Como a crise em Belarus pode afetar o preço da comida no Brasil
País comandado por Aleksandr Lukashenko, o “último ditador da Europa”, é um dos maiores exportadores de fertilizantes do mundo
O preço do cloreto de potássio mais do que triplicou em 2021 – começou o ano sendo negociado, em média, a US$ 250 a tonelada e agora está em US$ 770. O componente é usado em larga escala para a adubação da terra e o Brasil é refém de outros países, que concentram a produção mundial do fertilizante. O cenário já está impactando os custos agrícolas e há temor de escassez para plantios do ano que vem.
É nesse contexto de dependência que entra Belarus, país do Leste Europeu com 10,5 milhões de habitantes – parecido com o estado do Paraná, em área e número de moradores. Desde que Aleksandr Lukashenko foi reconduzido, em agosto do ano passado, ao cargo de presidente para o sexto mandato seguido, em uma eleição questionada por opositores, o território vive em intensa crise política, com consequências locais e globais.
Belarus é responsável por 1/4 da produção mundial de cloreto de potássio e o mercado internacional está tendo de lidar com decisões do presidente que é chamado de “último ditador da Europa”. No poder desde 1994, remanescente da lógica instituída pela União Soviética, ele tem tomado atitudes que fizeram alguns países anteciparem a compra de fertilizantes, temendo sanções – que efetivamente vieram – e mexeram com os preços do produto.
No Brasil, o receio já existe para algumas safras que começam a ser plantadas no início do ano e para culturas de inverno. Também os cultivos de cana de açúcar e café podem ser afetados, caso se confirme a expectativa de redução da oferta de fertilizantes.
As commodities, como soja e milho, têm os preços balizados em bolsa, o que vai acontecer é que o fertilizante mais caro vai reduzir a margem de lucro do produtor rural. Em outros produtos, como frutas e hortaliças, o custo maior acabará sendo repassado para o consumidor final, encarecendo itens básicos e pressionando ainda mais a inflação, embora seja difícil mensurar o tamanho do impacto a essa altura.
A crise dos fertilizantes
A percepção de que limites internacionais foram transpostos veio depois que, em maio, um avião da companhia irlandesa Ryanair, indo de Atenas para a Lituânia, foi interceptado e obrigado a pousar em Minsk, capital belarussa, com a justificativa de suspeita de bomba. Em solo nacional, o jornalista oposicionista Roman Pratasevich, que estava a bordo, foi preso. Aos olhos de autoridades estrangeiras, a ação foi interpretada como uma manobra que exigia uma resposta.
O caso desencadeou debates sobre sanções econômicas, incluindo restrições à exportação de petróleo e potássio, os dois principais produtos do país, fontes de dólares. Estados Unidos, Canadá e Reino Unido capitanearam as discussões. A União Europeia também determinou algumas punições e vai rediscutir o assunto em dezembro, com a perspectiva de ampliar o alcance dos bloqueios.
Para não colocar tudo na conta de Lukashenko, vale destacar que uma série de fatores bagunçou o mercado de fertilizantes no mundo, incluindo interrupções nas plantas fabris por causa da pandemia, aumento do preço do gás natural e até o furacão Ida, há um mês, que interferiu na produção e nas entregas.
A demanda mundial por fertilizantes está aquecida, de acordo com especialistas consultados pela CNN. Além do Brasil, que registrou a maior importação dos últimos seis anos – de olho no aumento da produtividade por causa dos preços agrícolas em alta, como soja e milho – também a Índia e a China, principalmente, pediram mais adubos minerais. Os chineses, aliás, que são também exportadores de fertilizantes, decidiram segurar o produto para uso interno e abrir uma investigação sobre os preços.
Movimentação brasileira sobre fertilizantes
Desde que os protestos se intensificaram nas ruas de Belarus, a partir de agosto do ano passado, os importadores brasileiros – e também do mundo – se agilizaram e anteciparam compras. Só o porto de Paranaguá, no Paraná, responsável por 30% dos volumes de fertilizantes importados pelo Brasil registrou 1 milhão a mais de toneladas em 2021, em comparação com os primeiros sete meses do ano passado.
Os dados nacionais, divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior do governo federal, indicam que chegaram ao país, considerando todos os tipos de fertilizantes, 24 milhões de toneladas de janeiro a agosto, 17% a mais do que no mesmo período de 2020
A quantidade importada do mês passado, inclusive, bateu o recorde histórico, com 4,3 milhões de toneladas – reflexo de um período de represamento, com meses de poucos navios descarregando no Brasil.
Chegada essa primeira leva, agora operadores portuários ouvidos pela reportagem da CNN relatam atrasos nas entregas e suspeitas de que as cargas que deveriam vir para o Brasil estão sendo levadas para os Estados Unidos – para aproveitar o preço em alta, uma vez que os valores negociados no Brasil nas compras antecipadas foram fixados antes da disparada, e para aproveitar as últimas janelas de oportunidade, antes que as vendas para a América do Norte sejam interrompidas por causa das sanções.
