Entenda o que é o 5G e como está sua implementação no Brasil
Para especialistas, falta de aplicações pode fazer com que consumidores não sintam mudanças imediatas
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) marcou uma reunião nesta sexta-feira (24) para concluir a votação do edital do 5G. Conforme a implementação começa a ser organizada no Brasil, aumentam as expectativas de novas aplicações em tecnologias.
Para especialistas, o 5G ainda passará por alguns desafios em sua implementação, e pode demorar um certo tempo até que o consumidor veja alguma mudança em seu dia a dia. Entenda:
O que é o 5G?
Moacyr Martucci Junior, professor titular da Escola Politécnica (Poli) da USP, explica que o 5G não é uma evolução do 4G. “É um novo conceito de conectividade. Ele não significa uma internet mais rápida”, diz.
“A ideia do 5G é fazer uma infraestrutura que não necessariamente deixa de lado as que já existem. Ele reutiliza tudo o que vinha sendo usado nas outras gerações [4G, 3G, 2G], e acrescentar novas”, afirma Ariana Serrano, professora da Poli-USP.
Para entender o que é exatamente o 5G e quais serão suas aplicações é preciso compreender o que o diferencia do 4G, 3G e 2G. Eduardo Neger, presidente da Associação Brasileira de Internet (Abranet), aponta três características novas.
A primeira é uma velocidade maior para a conexão com aparelhos, o que permite, por exemplo, uma resolução e qualidade melhores de imagem e som em vídeos. Isso ocorre, pois o 5G trabalha com mais frequências, ou seja, caminhos para transmitir informações. “É como se fosse uma estrada com mais pistas”.
Uma outra novidade do 5G é a chamada baixa latência. “A latência é um atraso no tempo de resposta de um aparelho, aplicativo ou site. Quando a resposta da rede é mais rápida, você consegue fazer coisas como cirurgias a distância ou operar máquinas e veículos autônomos”, afirma Neger.
A baixa latência também permitirá uma expansão da chamada realidade aumentada, que demanda uma resposta rápida após interações com objetos reais que geram conteúdos em um ambiente virtual.
A última mudança que o 5G trará é uma capacidade de conectar uma quantidade maior de dispositivos em uma única antena de transmissão. Segundo Neger, seria possível conectar até 200 vezes mais dispositivos, algo que facilitará a expansão da chamada internet das coisas, em que eletrodomésticos, veículos e outros aparelhos ficam conectados à internet.
“Os objetos estão conectados à internet, então, precisa conseguir comportar essa quantidade maior”, diz. Martucci observa, porém, que a maior conectividade acarreta uma redução no alcance geográfico, ou seja, uma única antena de 5G atinge uma área menor de conexão do que uma de 4G, daí a necessidade de mais antenas em situações de demanda maior.
Quais os desafios?
Um desafio quando se fala na expansão do 5G pelo Brasil é o seu alcance menor. Segundo Neger, para conseguir uma cobertura maior seria necessário a instalação de mais antenas que permitam a conexão com o 5G.
“Em grandes centros precisaria de algo como uma antena por poste. Esse é um obstáculo que está se tentando resolver, via regulação, já que alguns municípios dificultam licenciamento e instalação. No muncípio que tiver essa dificuldade, vão instalar menos antenas, e aí a cobertura é menor”, afirma.
Martucci ressalta, porém, que a princípio não haveria necessidade de instalar uma quantidade tão grande de antenas, já que a demanda ainda não seria tão grande. Nesse caso, seria possível aproveitar as torres de transmissão de 3G e 4G já existentes, adicionando as antenas de 5G.
O maior desafio ocorreria em cidades menores e áreas rurais, que ainda não contam com essa infraestrutura. A dificuldade de implementar o 5G impossibilitaria, por exemplo, a aplicação na agricultura, com as chamadas “fazendas inteligentes”, em que há controle de máquinas, monitoramento de micro clima e outras atividades.
Neger afirma que, até o momento, a regulação estabeleceu cotas com quantidades mínimas de antenas que devem ser instaladas até determinados prazos, mas a cobertura de áreas mais remotas e no interior ainda não é uma obrigatoriedade.
Uma alternativa para superar essa infraestrutura seria a instalação de redes de 5G privadas, ou seja, que seriam usadas apenas pela empresa, fazenda ou indústria que investir na instalação. Para Martucci, as redes privadas devem ser um grande foco nos negócios nos próximos anos, já que haverá uma alta demanda.
“A regulação já permite isso, e a rede privada é mais robusta e mais fácil de controlar”, diz o professor.
Quando os consumidores sentirão as mudanças?
