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    Com medo do que Trump poderia fazer, general protegeu armas nucleares, diz livro

    General Mark Milley conversou com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e decidiu exigir que nada fosse feito sem que ele fosse consultado

    Jamie GangelJeremy HerbElizabeth Stuartda CNN

    Dois dias depois do ataque ao Capitólio dos Estados Unidos de 6 de janeiro, o principal conselheiro militar do presidente Donald Trump, o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, General Mark Milley, realizou sozinho uma ação secreta para limitar a capacidade de Trump de ordenar um ataque militar perigoso ou lançar armas nucleares.

    A revelação está em Peril, novo livro do lendário jornalista Bob Woodward e do veterano repórter do jornal “The Washington Post” Robert Costa.

    Woodward e Costa escrevem que Milley, profundamente abalado pelo ataque, “estava certo de que Trump havia entrado em um sério declínio mental após a eleição, agora quase maníaco, gritando com os subordinados e construindo sua própria realidade alternativa sobre as intermináveis conspirações eleitorais”.

    Milley temia que Trump pudesse “agir por contra própria”, escrevem os autores.

    “A gente nunca sabe qual é o ponto de gatilho de um presidente”, disse o general Milley à sua equipe sênior, de acordo com o livro.

    Em resposta, Milley tomou medidas extraordinárias e convocou uma reunião secreta em seu escritório no Pentágono em 8 de janeiro para revisar o processo de ação militar, incluindo o lançamento de armas nucleares.

    Milley instruiu os oficiais de alta patente encarregados do Centro de Comando Militar Nacional, a sala de guerra do Pentágono, de não receber ordens de ninguém, a menos que ele estivesse envolvido.

    “Não importa o que lhe digam, siga o procedimento. Siga o processo. E eu faço parte desse procedimento”, afirmou o general aos oficiais, de acordo com o livro. Ele então deu a volta na sala, olhou nos olhos de cada militar, pedindo-lhes que confirmassem verbalmente que haviam entendido.

    “Entendido?”, Milley perguntou, de acordo com o livro.

    “Sim, senhor”.

    “Milley considerou isso um juramento”, escrevem os autores.

    Peril (a ser lançado no dia 21 no EUA, sem previsão de lançamento no Brasil) é baseado em mais de 200 entrevistas com participantes e testemunhas e pinta um quadro assustador dos últimos dias de Trump no cargo.

    Terceiro livro de Woodward sobre a presidência de Trump, relata momentos dos bastidores de um comandante-chefe desequilibrado e explosivo, gritando com conselheiros seniores e assessores enquanto buscava desesperadamente se agarrar ao poder.

    Também inclui reportagens exclusivas sobre os eventos que antecederam o 6 de janeiro e a reação de Trump à insurreição, bem como detalhes recém-revelados sobre o confronto final do Salão Oval em 5 de janeiro com seu vice-presidente, Mike Pence.

    Woodward e Costa obtiveram documentos, calendários, diários, e-mails, notas de reuniões, transcrições e outros registros.

    O livro também examina a decisão de Joe Biden de se candidatar novamente; os primeiros seis meses de sua presidência; porque ele se esforçou tanto para sair do Afeganistão e como ele realmente se sente sobre Trump.

    A CNN obteve uma cópia de Peril e revela alguns trechos.

    “Você sabe que ele é louco”

    O medo do general Milley se baseava em suas próprias observações do comportamento errático de Trump. Segundo os autores, a preocupação aumentou com os eventos de 6 de janeiro e pelo “risco extraordinário” que a situação representava para a segurança nacional dos Estados Unidos.

    Milley já havia recebido dois telefonemas feitos em canal não oficial com o principal general da China, que estava em alerta máximo com o caos nos Estados Unidos.

    Em seguida, o general recebeu uma ligação contundente da presidente da Câmara, Nancy Pelosi. Woodward e Costa obtiveram com exclusividade uma transcrição do telefonema, durante o qual Milley tentou tranquilizar Pelosi de que as armas nucleares estavam seguras.

    Pelosi insistiu.

    “O que estou dizendo é que, se não conseguiram nem o impedir de atacar o Capitólio, sabe-se lá o que mais ele pode fazer. E será que tem alguém no comando da Casa Branca que fez qualquer coisa além de puxar o saco dele o tempo todo enquanto isso?”

    Pelosi prosseguiu: “O senhor sabe que ele é louco. Ele anda louco faz muito tempo”.

