Exclusivo: como foi a perseguição após o assassinato do presidente do Haiti
CNN dá detalhes do cerco frenético que as forças de segurança haitianas fizeram em busca dos assassinos do presidente
A conspiração para matar o presidente do Haiti teria envolvido cidadãos de vários países, incluindo ex-militares altamente experientes, e meses de planejamento, de acordo com autoridades locais. No entanto, os principais suspeitos no caso pareciam não estar preparados para a perseguição feroz das forças de segurança haitianas.
A CNN obteve informações exclusivas sobre a caça aos assassinos de Jovenel Moise, um exportador de banana que virou político, morto com vários tiros no quarto de sua residência particular no arborizado bairro de Petion-Ville, em Porto Príncipe, por volta da 1h da manhã de 7 de julho, quarta-feira.
O corpo do presidente haitiano foi encontrado crivado de balas, de acordo com uma autoridade local encarregada de documentar a cena do crime.
Segundo o perito, Moise teve uma perna quebrada e ferimentos faciais graves. Várias autoridades do governo descreveram os ferimentos à CNN como sinais de tortura. A esposa de Moise, Martine, foi baleada e está sendo tratada em um hospital de Miami.
“Em um piscar de olhos, os mercenários correram para dentro da minha casa e mataram meu marido”, contou a primeira-dama do Haiti em uma gravação de áudio revelada no fim de semana.
A CNN não conseguiu confirmar de forma independente a autenticidade da gravação.
Mas, apesar da abundância de buracos de bala documentados dentro da casa do presidente, nenhum membro da segurança do presidente ou dos funcionários da casa foi ferido, de acordo com as autoridades.
Exatamente o que aconteceu dentro da casa do presidente e quem planejou o ataque continuam sendo as principais questões não resolvidas do crime. As várias investigações envolvem agentes de alta patente nos Estados Unidos e da Colômbia, além de autoridades locais.
Alguns investigadores do alto escalão, incluindo membros do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos e o chefe da inteligência nacional da Colômbia, visitaram o Haiti após a morte de Moise.
Em um país profundamente dividido quanto à direção política, a inquietação com o mistério do assassinato do presidente tornou-se um raro sentimento unificador. Ninguém – sejam membros do gabinete do falecido presidente, seus críticos mais francos ou residentes comuns da capital, Porto Príncipe – está satisfeito com as explicações limitadas disponíveis até agora.
“Onde (os agressores) conseguiram os carros que dirigiam? Como eles chegaram ao país?”, perguntou o ministro das Eleições haitiano, Mathias Pierre, em entrevista à CNN, acrescentando que ele esperaria que seus seguranças levassem um tiro para protegê-lo.
A CNN conseguiu lançar luz sobre uma pequena peça do quebra-cabeça: como as forças de segurança haitianas responderam logo após o assassinato.
Uma fonte com conhecimento da operação descreveu à CNN um cerco sangrento e a perseguição de vários dias pelo bairro nobre do presidente em Porto Príncipe, o empobrecido quartier populaire vizinho, uma loja abandonada à beira da estrada e a embaixada de Taiwan.
Armadilha montada
Imagens nas mídias sociais da noite do assassinato de Moise mostraram homens não identificados atirando para o alto e gritando “Operação DEA! Todos para trás!”, em inglês, enquanto marchavam numa rua perto da mansão presidencial.
As forças de segurança haitianas que souberam do ataque correram para a casa pouco depois disso. Mas eles chegaram tarde demais.
De acordo com uma fonte familiarizada com a operação, policiais e militares haitianos que chegaram ao local na madrugada observaram um comboio suspeito de cinco carros perto da casa do presidente.
Temendo que Moise ou outros estivessem sendo mantidos como reféns, eles evitaram um confronto e permitiram que o comboio partisse. Mas havia uma armadilha no caminho.
Em uma curva fechada na Route de Kenscoff, a avenida principal que leva ao centro da cidade, o comboio encontrou subitamente um bloqueio policial, onde centenas de seguranças haviam se reunido na escuridão.
Incapazes de dar a volta em seus carros na estrada estreita, entre um barranco murado e uma encosta verde íngreme, os ocupantes do comboio fugiram, abandonando suas armas dentro dos veículos.
Desesperados por cobertura, alguns pularam na lama poluída de um profundo canal de drenagem à beira da estrada; outros se espalharam pelos edifícios vizinhos a pé, segundo a fonte.
A maioria encontrou abrigo em uma loja de dois andares vazia. No local, há uma faixa citando o Salmo 27:1, que diz: “O Senhor é minha luz e minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a força da minha vida; de quem terei medo?”
A loja (e sua localização) ofereceu uma espécie de refúgio. A encosta coberta de mato atrás do imóvel abandonado retardou qualquer possível ataque pela retaguarda. E as grossas paredes de concreto da loja poderiam servir como escudo contra tiros. Mesmo assim, alguns dos suspeitos ali abrigados não saíram vivos.
