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    Cerca de 37% das vítimas de tráfico de pessoas confiavam no aliciador

    A maioria dos 442 inquéritos dos últimos três anos era relacionada ao trabalho análogo à escravidão e à remoção de órgãos, diz Relatório Nacional

    Mylena Guedes, da CNN, no Rio de Janeiro*

    No Brasil, 37% das vítimas de tráfico de pessoas atendidas por Postos e Núcleos em 2020 tinham alto grau de confiança nos aliciadores antes de serem recrutadas. Os exploradores eram familiares, amigos ou vizinhos das vítimas.  

    O dado é do Relatório Nacional sobre o Tráfico de Pessoas, divulgado na quinta-feira (29) pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. A pesquisa, elaborada pelo Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime, abrange informações entre o período de 2017 a 2020.  

    Das 158 pessoas atendidas pelos Postos no ano passado, 38% alegam que a relação com o traficante era de trabalho e apenas 11% apontam que não tinham nenhuma ligação com o aliciador antes de serem traficadas. Já 14% das vítimas não informaram qual era a relação estabelecida com os exploradores.  

    À CNN, o advogado e especialista em direitos humanos e segurança pública, Ariel de Castro Alves, ressalta que as pessoas precisam ficar atentas e duvidar de propostas de emprego fácil e lucrativo.

    “É necessário buscar informações sobre as pessoas e empresas que oferecem propostas de emprego, principalmente quando exijam viagens e deslocamentos. Também é indicado deixar sempre com familiares o endereço, telefone e a localização para onde está viajando, além de não deixar de se comunicar com pessoas próximas. Ter sempre endereços e contatos de consulados, ONGs e autoridades também é outra medida que pode ser tomada”, alerta Alves, membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos. 

    No período analisado pelo relatório, a Polícia Federal instaurou 422 inquéritos de tráfico humano interno e internacional. O maior objetivo dos crimes era o trabalho análogo à escravidão (36%) e, em segundo lugar, a remoção de órgãos (23%).  

    Apesar de alguns avanços sobre o tema, apenas em outubro de 2016 foi sancionada no país a lei específica sobre o tráfico de pessoas. Até então, o tráfico humano, considerado a terceira maior atividade ilícita do mundo, estava ligado apenas à prostituição e à exploração sexual. Agora, no entanto, o crime ocorre quando a vítima é agenciada, recrutada, transportada ou comprada mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso.  

    Segundo o Ministério, dentre as possíveis vítimas desse crime que precisaram de atendimento, 37,2% correspondem a crianças e adolescentes e 63% eram negras. 

    Para a exploração sexual, as principais vítimas seguem sendo mulheres e para o trabalho escravo, homens. 

    Já em relação a denúncias recebidas pelo Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, observa-se que as meninas constituem 40% das denúncias, sendo o principal alvo.  A porcentagem do Brasil envolvendo crianças é maior que a média global. Segundo a ONU, a população infantil em todo o mundo representa 34% das vítimas deste tipo de crime.  

    Vulnerabilidades

    De acordo com o último Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas da ONU, de 2018, mais da metade (51%) dos casos de tráfico no mundo tinham como fator de risco a vulnerabilidade econômica. Essa condição social levaria muitas pessoas a aceitarem circunstâncias precárias de trabalho, que depois se mostrariam como situações de exploração.  

    O Relatório Nacional aponta, ainda, que devido ao fechamento das escolas, as crianças estão mais expostas ao mundo virtual e, portanto, mais vulneráveis ao aliciamento pela internet. O agravamento econômico de algumas famílias também pode forçar as crianças a irem para a rua em busca de comida e renda, aumentando o risco de contágio viral e exploração. 

    Segundo a pesquisa, é possível supor que os criminosos estejam adaptando as estratégias de aliciamento à nova realidade gerada pela pandemia, especialmente por meio do uso das modernas tecnologias de comunicação. 

    Recorte de gênero

    Em entrevista à CNN, Heloisa Greco, especialista no enfrentamento ao tráfico de pessoas do UNODC (Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crimes), explicou que o lucro financeiro é o principal benefício que vai ser retirado para quem explora. Entretanto, foi identificado que, a partir das entrevistas feitas para a elaboração do relatório, existe um vínculo de confiança entre o explorador e a vítima. 

    “O que tem sido identificado também é casamento servis, de pessoas que utilizam do afeto para conseguir a confiança da família e depois levar para uma situação de exploração”, disse ela.

    “A gente tem vítimas que são mulheres e homens. As mulheres são principalmente exploradas na modalidade de exploração sexual, enquanto o tráfico de pessoas que envolvem homens geralmente é para o trabalho escravo.”

     

    *Sob supervisão de Helena Vieira

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