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    Saúde mental: como a pressão psicológica pode prejudicar o desempenho de atletas

    A ginasta Simone Biles, dos Estados Unidos, afirmou que o cuidado com a saúde mental foi um dos motivos para abandonar a final por equipes em Tóquio

    Lucas Rocha, da CNN, em São Paulo

    A ginasta Simone Biles, dos Estados Unidos, surpreendeu o mundo ao abandonar a final por equipes da ginástica artística — e depois a final individual geral — nas Olimpíadas de 2020. Aos 24 anos e um dos maiores nomes do esporte, Biles carregava as expectativas de todas as audiências do planeta em seus ombros. “Eu apenas não queria continuar”, disse a atleta, que deixou a disputa após um desempenho abaixo do esperado na prova do salto.

    A decisão da ginasta em Tóquio traz à tona a discussão acerca dos impactos da pressão psicológica para a saúde mental dos esportistas e profissionais de altíssima performance. “Eu tenho que focar na minha saúde mental”, disse Biles em entrevista coletiva. “Temos que proteger nossas mentes e corpos, e não apenas ir lá [competir] e fazer o que o mundo quer que façamos”.

    Segundo especialistas consultados pela CNN, a pressão sofrida por atletas de ponta pode levar a quadros de ansiedade e depressão. Para a psicóloga Marilene Kehdi, especialista em atendimento clínico, o treinamento dos atletas deve priorizar aspectos voltados para o cuidado com a saúde mental.

    “A ansiedade acompanha o atleta a vida toda. São entradas e saídas constantes de competições, além de uma vida com restrições e cobranças internas e externas. Um bom desempenho numa competição depende de um atleta que esteja bem técnica e emocionalmente, com a saúde mental bem preservada”, diz a especialista.

    A opinião é compartilhada pelo psiquiatra Saulo Ciasca, coordenador de pós-graduação em psiquiatria da Sanar, plataforma de educação médica. “Faz parte do treinamento dos atletas o treinamento psicológico para lidar com essa pressão. A pessoa quer ser catapultada ao estrelato esportivo e ser reconhecida. Há uma pressão para manter esse equilíbrio emocional, a pessoa tem de se blindar para isso”, afirmou.

    Segundo Ciasca, um dos mecanismos utilizados pelos especialistas em saúde mental no acompanhamento dos atletas é o reconhecimento de “sabotadores internos”. Ou seja, aqueles pensamentos negativos que as pessoas repetem continuamente e que podem ampliar os sintomas de ansiedade.

    “Todo mundo tem sabotadores internos e a pressão psicológica exacerbada faz com que esse sabotador fale mais alto. Por exemplo: ‘se você errar, você vai perder tudo’, ‘se você não conseguir, essa é a sua única chance’, são pensamentos que elevam a pressão e fazem com que as pessoas se percam no processo”, explicou.

    A partir desse reconhecimento, o trabalho psicológico busca fazer com que os atletas experimentem mudanças de perspectivas, de modo a evitar, principalmente, as comparações com os demais competidores.

    “É legal trabalhar com o esportista que ele está competindo consigo mesmo apenas. Ele não precisa ser melhor que outra pessoa, mas precisa ser melhor que ele mesmo. E poder, com isso, superar cada vez mais os próprios limites”, explica Ciasca.

    Naomi Osaka em Tóquio
    Naomi Osaka acabou eliminada nas Olimpíadas. Em Roland Garros, ela havia se recusado a dar entrevistas coletivas alegando problemas de saúde mental
    Foto: Patrick Smith/Getty Images

    Iniciação precoce

    Aos dez anos, Simone Biles mostrava bons desempenhos em competições locais e regionais. Em 2013, ganhou suas primeiras medalhas no Campeonato Mundial de Ginástica Artística. Já em 2016, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, conquistou quatro medalhas de ouro e uma de bronze.

    Assim como Biles, atletas de diferentes modalidades dão início às suas carreiras precocemente, alguns ainda criança, outros no início da adolescência. Os especialistas defendem que o acompanhamento psicológico seja realizado desde o início das atividades.