    De acordo com Woodward e Costa, Milley respondeu: “Senhora Presidente, concordo com a senhora em tudo”.

    Após a ligação, Milley decidiu que precisava agir. Ele disse aos chefes militares para cuidar de tudo “o tempo todo”. Milley ligou para o diretor da Agência de Segurança Nacional (NSA), Paul Nakasone, e falou:

    “Antenas ligadas… Continue observando, examinando”. Para a então diretora da CIA, Gina Haspel, ele aconselhou: “Assista a tudo intensivamente, 360”.

    Diz o livro: “Milley ficou supervisionando a mobilização do estado de segurança nacional dos EUA sem o conhecimento do povo norte-americano ou do resto do mundo”.

    Woodward e Costa também escrevem que “alguns podem argumentar que Milley ultrapassou sua autoridade e assumiu um poder extraordinário”, mas ele acreditava que suas ações eram “uma precaução de boa-fé para garantir que não houvesse ruptura histórica na ordem internacional, nenhuma guerra acidental com a China ou outros, e não houvesse o uso de armas nucleares”.

    Trump enlouquecendo

    O medo de Milley de que Trump pudesse fazer algo imprevisível veio de sua experiência com o presidente.

    Logo depois que Trump perdeu a eleição, o chefe do Estado Maior descobriu que o presidente havia assinado uma ordem militar para retirar todas as tropas do Afeganistão até 15 de janeiro de 2021, antes de deixar a Casa Branca.

    O memorando tinha sido redigido secretamente por duas pessoas leais a Trump. Ninguém na equipe de segurança nacional sabia sobre isso, de acordo com o livro. O memorando acabou sendo anulado, mas Milley não conseguiu esquecer que Trump havia passado por cima de seus principais conselheiros militares.

    Woodward e Costa escrevem que, depois de 6 de janeiro, Milley “não tinha certeza de que os militares poderiam controlar ou confiar em Trump e acreditava que era seu trabalho como a mais alta autoridade militar pensar o impensável e tomar todas as precauções necessárias”.

    Milley chamou de “o momento mais sombrio absoluto de possibilidade teórica”, escrevem os autores.

    Peril é um dos vários livros lançados este ano que documentam os tumultuados dias finais da presidência de Trump.

    Em I Alone Can Fix It, os repórteres do “The Washington Post” Phil Rucker e Carol Leonnig detalharam como o general Milley discutiu um plano com o Estado Maior das Forças Armadas para resistir a potenciais ordens ilegais de Trump em meio a temores de que ele ou seus aliados possam tentar um golpe (O livro não tem edição no Brasil e seu título pode ser traduzido como “Eu sozinho posso resolver isso”).

    O presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca
    O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca / Foto: Carlos Barria – 05.nov.2020 / Reuters

    “Abanando o cachorro”

    Woodward e Costa escreveram que autoridades da segurança nacional estavam preocupadas com a possibilidade de Trump provocar um conflito interno ou externo para distrair o povo de sua esmagadora derrota eleitoral.

    Os norte-americanos usam a expressão “é o rabo abanando o cachorro, e não o cachorro abanando o rabo” para expressar essa ação diversionista.

    Quando Trump se recusou a reconhecer a derrota em novembro de 2020, Haspel, a diretora da CIA, advertiu Milley: “Estamos a caminho de um golpe de direita. A coisa toda é loucura. Ele está agindo como um menino de seis anos fazendo birra”. Haspel também temia que Trump tentasse atacar o irã.

    “Esta é uma situação altamente perigosa. Vamos atacar o ego dele?”, perguntou a diretora a Milley, de acordo com o livro.

    Até mesmo alguns dos conselheiros mais leais a Trump expressaram preocupação após a eleição. Naqueles dias, o então secretário de Estado Mike Pompeo disse a Milley que Trump estava “em um lugar muito sombrio agora”.

    O chefe do Estado Maior tinha apenas um objetivo: garantir uma transição pacífica do poder em 20 de janeiro. Como ele disse a Pompeo, “temos um avião com quatro motores e três deles estão quebrados. Não temos trem de pouso. Mas vamos pousar este avião e vamos pousar com segurança”.

    “Enterrar Biden em 6 de janeiro”

    Peril oferece um relato dos bastidores da recusa de Trump em conceder a derrota na eleição e como aqueles ao seu redor tentaram (e não conseguiram) conter seu desespero.

    Em 4 de novembro, um dia após a eleição, Trump parecia pronto para reconhecer a derrota, perguntando à conselheira Kellyanne Conway: “Como diabos perdemos votos para Joe Biden?”.

