Austrália será o elo mais fraco dos países mais ricos na COP26
Após pressão de aliados internacionais, primeiro-ministro da Austrália revelou que se unirá com outras nações para atingir emissões líquidas zero até 2050
O primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, revelou o tão esperado plano climático do país na terça-feira (26). Com isso, ele finalmente anunciou que seu país se juntaria às outras nações desenvolvidas para atingir emissões líquidas zero até 2050. Deveria ser uma ocasião para comemorar.
A mudança vem após meses de pressão de aliados internacionais, do povo australiano e até de membros do próprio Partido Liberal (centro-direita) de Morrison. A notícia foi calorosamente recebida pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que será o anfitrião das negociações climáticas da COP26 que começam no domingo (31) em Glasgow, Escócia.
Mas, na realidade, Morrison irá para a COP26 de forma relutante, com o plano climático mais fraco entre os países desenvolvidos do G20. O líder australiano também ignorou meses de apelos para aumentar a promessa do país de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, que é de cerca de metade da promessa dos EUA, e ainda menor que os compromisso da União Europeia e do Reino Unido.
Depois de publicar um artigo provocador para anunciar a política, no qual o primeiro-ministro escreveu que “não será repreendido por outros que não entendam a Austrália”, Morrison disse aos jornalistas que nem mesmo pretendia transformar a emissão zero em lei.
Dezenas de países já apresentaram planos para chegar a emissões líquidas zero (quando as emissões de gases de efeito estufa são reduzidas e quaisquer emissões remanescentes são removidas da atmosfera) antes da cúpula de Glasgow. Mais de uma dúzia de nações já transformaram os compromissos em lei, e muitos que anunciaram a meta pretendem fazer o mesmo no futuro.
Falando em uma coletiva de imprensa na terça-feira (26), Morrison disse que seu governo alcançaria zero líquido em 2050 “do jeito australiano” ao equilibrar o risco da mudança climática sem prejudicar a economia.
“O mais importante do nosso plano é como ele apoia os australianos a alcançarem o que desejam atingir quando se trata de atingir emissões líquidas zero até 2050. Os australianos querem fazer isso e nosso plano permite que eles façam isso. Nosso plano trabalha com os australianos para atingir esse objetivo. Nosso plano os capacita, não legisla sobre eles, não os impõe, não os força. Isso os respeita”, afirmou Morrison.
Entre os países avançados do G20, apenas Austrália, Itália e EUA ainda têm emissão líquida zero em documentos de políticas, ao invés de leis, de acordo com dados rastreados pela organização britânica Energy & Climate Intelligence Unit.
No caso dos Estados Unidos, o presidente Joe Biden está pelo menos se esforçando para que seus planos abrangentes sobre o clima sejam aprovados no Congresso. É uma batalha dura, mas é provável que o presidente consiga aprovar alguns pontos para apoiar as emissões
líquidas zero. Já as metas da Itália precisarão atender aos requisitos estabelecidos pela UE. Isso basicamente torna a Austrália o elo mais fraco.
O Australian Climate Council (Conselho de Clima Australiano), que é independente do governo, considerou o anúncio de Morrison fraco.
“O anúncio do governo de Morrison de emissão líquida zero até 2050 é uma piada ao não incluir fortes cortes de emissões nesta década”, declarou o chefe de pesquisa da organização, Simon Bradshaw, à CNN.
Bradshaw disse que, mesmo com o compromisso de emissão líquida zero, a Austrália ficou em “último lugar” de todas as nações desenvolvidas em seu registro climático. Em um relatório recente, o Conselho descobriu que a Austrália era a nação desenvolvida com pior desempenho na redução das emissões de gases de efeito estufa e estava atrasada em relação aos combustíveis fósseis.
O Conselho calculou que a Austrália deve reduzir suas emissões em 75% abaixo dos níveis de 2005 até 2030 e atingir emissão líquida zero em 2035 para fazer sua parte na contenção do aquecimento global a 1,5 grau Celsius (valor que os cientistas dizem ser necessário para evitar o agravamento dos impactos da crise climática).
