Orbán defende universidade chinesa na Hungria e acaba unindo oposição
Desde que Orbán assumiu o poder, há 11 anos, houve muitas manifestações em Budapeste contra seu ataque às liberdades democráticas
Um terreno abandonado nas margens do rio Danúbio, em Budapeste, Hungria, pode parecer um epicentro incomum para um terremoto político.
Esse foi o local escolhido pelo governo populista do primeiro-ministro Viktor Orbán para receber o primeiro campus no exterior de uma prestigiosa universidade de Xangai, na China. A ideia polêmica acirrou ainda mais os ânimos entre os húngaros.
Protestos sobre o futuro deste projeto uniram a oposição da Hungria na tentativa de derrubar o partido governante de Orbán nas eleições gerais do próximo ano.
Desde que Orbán assumiu o poder, há 11 anos, houve muitas manifestações em Budapeste contra seu ataque às liberdades democráticas. O autodenominado defensor dos valores cristãos na Europa reverteu uma série de liberdades civis, incluindo as ligadas aos migrantes, os direitos LGBTQ, a liberdade da mídia e até mesmo independência jurídica e acadêmica.
Não que isso prejudique a sorte política de Orbán. Nos últimos anos, seu partido de direita, o Fidesz, teve vitórias eleitorais esmagadoras, sem nenhum desafio político à altura fora da capital Budapeste.
No entanto, o campus proposto da Universidade Fudan tornou-se um assunto importante.
Seus críticos citam o enorme custo para a Hungria, alertando que o dinheiro do contribuinte seria usado para servir aos interesses do Partido Comunista Chinês. Além do mais, eles dizem que o campus seria construído em um terreno planejado para acomodar um alojamento para dez mil estudantes húngaros.
Milhares de manifestantes saíram às ruas em Budapeste no mês passado para se opor ao plano, carregando cartazes com a palavra “traição” e slogans como “dinheiro húngaro para universidades húngaras”.
Orbán construiu um grande capital político promovendo os valores “tradicionais” húngaros. A oposição agora parece estar servindo ao líder populista uma dose de seu próprio veneno.
A polêmica da Universidade Fudan virou uma questão de se “esse pequeno país de dez milhões de habitantes poder finalmente decidir seu próprio destino, se realmente seremos uma nação livre”, disse o líder da oposição e prefeito de Budapeste, Gergely Karácsony, a manifestantes na capital, segundo relatórios da mídia local.
“Até certo ponto, agora, a oposição voltou a retórica de Orbán contra ele”, analisou Péter Krekó, diretor do think tank Capital Político, com sede em Budapeste.
Krekó disse que Orbán adotou uma imagem de si mesmo como “o maior defensor da soberania frente aos Estados Unidos, a Bruxelas, a Berlim”.
Agora o primeiro-ministro está efetivamente abrindo as portas para os interesses chineses, e “isso é difícil de explicar” aos eleitores.
“A imagem da China no centro-leste europeu não é muito favorável”, acrescentou Krekó, o que “pode ser facilmente explorado pela oposição”.
Orbán olha para o Oriente
Em um movimento drástico, seis dos partidos de oposição da Hungria estão deixando de lado suas diferenças políticas para concorrer conjuntamente contra o partido Fidesz nas eleições parlamentares de 2022.
Entre eles estão o partido verde do prefeito Karácsony, o Diálogo para a Hungria, o ex-partido de extrema-direita Jobbik e o jovem partido centrista Momentum.
Essa coalizão de oposição ainda não anunciou seu candidato a primeiro-ministro, embora o prefeito Karácsony, pró-União Europeia (UE), seja considerado o favorito.
Em uma carta conjunta ao presidente chinês, Xi Jinping, em 22 de junho, os líderes da oposição disseram que, se eleitos no próximo ano, “parariam imediatamente” o projeto da universidade e o da conexão ferroviária planejada entre Budapeste e Belgrado que tem apoio do governo chinês.
