Enquanto uns ainda acham que videogame é brincadeira de criança, outros faturam
A repercussão do trailer do jogo GTA 6 reforça a potência do mercado de games, que já não é mais infantil faz tempo
O ano era 2013 e, como eu estava lá nos Estados Unidos presencialmente, acho que posso falar com propriedade. Era setembro e eu estudava cinema na New York Film Academy, uma fase muito importante pra mim.
Foi o primeiro grande passo que dei pra começar a mudar de vez o meu jeito de pensar e produzir conteúdos. Numa escola de cinema, logicamente, as discussões sobre roteiro são sempre das mais fortes. Storytelling, narrativa, decisões sobre os elementos que vão ajudar a contar a história indiretamente, fotografia, enfim, tem muita coisa nessa seara.
E, coincidentemente, foi nesse mesmo mês de setembro de 2013 que a cidade de Nova York (e o resto do mundo) estava numa ansiedade monstruosa esperando o lançamento do GTA 5. Pontos de ônibus, outdoor, laterais de prédios, as telas da Time Square… para onde se olhasse havia uma referência sobre o jogo que prometia revolucionar o jeito que a gente entendia o conceito de “mundo aberto”.
Para quem não é familiarizado com os games, os jogos de mundo aberto são aqueles que dão liberdade pro jogador ir pra onde quiser dentro do mapa. Ele até tem uma série de missões consecutivas, mas existem inúmeras outras possibilidades de mudança de rota no meio do caminho, missões paralelas, personagens possíveis de interagir a qualquer momento, prédios onde você pode entrar só por diversão ou para interagir com algo que não seja necessariamente uma missão – enfim, qualquer rota está valendo, seja qual for.
É um conceito que vai contra os jogos antigos tradicionais como os primeiros Mário Bros e os primeiros Sonic, onde as fases eram sempre as mesmas, com uma sequência igual e repetitiva de desafios. O mundo aberto não. Esse é o estado da arte da liberdade de seguir o próprio rumo e criar a própria história. E GTA, desde sempre, foi referência nisso.
Estamos falando de uma sigla pra Grand Theft Auto, uma referência a “ladrões de carro” ou “o grande ladrão de carros”. O primeiro deles veio ainda no fim dos anos 90. Foi lançado pra computador e, como a tecnologia ainda não ajudava, o jogo era visto de cima, como se estivesse sempre um drone mostrando o mapa. Mas a proposta já estava clara ali… e já era revolucionária.
Eu lembro muito bem do dia em que cheguei na casa do meu vizinho que tinha um computador rodando o jogo e experimentei pela primeira vez essa sensação se seguir o meu próprio caminho e fazer as missões na ordem que eu quisesse. Foi libertador.
Até hoje ainda há quem critique a premissa de ser um ladrão de carros que vai sair roubando o que encontra pela frente, alguém que troca tiros com a polícia e por aí vai. Por mais que essa já seja, na maior parte dos casos, uma discussão superada, é bom dizer que para cada pesquisa associando aumento de violência aos jovens gamers, existem várias outras dizendo o contrário, que jogar videogame é, por exemplo, uma maneira de canalizar a agressividade do mundo real num jogo que não vai ferir ninguém.
Não caia na armadilha de achar que alguém que joga um jogo desse necessariamente vai sair fazendo barbaridades na vida real, isso nunca ficou comprovado como verdade. E o fato é que GTA virou top of mind nesse estilo de jogo. Todo mundo fala que a produtora X vai lançar o jogo Y que é “estilo GTA”, pra dizer que é na pegada de mundo aberto.
Isso diz muito sobre a importância que esse jogo tem na indústria como um todo. Quem produz o GTA é a Rockstar, uma empresa que faz poucos jogos, mas todos costumam ser incríveis. Talvez o hype da franquia venha justamente do fato deles demorarem tanto pra trazer uma atualização – lembra que já faz 10 anos do lançamento do GTA 5?
Eu acho que nem preciso dizer aqui o quanto de dinheiro a Rockstar vem fazendo com tudo isso, é óbvio que é muito. O que quero colocar aqui é o tamanho dessa indústria, que já é muito maior que a do cinema faz tempo. Os dados mais impressionantes vêm da Newzoo, uma empresa que acompanha o setor como ninguém. Eles mostram que o mercado global de games no mundo deve fechar 2023 faturando o absurdo de 188 bilhões de dólares.
Isso dá praticamente 2,5 vezes toda a indústria do cinema. É tanto porque quase a metade dos habitantes do planeta joga com alguma frequência. Desde que os celulares viraram smartphones e começaram a rodar jogos mais complexos, esses números não param de explodir. Segundo a Pesquisa Game Brasil, que foi feita esse ano, mais da metade de quem joga aqui no nosso país faz isso justamente pelo celular. As grandes empresas do setor estão de olho na gente, tanto que, de todos os consoles atuais de videogame da Nintendo, 37% foram vendidos aqui nas Américas. Tá, mas e o GTA 6? O que vai ter de ainda mais novo? Só jogando pra saber ao certo.
Como gamer, eu também tô MUITO ansioso e pirei no trailer que apareceu na internet nos últimos dias. Ali dá pra ver claramente um jogo com gráficos inacreditavelmente realistas, perseguições que te colocam como nunca dentro do que tá rolando na tela e a promessa de um nível de interatividade que nunca ninguém viu em um jogo de videogame.
Ah, e só pra terminar a história do começo do texto, eu estava falando sobre os meus estudos de roteiro por um motivo muito maluco. Como eu estava lá nos Estados Unidos no lançamento do GTA 5, comprei uma cópia e comecei a jogar lá mesmo no playstation 3 de um colega de turma que morava em Nova York. Fiquei tão impressionado com a complexidade do jogo, com a quantidade quase infinita de rotas possíveis, que aquilo me abriu um questionamento gigante sobre roteiro.
Eu estava naquele momento entendendo o quão difícil era pensar no roteiro de filme, de algo que é controlado e que foi escrito pra ser gravado de um jeito único e específico pelo diretor e pela equipe de produção. Só pensava no quão difícil era pensar no roteiro de um game tão “aberto a mudanças”, que oferece tantas possibilidades pra quem está com o controle na mão.
Assim como os roteiristas de cinema, os que pensam nisso também são grandes gênios e precisam ser reconhecidos como tal. Porque hoje jogar videogame pode ser algo tão ou mais impactante do que assistir a uma obra prima do cinema. Mas tudo isso com uma diferença bastante importante… no videogame, o fim do filme demora pra chegar e pode ter várias versões de acordo com o que você fez ao longo do percurso. Em termos filosóficos, é muito parecido com a vida da gente… e pensar que ainda tem gente achando que tudo isso é coisa de criança.