Por que a Equipe Olímpica de Refugiados se sente mais relevante do que nunca
Assim que soar o tiro de largada que marca o início de sua primeira corrida olímpica de 5.000 metros, Jamal Mohammed sabe que seu nervosismo vai desaparecer.
“É sempre assim”, contou Mohammed ao CNN Sport. “Não dá para ficar nervoso depois do tiro de largada; você apenas se concentra em correr e seguir os outros”.
Na jornada das Olimpíadas de Tóquio, Mohammed está dando um passo de cada vez, preparando-se com cautela para as baterias de 5.000 metros de terça-feira (3). De vez em quando, o atleta faz uma pausa para refletir sobre de onde veio e onde está agora.
Em 2010, Mohammed trocou a província sudanesa de Darfur por Israel. Viveu uma jornada de três dias nos quais atravessou a pé a paisagem implacável do deserto do Sinai, no Egito. Ele já havia vivido outras batalhas: o hoje atleta começou a trabalhar ainda criança para sustentar a família depois que seu pai foi morto pelos Janjaweed, a milícia apoiada pelo governo que operava no Sudão.
Agora estabelecido em Tel Aviv, Israel, Mohammed construiu uma nova vida e uma carreira no atletismo.
Há sete anos, entrou para o Alley Runners, clube criado especificamente para apoiar as comunidades carentes da cidade. Agora, enfrenta a maior corrida de sua vida em Tóquio, onde disputará pela Equipe Olímpica de Refugiados.
Nos Jogos Olímpicos do Rio, onde a equipe de refugiados estreou em 2016, dez atletas competiram sob a bandeira olímpica. Em Tóquio, a equipe cresceu para 29 atletas competindo em 12 esportes diferentes. “Vou competir por 80 milhões de pessoas ao redor do mundo, que deixaram seus países para encontrar um lugar melhor, e ajudá-los a alcançarem seus objetivos”, disse.
“Existem muitos motivos pelos quais os refugiados deixaram seus países. Sinto muito orgulho em representar essas pessoas e fazer com que elas saibam que tudo é possível. Os refugiados também podem atingir seus objetivos. Qualquer coisa pode se tornar realidade um dia”.
A preparação de Mohammed para as Olimpíadas no mês passado envolveu um campo de treinamento em altitude durante duas semanas na Itália e dez dias em Doha, no Catar, para reunir-se com a Equipe Olímpica de Refugiados.
Desde o início da semana passada, ele está baseado na Vila Olímpica de Tóquio, completando os treinos finais.
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Uma questão “politizada”
Formada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), a Equipe Olímpica de Refugiados tem atletas originários de 11 nações diferentes, que vivem e treinam em 13 países.
Em 2021, com os Jogos ocorrendo em meio à pandemia de Covid-19, suas histórias e sua inclusão no movimento olímpico parecem mais relevantes do que nunca, de acordo com Filippo Grandi, o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
“Todos compartilhamos dificuldades, privações e separação de pessoas queridas; todos nós vivemos uma espécie de exílio coletivo”, afirmou Grandi à CNN Sport.
“Todos esses rapazes e moças têm por trás de si, além da Covid, uma história de privação, separação de entes queridos, exílio físico real. De alguma forma, eles carregavam um duplo simbolismo naquela entrada no Estádio Olímpico (para a Cerimônia de Abertura dos Jogos)”.
Na Europa, a pandemia exacerbou a crise migratória. Organizações humanitárias afirmam que os retrocessos nas fronteiras de países como a Grécia, a ausência de resgates marítimos no Mediterrâneo e os arranjos de quarentena insalubres criaram enormes desafios.
As restrições aos movimentos, bem como o fechamento de rotas de transporte e centros de processamento, tornaram as viagens mais difíceis e perigosas.
“A questão dos refugiados, da migração, das pessoas que precisam se mudar por causa de diferentes necessidades, ficou muito politizada, muito manipulada por políticos inescrupulosos”, opinou Grandi.
“Muitas vezes essas pessoas se mudam porque fogem da guerra, da perseguição. E, no caso dos imigrantes, que é um grupo diferente de pessoas, eles fogem por pura necessidade. Todas essas pessoas foram retratadas erroneamente como pessoas que vêm ameaçar sociedades ricas, roubar empregos, enfraquecer valores, trazer insegurança – uma abordagem muito negativa”, continuou o alto comissário.
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“Os refugiados trazem enormes contribuições, ajudam a construir nações, a tornar as economias mais prósperas e trazem diversidade às sociedades. Devemos olhar dessa maneira. Esta é a mensagem mais profunda e importante desta equipe”, concluiu.
A equipe olímpica de refugiados ainda não conquistou sua primeira medalha olímpica. A atleta Kimia Alizadeh, que já competiu pelo Irã, chegou mais perto depois de vencer suas três primeiras lutas de taekwondo em Tóquio. Mas perdeu as duas lutas seguintes, incluindo aquela na qual competiu pela medalha de bronze.
“Seria uma mensagem incrível de conquista, de esperança no futuro para muitos milhões de pessoas”, afirmou Grandi sobre o que uma medalha significaria para um dos atletas da equipe. “Há 82,4 milhões de refugiados e deslocados em todo o mundo; esta é a equipe deles também”.
Mesmo sem medalha, a própria presença desses atletas nas Olimpíadas – e as jornadas que fizeram para chegar nos jogos – já é o suficiente para inspirar.
Mohammed tem seus próprios objetivos para os Jogos: fazer o tempo de 13:30 nos 5.000 metros e se classificar para a final.
“(Estar aqui) É como um sonho que se tornou realidade. Estou apenas esperando o dia do evento para colocar meu kit e dar o meu melhor. Estou me sentindo muito bem”.
(Texto traduzido; leia o original em inglês).