A Hungria e a China assinaram um contrato de empréstimo de US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 9,8 bilhões) com duração de 20 anos para a ferrovia, a ser construída por um consórcio de empresas húngaras e chinesas.
Mas, assim como o campus universitário, a ferrovia tem sido criticada na Hungria pela falta de transparência nas negociações do governo com a China.
Os polêmicos empreendimentos comerciais fazem parte da política de “Abertura para o Oriente” de Orbán. No rescaldo da crise financeira global e do aumento das tensões com a UE, o primeiro-ministro tem procurado cada vez mais atrair investimentos chineses.
“Acho que Orbán realmente acredita profundamente no declínio do Ocidente e que o Oriente está em ascensão”, disse Krekó sobre a ideologia do primeiro-ministro. “E, portanto, se você tem que apostar em quem são os futuros líderes do mundo, é melhor recorrer à China do que aos Estados Unidos”.
Até agora, essa política trouxe resultados econômicos limitados para a Hungria. Mas criou laços mais estreitos entre os dois países. A Hungria foi o único estado-membro a bloquear uma declaração da UE condenando a nova lei de segurança da China em Hong Kong e foi o primeiro país da UE a aprovar vacinas chinesas.
Uma ampla aliança
Não é a primeira vez que os partidos de oposição da Hungria unem forças. A mesma tática foi usada nas eleições municipais de 2019, quando Karácsony obteve uma vitória chocante contra o prefeito de Budapeste, apoiado pelo Fidesz, o partido do governo.
Já se esse sucesso vai ser replicar em nível nacional, é outra questão.
Se Orbán for derrotado, é óbvio que os legisladores da UE vão respirar aliviados, disse Dermot Hodson, professor associado de economia política do Birkbeck College da Universidade de Londres.
No mês passado, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, disse que a Hungria “não tem lugar” na UE depois que o país aprovou um novo projeto de lei polêmico proibindo o conteúdo LGBTQ nas escolas. Foi a mais recente em uma longa lista de provocações aos valores centrais do bloco.
Para os líderes da UE, “Orbán tem sido uma verdadeira dor de cabeça em muitos aspectos”, disse o professor Hodson, descrevendo a Hungria como um “governo desafiador”.
“Recuar contra a União Europeia, mas querer permanecer dentro dela, é uma combinação muito prejudicial”, acrescentou.
Após os protestos recentes, o governo anunciou uma consulta pública sobre a universidade, mas disse que ela seria realizada após as eleições.
Enquanto isso, o parlamento da Hungria – onde o Fidesz detém a maioria – votou em meados de junho para doar terras estatais para uma fundação responsável pelo planejado campus universitário.
No mesmo dia, o parlamento também aprovou sua lei anti-LGBTQ, gerando mais protestos em Budapeste e indignação dos líderes da UE em Bruxelas.
O momento da legislação anti-LGBTQ foi “tudo parte de um esforço para desviar a atenção do projeto Fudan”, disse Krekó, “pois o governo acha que isso é perigoso para a identidade deles”.
A lei também serviu a outro propósito para Orbán: ela estremeceu a aliança de oposição, já que o partido de extrema-direita Jobbik se juntou ao Fidesz para votar contra os direitos LGBTQ.
“Declínio do Ocidente”
Um grande obstáculo para os críticos do plano da universidade é o custo, supostamente mais alto do que o orçamento de todo o sistema educacional da Hungria.
De acordo com documentos vazados obtidos pelo grupo de jornalismo investigativo Direkt36, o projeto custaria cerca de € 1,5 bilhão (cerca de R$ 9,2 bilhões), financiados principalmente por meio de um empréstimo de um banco estatal chinês.
As obras, em um terreno originalmente planejado para acomodação de estudantes húngaros, seriam realizadas por um empreiteiro chinês, segundo a reportagem.