    Mas, depois de ligar para pessoas leais a ele, incluindo Rudy Giuliani, Trump adotou teorias de conspiração falsas e prejudiciais de fraude eleitoral.

    Jared Kushner e Ivanka Trump pegaram mais leve, segundo os autores – e Kushner disse aos assessores que não queria ser a pessoa responsável por uma intervenção. O então procurador-geral William Barr tentou falar com Trump, dizendo-lhe que as alegações de fraude eram falsas.

    “O problema é que essas coisas sobre as urnas eletrônicas são apenas besteira”, disse Barr, de acordo com o livro.

    “Sua equipe é um bando de palhaços”, disse ele a Trump.

    De acordo com o livro, uma pessoa fundamental desde os primeiros dias de Trump como presidente ressurgiu nesse momento: o ex-conselheiro da Casa Branca Steve Bannon.

    Os autores escrevem que Bannon, que tinha sido indiciado em abril de 2020 e mais tarde perdoado por Trump, desempenhou um papel crítico nos eventos que antecederam 6 de janeiro.

    Em 30 de dezembro, Bannon convenceu Trump a deixar o resort de Mar-a-Lago, na Flórida, e voltar à Casa Branca para se preparar para os eventos de 6 de janeiro, data em que o Congresso certificaria os resultados das eleições.

    “Você precisa voltar a Washington e fazer um retorno dramático hoje”, disse Bannon a Trump, de acordo com o livro. “Você tem que tirar Pence da p**** da pista de esqui e trazê-lo de volta aqui hoje. Isso é uma crise”.

    Os autores escrevem que Bannon disse a Trump que 6 de janeiro foi “o momento de acerto de contas”.

    “As pessoas vão dizer, ‘Que p**** está acontecendo aqui?’”, dizia Bannon. “Vamos enterrar Biden em 6 de janeiro, enterrá-lo, p****”, disse Bannon.

     “Não quero mais ser seu amigo”

    Peril também descreve o encontro tenso no Salão Oval em 5 de janeiro, quando Trump pressionou Pence para anular os resultados da eleição.

    Enquanto a discussão continuava lá dentro, os dois homens ouviam os apoiadores do movimento MAGA (“Make America Great Again”, pró-Trump) torcendo e gritando do lado de fora, perto da Avenida Pensilvânia.

    “Se essas pessoas dissessem que você tem o poder, você não ia gostar disso?”, perguntou Trump.

    “Eu não gostaria que nenhuma pessoa tivesse essa autoridade”, respondeu Pence.

    “Mas não seria quase legal ter esse poder?”, Trump continuou, de acordo com Woodward e Costa.

    “Não”, retrucou Pence. “Já fiz tudo o que podia e mais um pouco para encontrar uma maneira de contornar isso. Simplesmente não é possível”, continuou.

    Com Pence irredutível, Trump se voltou contra ele.

    “Não, não, não!”, Trump gritou, de acordo com os autores. “Você não entende, Mike. Você pode fazer isso. Não quero mais ser seu amigo se você não fizer isso”.

    Trump ligou para Pence novamente na manhã de 6 de janeiro. “Se você não fizer isso, significa que escolhi o homem errado há quatro anos”, disse Trump, de acordo com os autores. “Você vai fraquejar”, disse ele, sua raiva visível para os outros no escritório.

    Mesmo que Pence tenha enfrentado Trump no final, Peril revela que ele lutou contra a decisão após quatro anos de lealdade abjeta. Woodward e Costa escrevem que Pence entrou em contato com Dan Quayle, que havia sido o vice-presidente de George H.W. Bush, buscando conselhos.

    Repetidamente, Pence perguntou se havia algo que ele pudesse fazer.

    “Mike, não há flexibilidade nisso. Nenhuma. Zero. Esquece. Deixe disso”, afirmou o vice de Bush pai.

    Pence continuou pressionando.

    “O senhor não imagina a posição em que estou”, desabafou, de acordo com os autores.

    “Eu sei em que posição você está”, Quayle respondeu. “Também sei o que é a lei. Você ouve os parlamentares. Isso é tudo a se fazer. Você não tem poder”.

    “Devia escrever um tuíte”

    De acordo com os autores, Trump ignorou os repetidos pedidos da equipe e de sua filha Ivanka Trump para dispersar os manifestantes no Capitólio em 6 de janeiro.