As negociações internacionais são feitas pela Belarus Potash Company (BPC), braço comercial da empresa estatal Belaruskali, que até greves teve de enfrentar desde que a crise política se intensificou em Belarus.
Belarus, Canadá e Rússia representam 80% da produção mundial. Nesse mercado tão concentrado, qualquer oscilação gera efeitos imediatos. O preço do cloreto de potássio bateu US$ 1,2 mil a tonelada em 2008, quando uma mina inundou na Rússia.
Sem produção própria suficiente, o Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes que usa para ampliar a capacidade produtiva do solo. O principal composto é o chamado NPK, formado por proporções de Nitrogênio (N), Fósforo (P) e Potássio (K).
Cada nutriente age de forma específica nas plantas. Algumas fórmulas são paritárias, com iguais partes de cada componente, e outras podem priorizar um dos elementos, de acordo com as necessidades da terra e do cultivo.
Belarus é o segundo maior fornecedor de cloreto de potássio para o Brasil, atrás apenas do Canadá. São consumidas em território nacional cerca 10 milhões de toneladas de cloreto de potássio por ano, um mercado que movimenta R$ 17 bilhões, e apenas 2% vem de exploração brasileira.
Por aqui há pouquíssimas minas, espalhadas pelas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Elas produziram 6,3 milhões de toneladas de fertilizantes em geral no ano passado, sendo 60% de fosfatados.
“Importante salientar que a dependência vem crescendo ano após ano. Foi criado pelo governo federal um Grupo de Trabalho (GT), em janeiro de 2021, para elaboração de um Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), com o objetivo de desenvolver ações para aumentar a produção e a oferta de fertilizantes nacionais, reduzir a dependência do mercado externo e ampliar a competitividade da produção e distribuição de fertilizantes no Brasil”, conta o diretor executivo da Associação Nacional para Difusão dos Adubos (ANDA), Ricardo Tortorella.
A pretensão da iniciativa não é tornar o Brasil autossuficiente na produção de fertilizantes, mas, com expectativas de safras recordes pela frente, o plano seria uma forma de ação estratégica para reduzir a dependência do mercado externo.
A ANDA tem receio de que a União Europeia, em reunião marcada para 8 de dezembro, acompanhe as decisões mais pesadas adotadas pelo bloco EUA/Reino Unido/Canadá. “Se for feita alguma restrição à circulação ou fornecimento, haverá consequências para a produção agrícola mundial”, acredita.
A CNN procurou o Ministério da Agricultura para tratar da questão, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Atrasos de navios e incertezas sobre o pagamento
Os efeitos de todas essas discussões de política internacional já chegaram à Cooperativa Nacional Agroindustrial (Coonagro), que importa e processa fertilizantes em uma planta fabril em Paranaguá, a partir do procedimento de granulação, para fornecer a outras cooperativas e também para o mercado. Além da elevação dos preços, precisaram lidar com atrasos de entregas.
O CEO da Coonagro, Mario Sergio do Prado, explica que a estatal belarussa negociou no início do ano praticamente tudo o que venderia em 2021. Os contratos têm sido honrados, mas com demora. Durante alguns meses, os navios previstos não aportaram no Brasil. “Estamos recebendo em setembro algumas remessas de maio”, exemplifica.
Para não comprometer as próprias entregas, a Coonagro recorreu ao mercado interno – que já tinha produto em estoque. “Acabamos arcando com esses custos adicionais”, conta. A confiança é de que os compromissos assumidos por Belarus serão cumpridos até o final do ano.
Mas a dúvida maior é sobre o que o acontecerá a partir de dezembro. Os pagamentos das importações costumam ser feitos por bancos norte-americanos e as sanções econômicas representarão impedimentos. Prado afirma que estão sendo estudadas alternativas, como a negociação via China e até mesmo uma forma de permuta, com a possibilidade de enviar cargas de milho brasileiro, por exemplo.
Cenário pressiona preços de adubos minerais
Os relatos de atrasos e também de especulações têm sido monitorados pelas empresas que acompanham o setor agrícola. Maisa Romanello, analista da consultoria Safras & Mercado, destaca que só está tranquilo quem conseguiu antecipar as compras e receber o produto antes do plantio da safra de soja, que já começou em muitos estados e consome cerca da metade do fertilizante importado pelo Brasil.
Mesmo com os preços em alta, ela acredita que é importante garantir a aquisição desses adubos minerais, frente ao risco de falta de disponibilidade no futuro. A combinação de baixa oferta, procura aquecida e incertezas – além de uma série de problemas pontuais – indica que os valores praticados não vão baixar tão cedo.
“Nos fosfatados, os preços devem ser sustentados nos altos patamares em que estão, porque houve aumento dos custos das matérias-primas, principalmente do enxofre, e pela demanda indiana. Também os nitrogenados estão em alta. O gás natural está batendo recorde. Algumas fábricas suspenderam a produção de nitrogenados, e isso pressiona os preços da ureia e do sulfato de amônio também”, explica.
