamos de maneira saudável, podem criar oportunidades únicas para construir relacionamentos”, acrescentou Croarkin.
Redes buscam “satisfazer necessidades”
As redes sociais conhecem você. Elas sabem, por meio de um algoritmo, do que você gosta, o que mais causa curiosidade e interesse, e é por isso que oferecem um conteúdo que faz você ficar mais tempo lá, disse Enrique Pumar, um sociólogo da Universidade de Santa Clara, na Califórnia.
O vício em redes sociais, segundo Pumar, se deve também à curiosidade latente. “Somos seres sociais e nos interessamos pelo bem-estar dos outros”, disse.
Segundo o sociólogo, por meio da interação social, o ser humano forma sua autoestima e até mesmo sua identidade. Portanto, uma interação constante nas redes sociais tem a ver com prestar atenção à vida das outras pessoas, e o que elas pensam sobre elas. Essa curiosidade sobre nós mesmo pode ser a chave para entender o vício.
“O vício nas redes nada mais é do que uma necessidade social que hoje se manifesta através de uma plataforma e de uma forma mais ampla e democrática, porque todos que têm acesso à rede (e nem todos têm, é claro), podem participar”, afirmou.
Prinstein, da APA, diz que a dependência de “likes” nas redes sociais pode ser tão problemático quanto o vício em drogas, jogos de azar ou videogames.
Nem tudo é “vício”, pode ser apenas atração
Não se preocupe. O simples fato de alguém ter um desejo “excessivo” de estar nas redes sociais não faz dele um “viciado”, mas é preciso estar atento aos sinais.
O vício “é um distúrbio cerebral crônico relacionado à recompensa e motivação”, disse, em um podcast, Ashish A. Bhatt, diretor de conteúdo médico do Center on Addiction e um especialista em vícios. O Addiction Center faz parte de uma empresa que opera várias instalações nos Estados Unidos dedicadas à recuperação de vícios.
Até o momento, não há diagnóstico oficial de “dependência” em telefones ou redes sociais, mas existem sintomas ou critérios que podem ativar alertas quando há uso excessivo dessas plataformas.
“Embora não haja um diagnóstico formal para dependência de redes sociais … é evidente que algumas pessoas têm um uso problemático ou compulsivo das redes sociais. Alguns especialistas estimam que até 10% das pessoas têm esse uso problemático ou excessivo que poderia ser conceituado como um vício “, disse o Dr. Croarkin, da Mayo Clinic.
Diferenciar o uso excessivo de um vício pode ser difícil, de acordo com o Dr. Vidal.
“É difícil diferenciar entre normal e patológico porque, por exemplo, os adolescentes de hoje estão saturados de atividades na internet, gastando cerca de 6 a 9 horas por dia nessas plataformas. Isso inevitavelmente leva a menos atividades em outras áreas da vida deles “, disse o especialista da Universidade Johns Hopkins.
“Quando a pessoa não consegue controlar o uso, ou o uso ocupa grande parte da vida, causa estresse e problemas no trabalho, na escola ou na saúde mental, é importante estar alerta”, acrescentou.
Sinais para ficar atento a um possível vício em redes sociais
Alguns comportamentos a serem observados, de acordo com Croarkin, incluem:
- Gastar tempo excessivo usando ou verificando redes
- Focar nelas de uma maneira que interferia com muita frequência na vida cotidiana
- Dificuldade em usar as redes por curtos períodos
- Desejo compulsivo de entrar em uma rede
- Irritabilidade ou raiva quando é incapaz de acessar
- Sentimentos de solidão, baixa autoestima e raiva por não poder usar as redes
- Capacidade limitada de pensar profundamente ou criativamente
“Devemos nos perguntar se estamos permanecendo nas redes por mais tempo do que o esperado, se tentamos gastar menos tempo, mas temos dificuldade em parar, e se os dedicamos muito para garantir acesso. Todos esses são sinais de vício “, disse Prinstein, da APA.
Mas Croarkin insiste que, apenas usar as mídias sociais não significamos que estamos viciados ou o uso é prejudicial.
“É importante perceber que, nem todo uso de mídia social é prejudicial à saúde e muitas pessoas as usam de forma eficaz como suporte emocional e ferramenta de comunicação”, disse.
Outros perigos do uso viciante de redes sociais
A mídia social abriu janelas para um mundo de possibilidades, “removeu barreiras geográficas e nos deu oportunidades únicas de criar conexões quase instantâneas com outras pessoas”, disse Croarkin.
Mas as interações físicas também diminuíram.
“Paradoxalmente, a mídia social também pode diminuir outras formas importantes de comunicação face a face, reduzindo as oportunidades de estreitar laços, aumentando o sentimento de solidão em algumas pessoas e potencialmente contribuindo para condições como depressão e outros problemas emocionais”, acrescentou Croarkin.
Elas também podem criar um universo paralelo e nos afastar da vida real.
“Temos a tendência de acreditar que o que vemos é real, que todos os ‘likes’ representam o sentimento das pessoas e que os ‘assuntos atuais’ refletem o que a maioria das pessoas acredita”, disse Prinstein. “Tudo isso é falso, mas muitas pessoas, principalmente crianças e adolescentes, mudam a forma de pensar e agir com base no que acontece no mundo virtual.”
As redes também podem “danificar discretamente a autoestima” de algumas pessoas, como os adolescentes, alguns dos mais afetados pelo uso excessivo.
De acordo com uma pesquisa do Facebook, o Instagram pode ter um impacto negativo na saúde mental e na imagem corporal de adolescentes, especialmente meninas.
Frances Haugen, uma ex-gerente de produto do Facebook, revelou documentos que mostram que a plataforma sabe que é usada para espalhar ódio, violência e desinformação, e que tentou esconder essa evidência. Segundo Haugen, a empresa priorizou o lucro em detrimento do bem-estar das pessoas.
O Facebook rejeitou agressivamente as acusações, chamando muitas das alegações de “enganosas” e argumentando que seus aplicativos fazem mais bem do que mal.
Embora haja riscos em usar redes sociais sem controle, não se trata de demonizá-las apenas pela sua existência, mas de saber utilizá-las.
“Não se trata de eliminar ou retirar da sua vida uma rede social, uma droga, sexo, mas, sim, fazer bom uso delas”, disse.
Dicas para controlar o uso excessivo do telefone celular
- Identifique se há algo que você deseja melhorar em relação ao uso do seu telefone ou das redes sociais.
- Registre por quanto tempo você usa o telefone
- Estabeleça limites de tempo para usar as redes
- Conheça os fatores que desencadeiam seu uso
- Esqueça o medo de perder algo se não verificar o telefone
- Escolha atividades mais saudáveis
- Estabeleça áreas onde o telefone é proibido
- Pratique a higiene do sono
- Desative as notificações
- Remova as permissões para que você possa usar os aplicativos do seu notebook
- Quando estiver com amigos, encoste todos os telefones para evitar o uso durante a reunião
- Aumente as interações pessoais fora do mundo virtual
(Texto traduzido. Leia o original aqui.)