Afeganistão não viverá ‘maior inclusão’, como prometeu o Talibã, diz professor
Professor de Relações Internacionais Gunther Rudzit avalia que promessa de serem 'mais inclusivos' não é o que o ocidente espera
O grupo Talibã cercou a capital do Afeganistão, Cabul. A expectativa é que o governo do país se renda, uma vez que o presidente afegão, Ashraf Ghani, já deixou o país. Diplomatas de diversas nações também se retiram às pressas.
De acordo com Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM, diferente do que o ocidente espera, a partir da instalação de um novo governo central comandado pelo Talibã, o Afeganistão não viverá um momento de maior “inclusão”, conforme havia anunciado o porta-voz do grupo, Suhail Shaheen.
“Os talibãs vinham negociando com o governo americano lá atrás, ainda no governo do ex-presidente Donald Trump, em Doha, no Catar, prometendo isso [um governo mais inclusivo], e que seria diferente, que eles aprenderam. Pelo que se viu nos últimos dias em algumas cidades que eles já ocuparam, a violência já foi usada, infelizmente essa é a realidade de quando você tem a troca de um governo que não é pelo voto e, sim, pelas armas.”
O professor explica que a origem do termo talibã vem dos estudantes do Alcorão da etnia pashtun. Eles fazem uma leitura “muito radicalizada” do livro sagrado islâmico.
“O que está escrito é para se seguir, por isso, reviver uma sociedade do mundo muçulmano lá atrás, do século VII, VIII. Para nossos padrões ocidentais, completamente absurdos”, explica Gunther.
No entanto, o especialista analisa que parte dos cidadãos do Afeganistão consideram ter havido estabilidade no período em que o Talibã esteve no poder central do país, entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000.
“Não tinha mortes acontecendo a toda hora. Por isso, há apoio, por parte de alguns, à volta desse governo. Temos que encarar isso como sendo a realidade local. Lógico que não é o que nós sonhamos, principalmente aqueles que entendem os direitos humanos como algo importante para qualquer sociedade, mas infelizmente é a realidade de lá.”
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Gunther diz que, neste momento, os Talibãs estão conseguindo tomar o poder em algumas regiões e cidades sem enfrentarem oposição alguma.
“Muito pelo contrário, foram celebrados, porque o governo que está saindo é altamente corrupto, não conseguiu funcionar como um governo como se esperava, como aqui no ocidente se esperava.”
A legitimidade do governo atual é contestada até mesmo entre os soldados, os oficiais e as forças de segurança.
“Um dado que eu li recentemente: só para treinar as forças de segurança do Afeganistão nos últimos 20 anos, o governo americano gastou 88 bilhões de dólares. E o que aconteceu com essa estrutura? Se desfez. No primeiro ataque dos talibãs se desfez.”
Histórico
O professor explica que o Afeganistão é considerado um “cemitério dos exércitos imperiais” porque, ao longo da história, vários governos tentaram estabelecer um governo central, entre eles o império russo, os britânicos e soviéticos. No entanto, o país sempre se opôs a isso.
“É uma realidade em que as tribos locais, as lideranças locais, sempre se opuseram a um governo central. Então, é um país, é uma sociedade extremamente dividida em tribos (…) Então, essa retirada vai levar, como a gente está assistindo essa semana, à retomada do governo central por parte do grupo Talibã e que, provavelmente, vai estabelecer um controle em boa parte do país.”
China
Na avaliação de Gunther, com a retirada das embaixadas estrangeiras, agora será a hora de outros governos, como a China, a Rússia e o Paquistão, tentarem aumentar uma influência de contenção da própria violência interna imposta pelo Talibã.
“Outros governos vão tentar também estabelecer um mínimo de influência para tentar forçar uma estabilização. Como, por exemplo, o governo chinês. O ministro das relações exteriores, Wang Yi, nessas últimas horas, já soltou uma foto um comunicado dizendo que Talibã é uma força política militar de estabilização e eles se comprometeram a atuar contra grupos extremistas que atuam na China.”
*(supervisionado por Elis Franco; publicado por Sinara Peixoto)