Mas o alerta principal vem do cloreto de potássio. “Os potássicos são os que mais estão causando problemas para os agricultores. Com baixa disponibilidade e demanda muito elevada. Ainda não foi houve impedimento de exportar, mas toda essa especulação de falta de produto fez os preços subirem ainda mais”, comenta a analista, destacando que algumas misturadoras brasileiras estão sem estoque para vender ao agricultor.
Além da expansão na área plantada no Brasil, há a perspectiva de doses maiores de fertilizantes por hectare, gerando mais necessidade. Ana Paula Kowalski, agrônoma no Departamento Técnico e Econômico da Federação da Agricultura do Paraná (Faep), comenta que a adubação representa de 20 a 25% do custo de produção, dependendo da cultura.
“Estamos em um período de atenção porque o produtor compra agora para comercializar a safra daqui a cinco, seis meses. Por mais que esteja ganhando bem, com a valorização da soja e do milho, por exemplo, também está gastando muito mais para produzir. E não é só o fertilizante que está pesando, pois tem a alta no diesel, nos defensivos agrícolas, nas máquinas agrícolas”, destaca.
A agrônoma reforça que o fertilizante é essencial e aplicado já na semeadura, chamada de adubação de base, posteriormente podendo ser complementada com um reforço de cobertura. Para o plantio da safra de verão de soja, ela acredita que o necessário já foi comprado, distribuído e aplicado. O receio agora é para algumas safras que começam a ser plantadas no início do ano e para culturas de inverno.
Natália Fernandes, coordenadora do Núcleo de Inteligência de Mercado da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) destaca que não há perspectiva para queda nos preços dos fertilizantes. Ela comenta que a CNA tem um projeto chamado Campo Futuro, que visita propriedades rurais e coleta dados em alguns estados brasileiros, mostra essa disparada de até 240% no preço dos adubos.
Em elevação desde o início do ano, esses valores já impactaram as despesas no primeiro semestre e devem pesar ainda mais no bolso dos produtores. A preocupação é com a possibilidade de uma oferta ainda mais reduzida. “Há um cenário de incerteza, que afeta os preços”, resume.
Além da diminuição na margem de lucros nas commodities, esse aumento dos custos de produção atinge com mais força os pequenos produtores de alimentos, que têm dificuldades para fazer antecipação de compra de adubos e não dispõem de ferramentas para fazer a venda futura da safra. A CNN procurou o Ministério da Agricultura para comentar a situação e os impactos na cadeia produtiva, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
Contexto histórico de Belarus
Antigamente chamada de Bielorrússia, Belarus adotou oficialmente seu nome a partir da independência, em 1991. O país mantém relações próximas com a Rússia, formalizadas por um tratado de cooperação.
Coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Relações Internacionais na Universidade Positivo, João Alfredo Lopes Nyegray, comenta que Belarus tem importância estratégica para o presidente russo, Vladimir Puttin. “De Minsk até Moscou são pouco menos de 500 quilômetros numa planície”, pontua. Há também uma relação de dependência do país vizinho, de onde vem 40% do que é consumido pelos belarussos.
Belarus é o único país europeu a ainda ter pena de morte. O professor lembra também que Lukashenko chama a polícia de KGB, nome diretamente associado aos russos durante a Guerra Fria, e que ele já disse que a única forma possível de governo é o autoritarismo – afirmando que só sairá morto do poder. Os protestos são respondidos com violência e centenas de opositores estão desaparecidos ou presos. Negacionista da Covid-19, o presidente chegou a sugerir que vodca e sauna curariam a doença.
Nyegray acrescenta que Belarus tem sofrido com problemas como desemprego, inflação acelerada e, mais recentemente, com o bloqueio internacional a seus produtos. “Muitas vezes esses embargos econômicos acabam não trazendo o resultado esperado e ainda encarecem os produtos. Os russos sofreram sanções da União Europeia após a tomada da Crimeia, em 2014. Isso não fez com que os russos alterassem sua postura internacional”, destacando que a situação deve aumentar ainda mais a dependência belarrussa dos russos, principais aliados.
O professor salienta as consequências para a população local. “Boa parte dos artigos primários são importados. Com a restrição de produtos enviados para Belarus, quem já sofre com o governo autoritário de Lukashenko acabará precisando comprar mercadorias básicas por preços mais altos ou simplesmente vai conviver com a escassez e a falta desses itens”, enfatiza.
Lukashenko não dá sinais de recuo. Em discurso, chegou a ironizar as sanções. Ele também tem tomado outras atitudes que mostram o acirramento de forças, como a decisão de mandar buscar uma atleta durante as Olimpíadas de Tóquio, por ter feito críticas ao técnico. Atualmente, a velocista Krystsina Tsimanouskaya está exilada na Polônia, mas declarou que teme por familiares.