Executores punidos e polarização mantida: o legado do 8 de janeiro, segundo especialistas
Ataque completa um ano; para cientistas políticos, prisões podem ter efeito pedagógico, mas há espaço para novas condenações
Os ataques de 8 de janeiro completam um ano nesta segunda-feira. Na ocasião, manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Um ano após o episódio, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou até o momento 30 pessoas por participação no evento. Elas respondem a crimes como:
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Golpe de Estado;
- Associação criminosa armada;
- Dano qualificado;
- Deterioração de patrimônio tombado.
A CNN ouviu especialistas para compreender qual o legado do 8 de janeiro e quais seus efeitos na política e na sociedade brasileira.
Prisões podem ter “efeito pedagógico”
Na percepção do professor de ciência política da FGV-SP Marco Antônio Teixeira, as condenações por parte do Supremo podem desestimular acontecimentos semelhantes aos observados na capital federal.
“As prisões, no meu juízo, têm efeito pedagógico, na medida em que o país, desde algum tempo, sobretudo de 2016 para cá, vinha convivendo sem muitas reações a uma espécie de agressão à Suprema Corte e às instituições democráticas de maneira geral”, explica o professor.
“De todo modo, o maior ganho dessas prisões tem a ver com o efeito ilustrativo. Eu acho que teremos menos agressões às instituições democráticas e à democracia daqui para a frente”, acrescenta.
Para Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, o produto das prisões tende a ser o acirramento da polarização política no país.
“As prisões alimentam as disputas entre lulistas e bolsonaristas. Isso ajuda a manter a polarização política. [As prisões] têm efeitos dúbios”, aponta o especialista. Ainda assim, “a punição deve gerar desincentivo a esse tipo de comportamento”, completa.
Graziella Testa, doutora em ciência política pela FGV-SP, diz que responsabilizar os executores pelos ataques é primordial.
Na sua opinião, isso também implica em uma investigação mais profunda sobre alguns militares, citando a presença de manifestantes em frente a quartéis após a eleição, durante semanas, com pedidos por uma intervenção das Forças Armadas na política nacional.
“É importante, fundamental, responsabilizar os executores. Mas, mais do que isso, responsabilizar todos aqueles atores da política. E não só o ex-presidente Bolsonaro; estou falando, inclusive, das Forças Armadas, que foram muito pouco responsabilizadas no contexto”, afirma Graziella.
Não tem nenhuma dúvida de que o 8 de janeiro foi uma consequência muito direta de tudo o que acontecia nos quartéis, daquelas vigílias, que foram permitidas ou até incentivadas por setores das Forças Armadas
Graziella Testa
Especialistas: CPMI serviu como registro histórico, mas não rendeu resultado esperado pela oposição
Entre maio e outubro, deputados e senadores se reuniram na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro para apurar as circunstâncias dos atos criminosos.
O relatório final, elaborado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), indiciou 61 pessoas.
Entre elas, estão:
- o ex-presidente Jair Bolsonaro,
- o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid
- e o ex-secretário da Segurança Pública do DF Anderson Torres, titular da pasta à época dos ataques.
Na visão de Graziella Testa, o ponto mais importante da comissão foi ter criado um relato histórico de como tudo se desenvolveu naquele dia.
“Nesses momentos muito definidores – e o 8 de janeiro sempre vai ser um momento definidor da democracia brasileira – é importante ter um registro muito claro do que aconteceu. O que a CPMI rendeu foi a produção de conteúdo para mídias sociais, de curta duração, aqueles que têm grande repercussão, mas sem grandes fundamentos”, diz a doutora em ciência política.
Rafael Cortez corrobora o argumento, acrescentando que a CPMI “teve um impacto não tão grande na opinião pública, porque ocorria num cenário muito polarizado, de muita desconfiança entre os lados políticos”.
“Temos sinais de que existe uma clivagem, um conflito cristalizado entre esquerda e direita, entre lulistas e bolsonaristas. Então, acho que, a despeito dos trabalhos da CPMI, a gente tem esse conflito bastante cristalizado”, finaliza o cientista político.
Inicialmente pedida – e protocolada – pela oposição ao governo, a CPMI acabou não rendendo o resultado esperado pelo grupo que apoia Jair Bolsonaro, na visão de Marco Antônio Teixeira.
A CPMI promoveu isolamento maior nas hostes bolsonaristas. E o curioso é que ela foi demandada pelo próprio grupo ligado ao ex-presidente como estratégia de desqualificar a ação do governo, sobretudo relativa ao 8 de janeiro. Mas, de todo modo, acabou se transformando em um ‘tiro no pé’
Marco Antônio Teixeira
“Então, a marca de golpista parece que acabou de alguma maneira carimbando o grupo bolsonarista, ao invés de livrá-los dessa marca, que era a intenção deles, querendo inclusive dividir a culpa com o governo”, concluiu o especialista.
8 de janeiro e as eleições municipais
Em outubro, eleitores de todo o país vão às urnas escolher prefeitos e vereadores para os próximos quatro anos. Questionados sobre a possibilidade de o 8 de janeiro ser explorado durante a campanha eleitoral, os especialistas disseram que isto não deve ocorrer.
Para os entrevistados, a distância dos atos em relação ao pleito eleitoral (quase dois anos) indicam que o tema deve ser deixado de lado pelas campanhas.
“Eu acho improvável que isso aconteça, de ambos os lados, porque tem uma coisa das eleições. Talvez o 8 de janeiro tenha essa cara de passado e não seja interessante para os dois lados retomar isso”, avalia Graziella Testa.