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    O bitcoin pode acabar? Entenda como funciona a escassez da criptomoeda

    Moeda digital possui quantidade máxima que pode ser minerada, o que influencia o comportamento do ativo

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business* em São Paulo

    O bitcoin é a criptomoeda mais negociada no mundo, e ganhou popularidade nos últimos anos. Mas não é porque a moeda é totalmente digital que ela é infinita. Na verdade, ela possui uma quantidade máxima que pode ser gerada, ou minerada, nome que representa o processo de obtenção.

    Essa quantidade limite, de 21 milhões de bitcoins, foi definida já no código base da criptomoeda pelo seu criador, ou criadores, já que o próprio responsável ainda é desconhecido.

    Especialistas consultados pela CNN Brasil Business afirmam que, na prática, essa característica influencia no comportamento do ativo, nas possibilidades de investimento e de uso. Eles observam que, hoje, a marca de 18 milhões de bitcoins mineradas já foi ultrapassada.

    A questão da escassez

    Na economia, a escassez é uma ideia aplicada a qualquer bem que tenha uma quantidade limitada que pode ser produzida ou obtida. É um conceito que costuma ser usado principalmente para as commodities, que são recursos naturais.

    A ideia de um bem escasso é que, por ter uma quantidade de oferta limitada, uma alta na demanda acaba elevando seu preço. E se, em teoria, seria possível esgotar todas as reservas de um minério, também seria possível minerar toda a quantidade disponível de bitcoin.

    “A quantidade limitada veio no próprio protocolo, o texto fundacional do bitcoin, que foi publicado por uma entidade desconhecida, chamada Satoshi Nakamoto, que publica entre 2008 e 2009 um texto enxuto e elegante com a sugestão de protocolo técnico para funcionamento de uma criptomoeda”, afirma Edemilson Paraná, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).

    Para o professor, o limite se insere em uma ideia “sobre funcionamento e administração da dinâmica monetária”, ou seja, busca determinar não apenas que o bitcoin poderia ser usado como uma moeda, mas também trabalha com o princípio de que o dinheiro deve ser escasso.

    Com isso, é comum que o bitcoin seja comparado ao ouro, um metal que já foi usado como moeda e que também tem como característica determinante a escassez, além de ser obtido por um processo de mineração.

    João Marco da Cunha, gestor de portfólios da fintech Hashdex, diz que, apesar de o bitcoin ser usado como moeda, a escassez “é uma das principais razões que dão credibilidade à tese do bitcoin como reserva de valor no futuro”.

    A ideia de uma reserva de valor é ter um ativo cujo dinheiro investido fica “protegido” de efeitos que atingem outros ativos, como variações na inflação ou câmbio em meio a crises, e inclusive se valorize nesses cenários.

    O gestor lembra que, no caso do ouro, é comum que os esforços de mineração aumentem quando a oferta aumenta, como uma forma de balanço. “O bitcoin não tem isso, ele multiplicou 5 vezes o preço no último ano, mas não consegue minerar mais bitcoin, a rede tem esse mecanismo de preservação da mineração de novos bitcoins. É até mais escasso que o ouro”.

    Esse mecanismo tem objetivo principal garantir que, assim como previsto por Satoshi Nakamoto, o limite de 21 milhões de bitcoins só seja alcançado no ano de 2140. Para isso, a quantidade fornecida para os mineradores diminui conforme o aumento da mineração, e a dificuldade aumenta.

    “A taxa de emissão do bitcoin é uma curva exponencial, sobe muito rápido, mas depois ela fica constante, então demora mesmo para emitir o resto. Até 2140 é certeza que todos vão ser emitidos, mas a ideia é que nesse final da curva se emita muito pouco. A previsão é que a maioria que falta vai ser emitido até 2040”, diz Rodrigo Zobaran, analista quantitativo na Kinea Investimentos.

    Em teoria, uma moeda deve ter três funções: ser uma reserva de valor, uma unidade de compra e um meio de troca. Para Paraná, a própria descentralização do bitcoin, sem uma entidade central como um banco, dificulta a sua utilização como dinheiro.

    “O dinheiro não é uma coisa, mercadoria, é um instrumento de representação da riqueza, por isso tem as instituições que garantam essa dinâmica. Dinheiro não é neutro, exógeno, ele tem propriedades particulares para performar suas funções, e não tem a ver centralmente com o caráter de mercadoria, de ser algo escasso”, diz.

    Cunha afirma que, para poder ser usado como meio de pagamento digital, o bitcoin precisa aumentar o volume de transações que consegue processar, que ainda é baixo.