    “Não adianta só a pessoa ter um bom treinador do ponto de vista prático. É preciso abrir mão de muita coisa para treinar todos os dias, além de mudanças na dieta e vida social. A questão psíquica é fundamental de ser trabalhada tijolo por tijolo quando falamos em ascensão de atletas”, afirma Danielle Admoni, psiquiatra da infância e adolescência na Escola Paulista de Medicina da UNIFESP e especialista da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

    Além dessa rotina intensa, Biles teve um outro fator bastante traumático em sua formação de atleta. Em 2018, Biles falou sobre o abuso que sofreu de Larry Nassar, ex-médico da seleção de ginástica artística dos Estados Unidos. Em entrevistas, a atleta afirmou que passou a tomar medicamentos para o controle da ansiedade e a realizar terapia regularmente após o episódio. Mais de 140 atletas mulheres denunciaram abusos do médico. Muitas disseram que foram pressionadas a ficar em silêncio diante da situação.

    Para a psiquiatra Danielle Admoni, os pais devem acompanhar cada etapa do envolvimento dos filhos com as atividades, de modo a evitar excessos nos treinamentos e potenciais situações abusivas. “Uma família bem estruturada também vai ajudar aquele adolescente e aquela criança a conseguir fazer as coisas passo a passo. Com os pais presentes, fica menos difícil separar quais são as questões de um adolescente e as questões de um adulto, como decisões de contrato e financeiras”, disse.

    Medida da ansiedade

    O psiquiatra Saulo Ciasca explica que a ansiedade contribui para a ativação de áreas do cérebro que levam a um desempenho mais eficiente. No entanto, em excesso, ela pode ter o efeito contrário e ocasionar um baixo rendimento.

    “Uma pessoa sob muita pressão fica muito ansiosa e vai ter um desempenho pior por conta disso. Cai a concentração e diminui o autocontrole, por exemplo”, disse.

    Segundo Marilene, a pressão psicológica sobre os atletas pode levar ao desenvolvimento de quadros mais graves de saúde mental. “Se um atleta não está bem, se está afetado emocionalmente, com uma pressão muito grande, isso vai repercutir durante as competições. O desequilíbrio emocional, a ansiedade, o estresse e a pressão podem fazer com que os resultados sejam negativos, o que pode levar à depressão”, acrescentou.

    Para a psicóloga, os conceitos de vitória e derrota precisam ser elaborados pelos atletas com o auxílio profissional. “É importante que se tenha um preparo com o atleta em relação à vitória e à derrota. Ele deve encarar a derrota como parte das competições. Procurar saber onde errou, onde pode ser melhor, trabalhar nesse sentido e não pensar apenas no resultado final que foi a derrota”, disse.

    Outra atleta de alta performance que já tratou publicamente de questões de saúde mental foi a tenista japonesa Naomi Osaka. Ela foi derrotada na madrugada de terça-feira (27), na terceira rodada do torneio de tênis das Olimpíadas de 2020. O último compromisso da japonesa antes de Tóquio havia sido Roland Garros, torneio que ela abandonou ao revelar a necessidade de cuidar da saúde mental. Ao anunciar a desistência do torneio, Osaka explicou que sofre de depressão há quase três anos.

    Nyjah Huston
    O skatista americano Nyjah Huston, um dos favoritos na modalidade, acabou em sétimo nos jogos e se desculpou em suas redes sociais
    Foto: Ezra Shaw/Getty Images

    Ainda nesta semana, o atleta americano do skate Nyjah Huston fez um post no Instagram, após uma derrota, no qual pede desculpas a seus apoiadores e exalta a importância dos atletas cuidarem da saúde mental após as competições.

    “Tive muitos momentos altos em minha carreira ao longo dos anos, mas também tive alguns momentos muito baixos e é algo que sempre lutei mentalmente e tentei ser melhor. Eu sou humano e lidar com toda a pressão e expectativas realmente não é fácil às vezes. […] A saúde mental é tão importante! Vou continuar a trabalhar para ser mais feliz e grato por estar nesta posição de viver o meu sonho de ser um skatista profissional”, disse o skatista.

    Para Saulo, a pressão sobre os atletas tem sido ampliada como efeito do uso das redes sociais. “Antes das redes, havia uma pressão sobre as pessoas que estavam representando seus países, mas não tinha essa proximidade tão grande como hoje. As pessoas enviam comentários nas próprias redes sociais dos atletas para dizer que foram bem ou que foram mal”, disse.