    Em um episódio, o general aposentado Keith Kellogg, que serviu como conselheiro de segurança nacional de Pence, estava na Casa Branca com Trump enquanto assistia ao desenrolar da insurreição na televisão.

    Kellogg instou Trump a agir.

    “O senhor devia escrever um tuíte”, disse Kellogg, de acordo com os autores. “Precisa fazer um tuíte o quanto antes para ajudar a controlar a multidão lá em cima. Isso está fora de controle. Eles não vão conseguir controlar isso. Senhor, eles não estão preparados para isso. Uma vez que uma turba começa agir assim, perde-se o controle”.

    “Sim”, respondeu Trump. Os autores escrevem: “Trump piscou e continuou assistindo televisão”.

    Ivanka Trump também tentou várias vezes intervir, falando com seu pai três vezes. “Deixe isso para trás”, aconselhou a filha. “Deixe pra lá”.

    Raiva 2.0

    Capa de "Peril", livro sobre transição de Donald Trump para Joe Biden
    Capa de “Peril”, livro sobre transição de Donald Trump para Joe Biden / Divulgação

    O livro anterior de Woodward sobre Trump se chamava Rage (Raiva na edição brasileira) , mas Peril (“Perigo”), repleto de gritos misturados com palavrões, amplia a raiva.

    Autoridades do alto escalão disseram aos autores que as explosões de Trump os lembravam de cenas de filmes como “Nascido para Matar” (“Full Metal Jacket”, 1987) e de “Doutor Fantástico” (“Doctor Strangelove”, 1964, ambos do diretor Stanley Kubrick), entre outros.

    Em junho de 2020, após protestos do movimento Black Lives Matter perto da Casa Branca, Trump atacou o então secretário de Defesa Mark Esper, que acabara de anunciar em entrevista coletiva que se opunha à invocação da Lei de Insurreição em resposta aos protestos.

    “Você tirou minha autoridade!”, Trump gritou com Esper no Salão Oval. “Você não é o presidente! Eu sou o maldito presidente”.

    Trump não parou por aí, voltando-se para o resto de sua equipe na sala. “Vocês estão todos f******”, ele gritou. “Todo mundo. Todos f******”. Cada um de vocês está f*****!”

    No rescaldo da eleição, a raiva de Trump foi dirigida a Barr por ousar mencionar o governo Biden que se aproximava.

    “Primeira parte do governo Biden!” Trump gritou, de acordo com os autores. Trump estava tão louco, Barr pensou, “se um ser humano conseguisse soltar fogo pelas orelhas, seria isso”, escreveram Woodward e Costa.

    O livro também revela que Trump ainda está zangado com os republicanos que o culparam pela insurreição, incluindo o líder da minoria da Câmara, Kevin McCarthy.

    “Esse cara me ligava todos os dias, fingia ser meu melhor amigo, e então, ele me f****. Ele não é uma pessoa boa”, falou Trump, de acordo com o livro.

    Embora McCarthy tenha retirado seus comentários iniciais após a insurreição, Trump teria rejeitado as tentativas de McCarthy de voltar às boas com o presidente.

    “Kevin veio puxar meu saco e quer minha ajuda para reconquistar a Congresso”, disse Trump, de acordo com os autores.

    O livro termina com aliados de Trump especulando sobre seus planos para 2024. No particular, o senador republicano Lindsey Graham é citado como tendo dito, “se ele quiser concorrer, terá que lidar com seus problemas de personalidade… Temos um capitão de equipe muito avariado”.

    Mas, em uma conversa com Trump diretamente, Graham foi muito mais otimista.

    “O senhor foi considerado fora do jogo por causa de 6 de janeiro. O senso comum é que o Partido Republicano, sob sua liderança, entrou em colapso”, disse Graham a Trump, de acordo com o livro. Graham continuou dizendo a Trump que se “o senhor voltasse para tomar a Casa Branca, seria o maior retorno da história americana”.

    Em julho deste ano, o ex-gerente de campanha de Trump, Brad Parscale, que foi rebaixado e depois se afastou da campanha em setembro de 2020, perguntou:

    “O senhor vai disputar [a eleição]?”

    “Estou pensando nisso … Estou pensando fortemente em concorrer”, respondeu Trump, de acordo com o livro.

    “Ele tinha um exército. Era um exército para Trump. Ele quer isso de volta”, Parscale disse mais tarde a outros. “Eu não acho que ele vê isso como um retorno. Ele vê como vingança”.

    (Texto traduzido e adaptado. Clique aqui para ler o original em inglês).

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