Uma Análise através dos dados revelados pelo Mapa Nacional da Violência de Gênero
O lançamento do Mapa Nacional da Violência de Gênero, uma plataforma interativa de dados públicos sobre violência contra as mulheres neste mês é uma vitória da transparência e um instrumento poderoso de controle social. Em uma colaboração profícua entre os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e o terceiro setor, por meio do Instituto Avon, o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal e a Gênero e Número, o mapa reúne bases de dados atualizados disponibilizadas pelo Senado Federal, Ministério da Justiça, por meio do SINESP, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Sistema Nacional de Saúde (SUS). Mais do que uma base pública, qualificada, atualizada e abrangente de dados oficiais, com painéis interativos que permitem múltiplos cruzamentos, a iniciativa é um instrumento de política pública, fornecendo subsídios em base permanente para uma compreensão mais profunda e incisiva do problema, gerando insights acionáveis para o aperfeiçoamento e monitoramento das políticas de proteção às mulheres, como previsto na Lei Maria da Penha.
A Pesquisa Nacional de Violência de Contra a Mulher, realizada pelo Data Senado e o Observatório da Mulher contra a Violência do senado Federal, disponível na plataforma, em sua 10ª edição, realizada com a maior amostragem da série histórica desde 2005, traz dados que nos permitem ter uma ideia da magnitude do problema. Seus resultados estimam que mais de 25,4 milhões de brasileiras já sofreram violência doméstica provocada por um homem em algum momento da vida. Dentre elas, 22% declaram que algum desses episódios de violência ocorreu nos últimos 12 meses. Ou seja, 30% das brasileiras, já sofreram violência doméstica ou familiar provocada por um homem e 67% delas afirma que o autor da agressão era seu parceiro íntimo (marido, companheiro ou ex-marido, ex-companheiro).
Este fenômeno impacta todas as classes sociais, mas não na mesma medida. Quanto menor a renda, maior a chance de a mulher ter sido agredida em algum momento na vida. Entre as mulheres com renda de até 2 salários-mínimos, a prevalência foi de 35% e entre as com renda superior a 6 salários-mínimos, o índice foi de 20%. A maior parte das vítimas experimenta a violência ainda muito jovem: 17% entre 15 e 18 anos e 22% entre 19 e 24. Um dado, em especial, nos permite acessar as implicações sociais e culturais do fenômeno. Quando perguntadas sobre o que fizeram em relação à última agressão, 60% das vítimas buscaram a ajuda da família, 45% procuraram a igreja e 42% acessaram os amigos. Apenas 31% denunciaram em delegacias comuns e 22% foram às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. De fato, os vínculos pessoais são muito importantes na jornada de denúncia e emancipação e cada um de nós pode ser considerado um elo importante em uma rede de apoio e afeto.
A pergunta que mais ouço quando nos defrontamos com números tão alarmantes é: será que há de fato um aumento das ocorrências ou será que se trata de um aumento das notificações? O que a Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher nos permite dizer é que, embora altos, os índices de violência contra a mulher ainda contemplam mais de um vetor de subnotificação: as lacunas no fornecimento de dados por parte de alguns estados e a própria subnotificação por parte das vitimadas. Com relação às lacunas nos dados de alguns estados, o Mapa se propõe a dar visibilidade aos dados como são, considerando que a falha no fornecimento dos dados é um dado em si e nos permite exercer o controle social no sentido de exigir das autoridades estaduais o cumprimento de seus deveres como guardiões (não donos) dos dados públicos. Outro vetor de subnotificação é decorrente das atitudes das vitimadas frente às violências sofridas, seja por dificuldade de acesso à rede de proteção, seja por falta de confiança nos serviços públicos, seja por falha no reconhecimento e caracterização das violências sofridas. Neste sentido, o Mapa traz um índice inédito que nos permite estimar o efeito deste tipo de subnotificação: 61% de mulheres que sofreram violência em 2023 não procuraram uma delegacia.
Se os dados nos parecem ser desalentadores, convido-os a considerá-los por uma outra perspectiva. Embora alarmantes, são esclarecedores e nos permitem compreender diferentes facetas da evolução deste problema ao longo dos anos, de forma a inspirar, idealmente, medidas mais assertivas, precisas e eficazes lastreadas em um pacto coletivo de responsabilidade compartilhada para protegermos a vida de todas as mulheres.
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