    “A comunidade do bitcoin há alguns anos fez uma decisão de não aumentar essa capacidade, quer manter, focar na função de reserva de valor, mas isso não significa que abandonou a função original”, afirma.

    O bitcoin é o novo ouro?

    Rodrigo Zobaran afirma que, por mais que o bitcoin seja visto hoje como um bom ativo de proteção contra a inflação, já que sua oferta limitada levaria a sua valorização, o comportamento da criptomoeda ainda é mais influenciado pela demanda, o que gera volatilidade.

    “A oferta é fixa, mas muita gente entra por notícias e acha que está subindo, e muita gente sai porque perdeu dinheiro, está com medo de regulações, isso dá a dinâmica. Por enquanto o que importa é como as forças de mercado estão andando”, diz.

    Marco Freire, gestor de multimercados da Kinea, considera que o bitcoin é “uma reserva de valor em potencial”, mas ainda não há como saber se a criptomoeda realmente se tornará “o novo ouro” ou se será preterida por outras opções, incluindo o próprio metal ou outras criptomoedas.

    “O ouro tem 6 mil anos de história, é usado assim há séculos, o bitcoin é algo novo, é difícil saber se vai ser usado no futuro, pode surgir outra tecnologia”, afirma.

    Já sobre o uso do bitcoin como moeda digital, Freire diz que há uma tendência delas serem usadas pelos jovens, mas que o bitcoin enfrentará a concorrência de outras criptomoedas, além das moedas digitais que devem ser lançadas no futuro por bancos centrais.

    “A oferta limitada mostra que querem criar uma reserva de valor, mas não há garantia que vai dar certo, depende da economia e da regulação que os governos vão colocar”, diz.

    O gestor da Kinea afirma que o bitcoin possui um funcionamento diferente do ouro, já que suas variações não dependem necessariamente dos juros ou inflação, mas sim da sua adoção. E esse aspecto está ligado a questões como digitalização e regulação. Mesmo assim, ele diz que o setor de criptomoedas como um todo “deve crescer ainda”.

    O bitcoin como dinheiro

    Para Paraná, o crescimento vertiginoso do bitcoin, intensificado na pandemia, está ligado a um ambiente de “farta oferta monetária”, ou seja, uma grande circulação de dinheiro em investimentos.

    Nesse sentido, a quebra desse ciclo de alta ocorreria, na visão dele, com uma alteração rápida nas condições macroeconômicas, como uma alta rápida nas taxas de juros ao redor do mundo.

    “O que ocorre é que muitos especialistas apontam o limite como o problema fundamental do bitcoin, porque gera uma pressão deflacionária, que seria um fortalecimento do dinheiro, mas que não é necessariamente bom”, diz.

    A ideia seria que as taxas de crescimento das transações envolvendo o bitcoin subiriam muito, e o suprimento disponível não daria conta, o que faria o valor do bitcoin subir rapidamente. Já as mercadorias atreladas ao bitcoin perderiam valor, como forma de incentivar a compra delas.

    “Quem produz quer vender logo, então reduzem preços, e quem tem dinheiro não quer comprar, cria-se um cenário recessivo”, afirma.

    Cliente faz pedido em restaurante de fast food que aceita pagamentos Bitcoin em 9 de setembro de 2021. San Salvador, El Salvador
    Adoção do bitcoin como meio de pagamento ainda esbarra em desafios / Roque Alvarenga / APHOTOGRAFIA / Getty Images

    O professor considera que as criptomoedas vieram para ficar, mas que não devem substituir o dinheiro como conhecemos, o que reforça a visão de que elas podem se tornar principalmente reservas de valor, e não meios de pagamento.

    “Os requisitos para que o dinheiro possa ser dinheiro, ser meio de troca e de pagamento, uma reserva de valor, unidade de compra, não devem mudar, e nenhuma criptomoeda consegue cumprir tudo isso”, diz.

    Já o gestor da Hashdex afirma que o calendário estabelecido pelo criador, ou criadores, do bitcoin é considerado “bastante confiável”, e que não espera grandes altas ou quedas nas cotações por conta da questão da oferta.

    Para ele, mesmo tendo uma quantidade limitada, o bitcoin é “extremamente divisível”, o que pode ajudar no seu uso como meio de pagamento. “A partir do momento que o bitcoin estabiliza a oferta vira uma unidade de compra mais confiável, preserva o valor de compra. Por isso é um excelente candidato, mesmo sem realizar pagamentos na rede principal necessariamente”, diz.

    “Acho que poucos países vão adotar o bitcoin como moeda, é difícil de implementar, trabalhar com as mudanças de câmbio, todo um processo de estabilização”, afirma Freire.

    *Sob supervisão de Thâmara Kaoru

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