Para os consumidores, o 5G pode demorar a se espalhar, primeiro, pela baixa quantidade de dispositivos disponíveis no Brasil que podem se conectar a ele, e com preços acessíveis. “A adesão demanda o barateamento, mas isso aconteceu historicamente com 3G e 4G, então, a tendência é reduzir”, afirma Neger.
“Todo mundo fala do leilão, mas ele é uma parte tão pequena, que vai colocar a frequência e distribuir o uso delas, com regras. O problema é criar o ecossistema para poder usar isso. Não adianta ser o vencedor do leilão se não tem usuário ou aplicação para isso”, diz Martucci.
O professor observa que, hoje, um usuário não sentiria nenhuma diferença ao trocar o 4G pelo 5G, já que uma boa conexão de 4G fornece uma velocidade que atende a todas as demandas dos aplicativos e equipamentos que utiliza. Em última instância, a única diferença seria no preço, já que a conta para o 5G seria mais cara.
“É uma demanda para o futuro, uma oportunidade de negócios com áreas como 3D, holografia, e outras aplicações novas que, na verdade, vão motivar as pessoas. O grande pulo do gato é o desenvolvimento de aplicações para as pessoas quererem comprar um plano mais caro de 5G ou equipamento”, afirma Neger.
“Você precisa de algo que seja de qualidade, mas que também seja barato. Tem que ter demanda e disponibilidade de uma infraestrutura, por isso que difundir o acesso ao 5G é o mais importante”, diz Serrano.
O professor afirma, ainda, que o 5G deverá trazer novos desafios nas áreas de segurança e de privacidade. “A gente tem que perceber que as aplicações estão ficando cada vez mais sofisticadas, os serviços mais sofisticados, então, os usuários têm que tomar cuidado com privacidade e segurança, e isso demanda ações individuais, de permitir ou não o compartilhamento de dados”, diz.
A questão da segurança passará, também, por medidas para se proteger de ataques de hackers. “Com o 5G vai ter mais gente e, principalmente, coisas conectadas, então, a possibilidade de o hacker achar um caminho para entrar aumenta.”
Como está a implementação no Brasil?
Apesar do 5G ainda não operar nas frequências destinadas a ele, que serão leiloadas, Neger diz que as operadoras móveis já instalaram uma tecnologia 5G, o DSS, que “melhora a velocidade da internet e usa as frequências já existentes”. O DSS consegue utilizar mais de uma frequência para transmitir informações, algo, até então, não existente no 4G. Isso aumenta a velocidade de transmissão.
Entretanto, a falta de equipamentos que se conectem ao 5G e de aplicativos e funções que demandem essa conexão ainda fazem com que essa disponibilidade seja pouco aproveitada.
A ideia é que o 5G passe a operar em frequências próprias, e sozinho. As operadoras de telefonia móvel disputarão as frequências em um leilão organizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A expectativa é que ele ocorra ainda em 2021, e a votação do edital de leilão deve ser finalizada pela agência nesta sexta-feira (24).
Moacyr Martucci considera que o processo está atrasado no Brasil. “A Anatel fez um ótimo trabalho ao se antecipar para alguns problemas que vão ter no futuro com o 5G, mas o leilão em si envolve uma parte técnica e uma parte política, e isso gera um atraso”.
“Isso atrasa o uso em si, afeta o tempo de experiência do uso, que permite que as pessoas criem novas aplicações, e isso nos deixa atrasados em relação ao resto do mundo”, afirma.
Para o professor, o Brasil não está atrasado em pesquisas sobre o 5G e suas aplicações, que têm sido desenvolvidos há mais de 6 anos e com apoio do governo. “No desenvolvimento da tecnologia estamos paripasso com o mundo”, diz. Entretanto, ele cita países que avançaram mais nas aplicações comerciais do 5G, caso da China, Coreia do Sul e do continente europeu.
“O Brasil está um pouco atrasado, mas é difícil comparar a cobertura em um país do tamanho do Brasil com países mais pioneiros que são bem menores, como a Coreia do Sul. Não está tão atrasado assim”, pondera Neger.
Segundo os prazos determinados pela Anatel, as capitais do país já deverão ter o 5G instalado em algum nível até julho de 2022, um prazo que Neger considera possível. “As empresas, quando fazem grandes investimentos, querem recuperação rápida, por isso querem instalar o mais rápido possível”, diz.
“A velocidade [da expansão do 5G] depende da questão regulatória da Anatel e a capacidade de investimento das empresas, porque instalar é caro”, afirma.
*Sob supervisão de Thâmara Kaoru