A caçada aos suspeitos de matar o presidente
Após o assassinato de Jovenel Moise, um pelotão de suspeitos deixou a área em comboio, levando a polícia a uma perseguição caótica por Petion-Ville, um bairro cheio de ladeiras arborizadas nos arredores da capital Porto Príncipe. Nas 48 horas seguintes, Segundo fontes contaram à CNN, um tiroteio pesado aconteceu numa loja vazia no qual vários suspeitos morreram. Outros conseguiram escapar e alguns continuam foragidos.
Tiroteio na loja vazia
Alguns suspeitos se esconderam numa loja vazia e entraram num confronto com as forças de segurança que durou horas.
Jalousie
Alguns suspeitos foram detidos em Jalousie, um dos bairros mais pobres da cidade.
Bloqueio
Policiais haitianos bloquearam o comboio, fazendo com que os suspeitos se espalhassem pelas áreas vizinhas.
Embaixada de Taiwan
11 possíveis mercenários foram encontrados e presos sem resistência dentro da embaixada, para onde haviam fugido.
Residência presidencial
Os assassinos invadiram a residência privada de Jovenel Moise em Petion-Ville por volta de 1h da manhã de 7 de julho, quarta-feira
O cerco
Antes do nascer do sol na quarta-feira, 7 de julho, as forças de segurança haitianas souberam que o presidente estava morto e que os suspeitos presos no bloqueio tinham pelo menos dois reféns com eles, ambos membros da guarda do presidente, a Unidade de Segurança Geral do Palácio Nacional (USGPN).
Eles também tinham a certeza de que estavam enfrentando adversários estrangeiros, talvez mercenários contratados. “Podíamos ouvi-los falando e gritando em espanhol”, contou a fonte. “Eles conversavam e sabiam exatamente o que estavam enfrentando”.
As forças de segurança haitianas optaram por esperar a saída dos fugitivos, sabendo que a intensa umidade da noite, o calor sem vento do verão e a falta de água potável enfraqueceriam suas defesas. Suprimentos de garrafas de água foram encontrados em seus carros abandonados.
Um pouco mais tarde, por volta das 7h da manhã (8h no Haiti), uma mulher na zona rural da Colômbia recebeu um telefonema de seu irmão, um homem que ela descreve como um “herói”.
Jenny Capador disse à CNN que seu irmão Duberney ligou do Haiti, onde trabalhava como segurança privado; ele teria dito para ela que algo deu errado e que ele estava “sob cerco e sob fogo, lutando”.
“Mas ele me disse para não me preocupar, e para não dizer à nossa mãe, que tudo ia ficar bem”, contou a colombiana. Jenny Capador disse que seu irmão foi contratado para proteger, não para matar; ela não acredita que ele tenha sido o responsável pelo assassinato do presidente Moise.
As horas se passaram e a temperatura subiu, sem movimento de nenhum dos lados, disse a fonte da CNN. Finalmente, às 15h, as forças haitianas jogaram três botijões de gás lacrimogêneo na rua em frente à loja abandonada, permitindo que as nuvens do gás ácido se propagassem para dentro. A negociação começou por meio de um dos telefones dos reféns do USGPN logo depois disso.
Os primeiros suspeitos de ataque a emergir do prédio eram haitianos-americanos – um homem, seguido por outro. Os dois se identificaram como tradutores, segundo a fonte. Em seguida, vieram os dois reféns do USGPN, que disseram às forças de segurança haitianas que dezenas de pessoas – armadas com fuzis de assalto 5,56 mm – ainda estavam dentro do prédio de concreto.
“No início, não sabíamos quantas pessoas havia até a liberação dos reféns. Então os reféns disseram que eram cerca de 25, e eu disse, ‘Ah, então estamos lidando com um pelotão’”, contou a fonte.
Um pequeno destacamento das forças haitianas iniciou um ataque para tomar a loja ocupada. Segundo a fonte da CNN, os supostos mercenários estavam bem armados e até jogaram uma granada nas forças de segurança haitianas, mas ela não detonou
“Eles atiravam em nós a partir do segundo andar”, contou. “E tinham uma granada, mas ela não funcionou. Você pode imaginar a granada rolando como uma bola – tac, tac, tac – descendo pelo morro?”, acrescentou o homem, imitando o caminho e o som da granada se aproximando.
Pelo menos três supostos mercenários morreram na batalha. Traços do tiroteio de duas horas são claramente visíveis no próprio prédio, que permanece coberto de cartuchos de balas e vidros quebrados. Em uma passagem estreita ao ar livre na parte de trás do prédio, uma poça de sangue e uma densa constelação de buracos de bala na parede revelam o local onde alguém morreu.
