Associação de servidores vai à Justiça contra atrasos nas multas ambientais
Ibama lavrou em todo o Brasil cerca 8 mil autos de infração, em 2020, mas até maio apenas 247 audiências de conciliação tinham sido realizadas
A Associação Nacional de Servidores do Meio Ambiente (Ascema) entrou com uma ação civil pública na 17ª vara federal do Distrito Federal contra a Instrução Normativa Conjunta nº 01/2021, assinada em abril pelo então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que alterou o processo de apuração de crimes ambientais e cobrança de multas.
Na ação, a Ascema pede que se assegure a punibilidade das infrações sem que haja a possibilidade de “anistia” e “retratação” das sanções, além da elaboração urgente de nova norma. Procurada pela CNN, a assessoria do ministério ainda não se posicionou sobre a ação movida.
Logo após a publicação da INC 01/2021, uma carta dirigida à presidência do Ibama, assinada por 600 funcionários do órgão, sinalizava a insatisfação com regulamentação. No texto, os fiscais ameaçavam à época deixar o trabalho por não estarem conseguindo exercer a função e pela paralisação do processo de apuração das infrações ambientais.
Segundo a professora de Direito Ambiental Brasileiro da PUC-Rio, Cristina Leme, no ano de 2020, o Ibama lavrou em todo o Brasil cerca 8 mil autos de infração, mas até maio tinham sido realizadas apenas 247 audiências de conciliação – uma das fases previstas após a notificação.
Com a pandemia, esse trâmite ficou suspenso por cerca de oito meses, mas voltou a ser realizado no início deste ano. O atraso no processo pode levar a anistia indireta das multas, já que elas prescrevem em três anos.
Conciliação ambiental
Há dois anos, o Decreto nº 9.760/ 2019, também assinado por Salles, introduziu a etapa da conciliação ambiental.
“Foram também acompanhadas por mudanças na governança do procedimento administrativo e na própria governança do Ibama. Com o decreto de 2019, veio a grande novidade com a inclusão da etapa da conciliação no processo. A conciliação foi regulamentada em 2020, mas em abril a instrução normativa foi substituída por outra. Posteriormente, as regras sofreram ainda outras pequenas alterações. Todas essas mudanças geram insegura jurídica e tem um custo muito grande para o órgão que precisa se adaptar as sucessivas normas”, analisa Cristina.
O Ibama monitora as atividades potencialmente impactantes, que são de responsabilidade da União, e quando detecta um desmatamento ilegal, por exemplo, aplica sanções e multa. A partir daí, vem um processo bem extenso, com inúmeras etapas e reviravoltas.
“Com o auto de infração, o infrator já pode pagar multa ou convertê-la em serviços ambientais (e já encerrar o processo). Mas a maioria espera. E assim com a auto de infração, o fiscal faz um relatório para ser encaminhado ao superior hierárquico, que dá prosseguimento ao processo ou o encerra. Depois vem a fase da conciliação, que foi pensada para dar celeridade, pois o processo poderia encerrar ali com o pagamento das multas, mas está havendo paralisação nesta fase devido às falhas graves de implementação e regulamentação”, avalia a professora.
Passando da fase conciliação, a auto segue para uma equipe (única em todo o Brasil) que faz a instrução processual. Por sua vez, o grupo já propõe uma decisão que é encaminhada para autoridade de primeira instância: os superintendentes estaduais. Depois disso, o processo pode ter recurso, indo para segunda instância, voltando para a equipe de instrução processual para posteriormente ser julgado pelo presidente do Ibama.
De acordo com a jurista, uma única equipe em todo Brasil para fazer a instrução processual pode servir como represamento do auto. “Isso se não forem bem-preparados e equipe não tiver bom número de pessoas. Atualmente, os superintendes estaduais são a autoridade responsável pelo julgamento. Essas mudanças recentes colocaram toda a responsabilidade neles em segunda instância no presidente do Ibama”.
“Eles já têm uma série de responsabilidades, o que pode gerar um represamento dos processos. Por outro lado, podem exercer grande controle político. É importante ressaltar que há pouco servidores antigos foram substituídos os superintendes, trocados. Além disso, o Presidente do Ibama foi retirado do cargo após uma investigação da Polícia Federal (sobre exportação ilegal de madeira). Isso mostra como essas posições são frágeis e como são suscetíveis às pressões externa”, observa a professora.
Se a multa não for paga após passar por todo o processo dentro do Ibama, ela será inscrita na dívida ativa. Se ainda assim o infrator não pagá-la, o valor será cobrado por ação de execução penal.
A jurista conclui que a fragilização da governança ambiental tem impactos visíveis no desmatamento. “Quanto há menos a presença do Estado e do órgão ambiental atuando na fiscalização e aplicando a lei e a multas, maior é o desmatamento ilegal. Tudo isso é essencial contra o desmatamento que vem crescendo, principalmente na Amazônia”, finaliza.