Os críticos se irritaram com a natureza de um acordo sob o qual os contribuintes húngaros estariam efetivamente pagando para a Fudan abrir seu campus no país.
De acordo com a reportagem do Direkt36, a chamada Universidade Fudan Hungria seria estabelecida e mantida por uma fundação de gestão de ativos sino-húngara, sugerindo receita conjunta do projeto.
A CNN contatou a Universidade Fudan para comentar o empréstimo, mas não recebeu uma resposta no momento da publicação.
O governo húngaro também não comentou o custo relatado do empréstimo em um longo comunicado à CNN.
No entanto, ele disse que entre seis e oito mil alunos da “Hungria, China e outras nações” aprenderiam economia, humanidades, engenharia e ciências médicas com 500 professores nas instalações do campus”.
O governo húngaro acrescentou que a Universidade Fudan já colabora com cinco universidades alemãs, 24 universidades escandinavas e tem uma parceria acadêmica com a Universidade Yale, nos Estados Unidos. “Se eles conseguem proteger seus interesses de segurança nacional, também podemos fazer isso”, acrescentou.
No entanto, dois terços dos húngaros que ouviram falar do projeto se opõem ao plano da Universidade Fudan, de acordo com uma pesquisa realizada pelo think tank liberal Republikon Institute.
Além disso, a controvérsia universitária pode atingir os apoiadores de Orbán fora de Budapeste, disse Tamás Matura, professor assistente da Universidade Corvinus de Budapeste e fundador do Centro de Estudos Asiáticos da Europa Central e Oriental.
Ele citou a reportagem do Direkt36 revelando que os planos para o alojamento estudantil planejado para o local seriam desfeitos.
“As pessoas comuns que adorariam mandar seus filhos para a capital para estudar na universidade” entendem que há “uma chance de seus próprios filhos terem menos acesso a acomodação barata, porque os chineses tiraram essa oportunidade”, comentou.
O governo húngaro disse à CNN em um comunicado que o campus proposto “não tiraria espaço” de uma futura acomodação estudantil.
O professor Matura disse que a Fudan é uma das melhores universidades do mundo. Mas também temia que os fundos financeiros da instituição de Xangai pudessem atrair os melhores professores e alunos de universidades húngaras que estão “subfinanciadas”.
Os críticos também temem que a liberdade acadêmica seja prejudicada pela lealdade ao Partido Comunista Chinês.
O quadro ainda tem como pano de fundo as polêmicas reformas universitárias de Orbán, que, segundo os críticos, estendem a marca ideológica do governo de direita.
Na verdade, a Universidade Centro-Europeia (CEU) apoiada pelo investidor de origem húngara George Soros foi ”forçada a sair” de Budapeste depois de anos de ataque do governo de Orbán contra sua liberdade acadêmica. A universidade mudou-se para Viena, gerando protestos na capital húngara.
A Fudan é uma “espécie de segunda parte dessa história política que se desenrola”, disse Hodson. “É um retrocesso ao ataque contínuo de Orbán às liberdades”, acrescentou ele, destacando que “há uma espécie de bastião progressista em Budapeste”.
Hodson lançou dúvidas sobre se as manifestações na capital poderiam prejudicar seriamente as chances de reeleição de Orbán em outras partes da Hungria.
Em protesto contra os planos da universidade, as autoridades locais de Budapeste estão renomeando as ruas próximas ao campus em homenagem a importantes causas de direitos humanos sobre as quais o governo chinês é sensível, incluindo o Dalai Lama e o povo uigur.
O governo húngaro chamou a mudança de nomes em Budapeste de “infantil” em um comunicado à CNN. Já o Ministério das Relações Exteriores da China chamou o comportamento do governo municipal de “desprezível”.
São sinais literais de protesto. Resta saber se essa resistência em Budapeste também aponta o caminho para mudanças significativas na Hungria como um todo.
(Texto traduzido. Leia o original em inglês aqui.)