    Decidir o momento de parar, diante de problemas mais graves de saúde, também pode ser muito desafiador. Para o psiquiatra e coordenador do Núcleo de Álcool e Drogas do Hospital Sirio-Libanês, de São Paulo, Arthur Guerra, essa decisão pode ser mais simples quando os atletas contam com o apoio de outros profissionais mais experientes.

    “É importante a visão do que os atletas chamam de mentor, aquele atleta que já passou por isso antes e consegue dar uma orientação”, disse. Segundo ele, a decisão requer apoio psicológico devido aos impactos emocionais e financeiros de um possível encerramento da carreira.

    Síndrome de Burnout 

    O sentimento de exaustão ocasionado por atividades relacionadas ao trabalho atinge pessoas que atuam nas mais diversas profissões. Segundo os especialistas, a pandemia de Covid-19 provocou um aumento nos casos da chamada Síndrome de Burnout. Com a ampliação do uso das telas e a redução na diversidade das atividades de lazer, devido ao distanciamento social, as pessoas têm vivenciado essa exaustão com mais frequência.

    Para a psicóloga Marilene Kehdi, estabelecer uma rotina organizada é um dos primeiros passos para reduzir a exaustão relacionada às atividades de trabalho. “Ter uma rotina em que você estabeleça horários para o trabalho, para a vida pessoal e incluir momentos de lazer. É fundamental, em algumas horas do dia, tirar o foco daquilo que te exige muito. São momentos de lazer, relaxamento e autocuidado para manter a sua saúde mental”, disse.

    “O maior fator protetivo que temos para a Síndrome de Burnout, que é o esgotamento em relação ao trabalho que vemos em várias profissões, é poder diversificar as coisas na vida e não vivenciar apenas o trabalho. Ter outras fontes de prazer é fundamental. É importante repensar essa relação com o trabalho. Quando começa a tirar energia, prazer, sono, alimentação e contato com a família é hora de repensar”, complementou Danielle. 

    Para Arthur Guerra, o uso de medicamentos pode ajudar no tratamento de sintomas psicológicos. No entanto, o uso deve ser acompanhado de mudanças de hábitos como a organização de uma rotina de atividades, que inclua a prática de exercícios físicos, alimentação balanceada e sono regular. 

    “O uso de medicamentos de forma excessiva em vez de ajudar atrapalha. Os medicamentos podem ser um apoio importante, mas não podemos colocar todas as fichas neles. O medicamento, junto com a psicoterapia, meditação, exercícios físicos e qualidade de vida, ajuda. Mas não está nele a saída milagrosa”, disse.

    Inteligência emocional

    Na edição desta quarta-feira (28) do quadro Correspondente Médico, do Novo Dia, o neurocirurgião Fernando Gomes explicou os impactos da pressão em atletas olímpicos.

    Estrela norte-americana da ginástica artística, Simone Biles desistiu de competir na final do individual geral da ginástica, nas Olimpíadas de Tóquio. Após avaliação médica, a atleta de 24 anos decidiu focar na saúde mental.

    Biles já tinha desistido de competir na final por equipes, após um desempenho abaixo do esperado na prova de saltos. A ginasta afirmou que não queria continuar e preferiu se resguardar. 

    O médico comentou a pressão psicológica para a saúde mental dos atletas, que se cobram constantemente por performances excelentes.

    “Um atleta profissional de alta performance precisa sempre trabalhar com dois tipos de inteligências: uma corporal sinestésica, que é a habilidade de conseguir orquestrar movimentos físicos coordenados, e a inteligência emocional”, explicou Gomes.

    Segundo o neurocirurgião, a necessidade de conciliar os preparos do treino e gerenciar desconfortos durante as provas são essenciais para atletas conseguirem lidar com a frustração de resultados abaixo do esperado.

    “A questão de ser difícil ter sempre um excelente desempenho pode provocar alterações na saúde mental e, por isso, muitas vezes acaba sendo difícil [para os profissionais esportivos]”, avaliou.

    “Em algum momento, a pessoa chega a confundir no psicológico o que ela faz com o valor que ela tem para si mesma e para os outros. É como se a autoestima dela dependesse totalmente do bom desempenho — se ela não tem um desempenho, no mínimo, excelente, ela não vale nada”, explicou Fernando Gomes.

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