Mas a maior parte do grupo que as forças de segurança haitianas esperava prender já havia desaparecido.
Fuga para a embaixada de Taiwan
As forças de segurança agora sabem que os suspeitos escaparam discretamente morro acima, de acordo com a fonte da CNN.
Não se sabe exatamente como um grupo de estrangeiros sabia que a embaixada de Taiwan ficava a uma curta distância, mas vários fugitivos escalaram a colina e cruzaram dois becos de pedra para pular seus altos muros brancos. Eles não conseguiram fazer isso sem serem vistos – e pelo menos uma testemunha avisou a polícia.
Abrigar-se na embaixada foi uma escolha inteligente ou extremamente sortuda, uma vez que os espaços diplomáticos não podem ser acessados por policiais sem um protocolo prévio. Não se sabe se o grupo estava sendo aconselhado por alguém local que conhecia bem a área.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Taiwan, Joanne Ou, disse à CNN que os seguranças relataram que “um grupo de suspeitos armados” entrou no terreno da embaixada sem permissão. Funcionários da embaixada trabalharam em casa “por razões de segurança” naquele dia, após o assassinato do presidente no dia anterior, como contou a porta-voz.
“Depois que nossa embaixada no Haiti recebeu um pedido das autoridades haitianas, concordamos imediatamente em permitir que a polícia haitiana entrasse em nossa embaixada para cooperar na caça aos suspeitos, para que a justiça prevaleça e a verdade possa vir à tona”, afirmou Ou.
Na quinta-feira (8), 11 dos supostos mercenários foram encontrados e presos sem incidentes dentro da embaixada. Outros foram localizados em seguida na área ao redor. Um vídeo publicado nas mídias sociais mostra pelo menos dois suspeitos sendo escoltados por uma multidão de haitianos no bairro pobre de Jalousie.
Mas alguns suspeitos continuam foragidos, e a polícia haitiana pediu aos moradores que permaneçam vigilantes.
A busca por respostas continua
Pelo menos 28 homens são agora suspeitas do assassinato, de acordo com a polícia haitiana, dos quais 26 foram identificados como colombianos. Vinte foram detidos, incluindo os dois cidadãos norte-americanos que se disseram tradutores.
Vários dos homens que se acredita estarem envolvidos na operação trabalharam anteriormente como informantes da Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) e do FBI, de acordo com pessoas familiarizadas com o caso.
“Pode ser que um dos suspeitos do assassinato do presidente haitiano Jovenel Moise seja uma fonte confidencial da DEA”, confirmou a DEA em um comunicado.
Após o assassinato do presidente Moise, o suspeito procurou seus contatos na DEA. Um funcionário da DEA instalado no Haiti instou o suspeito a se entregar às autoridades locais e, junto com um funcionário do Departamento de Estado dos EUA, forneceu informações ao governo haitiano que ajudou na rendição e prisão do suspeito e de outro indivíduo.
O FBI disse em resposta à reportagem da CNN que não faz comentários sobre informantes, exceto para dizer que usa “fontes legais para coletar informações” como parte de suas investigações.
Nenhum comentário dos detidos foi divulgado ao público.
Jenny Capador soube que seu irmão havia sido morto na quinta-feira, dia seguinte ao atentado. Na sexta-feira, a foto de Duberney Capador foi mostrada em uma entrevista coletiva pela Polícia Nacional da Colômbia. Ele foi citado como um dos supostos assassinos, de acordo com investigações preliminares das polícias colombiana e haitiana.
Em uma entrevista coletiva no domingo (11), as autoridades haitianas acrescentaram um novo nome à investigação, anunciando que prenderam um homem nascido no Haiti, Christian Emmanuel Sanon, suspeito de ajudar a orquestrar o assassinato. Eles disseram que ele usou uma empresa de segurança venezuelana com sede na Flórida para recrutar o grupo. A CNN não conseguiu entrar em contato com Sanon ou seus representantes para comentar.
Mas à medida que a intriga em torno do assassinato do presidente haitiano se alarga em toda a região, ainda há mais perguntas do que respostas, incluindo, sobretudo, o mistério do que aconteceu momentos antes da morte de Moise.
A chave para esse mistério deve estar bem aqui em Porto Príncipe, nas imagens de vigilância da residência e no depoimento do pessoal de segurança e da equipe residencial, que, segundo vários relatos, estava no local quando tudo aconteceu.
*Reportagem com colaboração de Etant Dupain em Porto Príncipe, Stefano Pozzebon em Bogotá e Evan Perez em Washington. Coordenação de Sean O’Key. Imagens de Sarah-Grace Mankarious. Produção de vídeo por Matthew Gannon, Jeffrey Hsu e Nick Scott.
(Texto traduzido. Leia o original em inglês aqui.)