“Como primeiro passo, a Austrália deve corresponder aos compromissos atualizados de nossos principais aliados, incluindo os EUA e o Reino Unido, e se comprometer antes de Glasgow a pelo menos reduzir as emissões nacionais nesta década”, disse Bradshaw.
Poucos detalhes
A Austrália é o segundo maior exportador de carvão do mundo e seu ministro de recursos, Keith Pitt, afirma que o país continuará a extrair e vender carvão no exterior bem depois de 2030. O carvão é o maior contribuinte individual para a crise climática. O presidente da COP26, Alok Sharma, quer um acordo para eliminá-lo gradualmente, com as nações desenvolvidas tendo 2030 como meta para o seu fim.
A hesitação de Morrison em anunciar a emissão líquida zero dependeu em grande parte da postura dos aliados políticos de seu partido, os Nationals, muitos dos quais se opunham à política.
Para obter as emissões líquidas zero além do esperado, ele teve que fazer um acordo com o Nationals, promovendo Pitt a ministro do gabinete.
Chris Bowen, membro do Partido Trabalhista responsável por agir na oposição nas questões do clima (o que no sistema político do país é conhecido como “ministro sombra” do clima), descreveu o anúncio do governo como uma “farsa”, sem novos detalhes de política.
“Já vi biscoitos da sorte mais detalhados do que o documento divulgado hoje pelo governo. A mudança climática é o maior desafio que o planeta enfrenta e a maior oportunidade que a Austrália encara hoje. Requer liderança”, afirmou.
Espera-se que a mudança climática seja uma questão importante nas próximas eleições federais, que acontecem no início do próximo ano. Será uma disputa apertada entre o partido Trabalhista, da oposição, e a coalizão dos partidos Liberal e Nacional, hoje no governo.
A legislação climática e o conceito de um imposto sobre o carbono foram a ruína de muitos líderes australianos. Além disso, à medida que o Partido Liberal de Morrison perde popularidade nas pesquisas, o primeiro-ministro tem feito tudo ao seu alcance para mostrar que seu governo não imporia nenhum tipo de imposto sobre o uso de energia.
Em seu plano, ele enfatiza “tecnologia, não impostos”. Mas, sem planos para legislar, a meta de emissão líquida zero permanece puramente aspiracional na Austrália, carecendo de qualquer mecanismo de responsabilização caso não seja atingida.
Bill Hare, físico, cientista do clima e CEO do instituto de ciência e política sem fins lucrativos Climate Analytics, disse que faltam detalhes ao plano e que “não havia absolutamente nenhuma maneira” de ajudar a Austrália a chegar a emissões líquidas zero em 2050. “Simplesmente não para em pé”, opinou sobre o plano.
“O chamado roteiro de tecnologia não contém detalhes reais. Essa é a maior parte do caminho proposto para 2050. E, pelo que entendemos, ele essencialmente depende da captura e armazenamento de carbono e de outras abordagens, que comprovadamente não funcionam. Portanto, nesta fase, acho que [o plano] é quase uma fraude, sinceramente”.
Mas ele está sendo visto por alguns, incluindo empresas australianas, como – no mínimo – um passo na direção certa.
O Conselho Empresarial da Austrália parabenizou o governo por seu plano de “garantir que os australianos sejam os vencedores dessa mudança” e celebrou o foco na tecnologia.
“Grandes investimentos em habilidades e novas tecnologias como hidrogênio e minerais essenciais serão cruciais para posicionar a Austrália para aproveitar as vantagens de novos mercados e as oportunidades num mundo de baixas emissões”, disse a executiva-chefe Jennifer Westacott em um comunicado.
O Conselho de Minerais, que representa a mineração no país, disse que o plano deu uma certeza “a médio e longo prazo para o setor de mineração australiano e seus clientes”.
(Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).