Movimentos de oposição fazem protestos hoje contra o governo Bolsonaro
Organizadores e especialistas apontam que esse ato é o primeiro a ser composto por uma frente realmente ampla, com partidos e entidades de todos os espectros
A oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) volta às ruas neste sábado (2). Os protestos estão sendo organizados em conjunto pela campanha Fora Bolsonaro (que promoveu os atos anteriores e reúne centrais sindicais, movimentos populares e partidos de esquerda), pela entidade civil Fórum pela Democracia Direitos Já! e por lideranças dos nove partidos que assinaram pedidos de impeachment do presidente (PSOL, PCdoB, PT, PDT, PSD, Rede, PV, Cidadania e Solidariedade).
As manifestações já contam com a adesão de mais de 20 legendas. Segundo os organizadores, há atos confirmados em 251 cidades brasileiras e em 16 países. As principais lideranças políticas, além de artistas, devem se concentrar na Avenida Paulista, região central de São Paulo, a partir das 13h (horário de Brasília). A abertura da manifestação na capital paulista será feita por líderes de diversas religiões.
Os presidenciáveis Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania) confirmaram presença na Paulista. O governador de São Paulo, João Doria, não comparecerá por estar em campanha das prévias do PSDB, em Minas Gerais.
Não há previsão de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) compareça. No entanto, ele está sendo pressionado pelas centrais sindicais a participar ao menos por vídeo. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, anunciou que estará presente, assim como Fernando Haddad, ex-prefeito paulistano e candidato petista nas eleições de 2018.
Alguns parlamentares participarão por meio de vídeos que serão exibidos próximo ao Masp (Museu de Arte de São Paulo), como a senadora Simone Tebet (MDB), o senador José Anibal (PSDB), os deputados Junior Bozzella (PSL) e Fabio Tradi (PSD) e o fundador do Novo, João Amoedo.
Mudança no clima
Para Fernando Guimarães, sociólogo e coordenador do Direitos Já!, os atos deste sábado são o primeiro composto por uma frente realmente ampla de setores da sociedade insatisfeitos com o governo. E podem marcar uma “virada de chave” na oposição.
“Nós ampliamos a construção política e agregamos novos setores. Mesmo partidos que não tenham consenso sobre impeachment, estamos reunindo lideranças que são contra o governo Bolsonaro. Sem preocupação se é de direita ou esquerda, mas com as diferenças asseguradas e com a responsabilidade de acolher essas figuras de todos os campos politicos”, afirmou à CNN.
O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, concorda com a ideia de que, se houver um ato realmente coeso com lideranças partidárias de diversos espectros e nenhum incidente, o clima político pode mudar.
“Assim como em 2018 a maior força política foi o antipetistmo, hoje a maior força é o antibolsonarismo. Há uma expectativa positiva, não otimista, com essa adesão de movimentos suprapartidários e lideranças de diversos partidos. Se não houver violência no ato, se for estabelecido um clima de unidade, pode ser iniciada uma onda que mexe com o humor de Brasília, como já vimos nos processos de impeachment anteriores”, explicou Melo.
A professora de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Olívia Perez, pesquisadora de Democracia e Marcadores Sociais da Diferença, analisa o cenário com mais cautela. “A esquerda vem de uma série de protestos, desde maio. As pessoas estão doentes, cansadas, passando dificuldades. Mas há um desgaste de Bolsonaro que desde os atos do dia 7 de setembro, a viagem para a ONU, as repetidas notícias de pessoas passando fome e a CPI da Covid.”
A professora se refere aos atos a favor do presidente Jair Bolsonaro em todo o país no Dia da Independência. Após participar em Brasília, o presidente compareceu ao ato organizado na avenida Paulista, onde, segundo estimativa da Secretaria de Segurança Pública (SSP) e da Polícia Militar, 125 mil pessoas participaram das manifestações pró-governo.
Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Goiânia também reuniram milhares de apoiadores de Bolsonaro.
Durante seu discurso na Paulista, Bolsonaro ameaçou não cumprir decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. “Quero dizer àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: ‘só Deus me tira de lá’. Aviso aos canalhas: não serei preso”, afirmou o presidente.
O discurso de Bolsonaro gerou forte reação de parlamentares, governadores, ministros do STF e de parte do empresariado, fazendo com que o presidente mudasse o tom no dia seguinte, divulgando uma carta à nação, redigida com a ajuda do ex-presidente Michel Temer.
Foi nesse contexto que aconteceram as manifestações anti-Bolsonaro do dia 12 de setembro. A carta à nação deu uma esfriada na fervura política e partidos que chegaram a cogitar pedir o impeachment de Bolsonaro por suas falas anti-STF desistiram diante da carta.
Melo ressalta ainda que as manifestações de 12 de setembro, promovidas pelos grupos MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem Pra Rua, foram mais fragmentadas. “Houve uma série de problemas no ato do dia 12. A começar com o mote ‘Nem Lula, nem Bolsonaro. Mudaram para ‘Fora, Bolsonaro’, em cima da hora. Havia restrições à direita e à esquerda. O ato de hoje começou a ser organizado há mais de um mês, e se propõe a ser realmente suprapartidário. É outro clima.”
Outro fator que diferencia esse protesto do anterior é a adesão do PT. Embora o partido já tenha participado de manifestações anti-Bolsonaro antes, como no próprio dia 7 de Setembro, desta vez o PT pode estar embarcando a valer numa frente ampla, para além da esquerda.
Para Olívia, não existe mesmo frente ampla sem o PT, como o MBL e o Vem Pra Rua pretendiam. “O PT continua sendo um dos principais partidos do país, é o partido com maior intenção de votos atualmente em todas as pesquisas. E isso apesar de todo discurso antipetista e a tentativa de diminuir a importância do partido. Então, não há como se pensar em uma frente ampla democrática sem o PT. Justamente por isso, mesmo se o protesto de hoje for um fracasso, não acho que isso vá interferir no futuro do partido ou da candidatura de Lula”, disse a professora.
Narrativas e símbolos
O professor do Insper lembra que, mais uma vez, haverá, depois dos protestos, uma disputa de narrativas políticas. Independentemente de o ato deste sábado atrair milhares de pessoas ou não, o presidente Jair Bolsonaro vai construir um discurso de fracasso da oposição.
“Todo mundo vai disputar a foto. Em caso de pouca adesão, precisamos ver se vai haver uma desculpa, como a chuva ou algum incidente, ou não. Um eventual fracasso na mobilização deste sábado não vai ser capaz de diminuir a rejeição a Bolsonaro e também não vai fazer o governo dele melhorar. A situação vai se arrastar até a eleição. Um lado vai colocar em dúvida as pesquisas eleitorais, outros vão colocar a culpa no Lula, cada grupo vai construir sua versão”, diz Melo.
Os organizadores estão incentivando o que chamam de resgate dos símbolos nacionais. “O verde e amarelo foram tomados de assalto pela ultradireita. Contra Bolsonaro cabem todas as cores, bandeiras. Vamos encerrar o ato com o hino nacional”, contou Raimundo Bomfim, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP).
Por conta da pandemia de covid-19, a orientação é para que as pessoas compareçam com máscara, usem álcool em gel nas mãos e procurem manter o distanciamento sempre que possível.