Autonomia do BC é ‘irreversível’, afirma ministro Ciro Nogueira
Na equipe econômica, sempre houve o reconhecimento de que a autonomia do BC não era uma agenda prioritária para o presidente
O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, disse nesta sexta-feira (20) em sua conta no Twitter que a autonomia do Banco Central “é um avanço histórico e irreversível”. Ele assegurou que não existe “nenhuma crise” entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
“Eu disse que ia ser um amortecedor (entre poderes). Mas agora fala o extintor de incêndios”, disse. “Dou meu testemunho de que a reação do governo com o BC é excelente, que a autonomia da autoridade monetária é um avanço histórico e irreversível”, acrescentou.
Nesta sexta-feira (20) a agência de notícias Associated Press divulgou que o presidente teria falado abertamente sobre seu arrependimento de apoiar a autonomia do BC durante um voo de volta após participar de um compromisso público em Mato Grosso. A AP também informou que um ministro, sob condição de anonimato, revelou que Bolsonaro tem expressado desconforto com a autonomia e gostaria de “interferir” na política monetária.
Na esteira da aceleração da inflação, que bateu 8,99% em 12 meses até julho e deve estourar a meta para o ano, o Comitê de Política de Monetária (Copom) apertou o passo e decidiu no início de agosto elevar a taxa básica de juros em 1 ponto porcentual, para 5,25% ao ano. É uma alta mais intensa do que as três elevações de 0,75 ponto porcentual que já haviam sido decididas em reuniões anteriores.
A aceleração da inflação vem pouco mais de um ano antes das eleições de 2022 e já começa a despertar reação da população, que sente no bolso o aumento dos preços. Ela também coincide com o recente aumento da rejeição a Bolsonaro. Uma pesquisa realizada pelo PoderData apontou rejeição ao governo de 64%.
A notícia envolvendo a autonomia do BC vem à tona a cinco dias de o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se essa lei ficará mesmo de pé. Uma ação de inconstitucionalidade foi movida por partidos da oposição e trouxe irritação à equipe econômica, que trabalhou arduamente para “convencer” Bolsonaro a endossar uma iniciativa da qual ele não era particularmente um entusiasta.
A retomada do julgamento está prevista para o próximo dia 25 de agosto. Como mostrou o Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, em maio, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, se envolveram pessoalmente em conversas com ministros do STF para tentar convencê-los a manter a validade da lei. Por enquanto, o placar está em 1 a 1.
A luz amarela acendeu quando a Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras, que é próximo de Bolsonaro, emitiu um parecer argumentando que a lei é inconstitucional por ter vício de iniciativa – foi aprovada a partir de um texto apresentado pelo Legislativo, quando na verdade deveria ter sido proposta pelo Executivo.
Na equipe econômica, sempre houve o reconhecimento de que a autonomia do BC não era uma agenda prioritária para o presidente. Um importante interlocutor admite que “foi difícil convencer o governo a abrir mão do BC”. “Você acha que o governo também não gostaria de ter um BC para chamar de seu, para mandar baixar juro como a Dilma (ex-presidente Dilma Rousseff) mandou?”, diz essa fonte. Por isso a ação apresentada pela oposição é vista como uma manobra totalmente equivocada e que poderia, no limite, dar chance ao governo de flertar com uma redução de juros e partir para a reeleição.
Por outro lado, a recente escalada da inflação leva outros integrantes da equipe econômica a avaliar que Bolsonaro pode ter feito as considerações sem levar em conta as consequências de uma “intervenção” na política monetária. Segundo uma fonte do governo, manter juros baixos permitira que a inflação seguisse elevada. Se de um lado isso colaboraria para ampliar a arrecadação do governo, de outro pressionaria ainda mais o Orçamento das famílias e também as próprias despesas do Tesouro, muitas delas corrigidas pela inflação.
A AP também ouviu relatos de que Bolsonaro disse que gostaria de poder substituir o presidente Roberto Campos Neto com uma “canetada”. Uma fonte do BC lembrou, no entanto, que uma demissão sumária desse tipo não ocorria há quase 60 anos. Além disso, outra fonte comentou que os dois tiveram reunião na última terça-feira (17) e que o encontro teria transcorrido normalmente. Pela agenda de Campos Neto, os dois trataram de “assuntos governamentais” no Palácio do Planalto.
Em junho, o Broadcast registrou que o BC não contava mais com o apoio do presidente, que já dava pistas sobre sua insegurança. Nessa ocasião, o ministro Luís Roberto Barroso havia pedido vista do processo que corre no STF, e a autoridade monetária começou a preparar seu plano B: a tramitação de um novo projeto no Congresso Nacional. Essa via, porém, dependeria não só da aprovação dos parlamentares, mas também de nova sanção do presidente Jair Bolsonaro.
Interferências políticas no Copom sempre foram vistas como um empecilho para o trabalho do BC de buscar sua meta de inflação. Muitos foram os ruídos ao longo dos últimos anos nesse sentido que mexeram com o mercado financeiro. E em todas as partes do mundo, a alta dos preços é sempre uma pedra no sapato de governantes.
Justamente por conta da expectativa de alta dos preços em todo o mundo depois da pandemia, os dois principais bancos centrais – o americano Federal Reserve (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE) – ajustaram seus sistemas de metas de inflação. O intuito é acomodar mais facilmente a pressão de alta dos preços. O que os dirigentes farão agora é monitorar que as taxas não extrapolem alguns limites num horizonte mais longo, e não tão de curto prazo, mas mantendo a independência de seus governos.