Piora de cenário ESG no Brasil pode prejudicar setor privado, alerta economista
O país aparece em terceiro num ranking com as 19 economias mais vulneráveis em relação a critérios ambientais, sociais e de governança
Os olhos de grandes investidores se voltam cada vez mais para empresas que, além das estratégias de lucro, levam em conta os impactos do negócio no meio ambiente e na comunidade onde estão incluídas. Essa é uma tendência mundial que não permeia só a realidade corporativa, mas também a gestão de países como um todo. Nesse aspecto, o Brasil tem regredido, indo pelo caminho oposto das empresas e do mercado financeiro local, alerta Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
O país aparece em terceiro num ranking montado pela consultoria com as 19 economias mais vulneráveis em relação a critérios ambientais, sociais e de governança (o chamado ESG, na sigla em inglês), ficando atrás somente de Filipinas e África do Sul, que encabeça a lista. Para criar o Indicador de Vulnerabilidade ESG, a MB considerou três variáveis.
Para a ambiental, foi usado um ranking da Universidade de Yale (Environmental Performance Index), que faz compilação de mais de 40 critérios diferentes sobre meio ambiente. Para o social, o índice de Gini, que mede o nível de desigualdade de renda de cada país. E, para o indicador de governança, foram usados os dados do Banco Mundial (World Governance Indicator). Os três indicadores foram ranqueados do pior para o melhor, sendo 100% o pior e 0% o melhor (veja lista abaixo).
Normalmente, indicadores ESG são usados para medir o equilíbrio entre esses três critérios dentro das empresas. Mas, nesse caso, a MB tratou as premissas do ponto de vista de um país.
Vale ressaltar que os critérios ESG de uma empresa focam em seus consumidores e clientes, já os de um país, em potenciais investidores. “Neste ponto de vista, o Brasil não vai bem, já que os critérios ESG deveriam sinalizar para quem quer investir aqui se seguimos um compliance positivo para sua população”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Nesse aspecto, o economista diz que a gestão do governo Bolsonaro tem sido precária, sobretudo na questão ambiental, o que torna provável uma piora na sua posição no ranking de EPI da Universidade de Yale. “Dado que a piora da desigualdade de renda pela pandemia e a piora de governança do país nos últimos anos também tendem a se manter, não será difícil ver o país galgar posições entre os piores no ranking ESG de países emergentes”, diz.
Os critérios ESG perseguidos por um país e por empresas são complementos importantes para um ambiente saudável à população e também a investidores, segundo Vale. No entanto, a trajetória seguida pela atual gestão tem se distanciado da adotada pelo setor privado.
“Não estamos fazendo o esforço necessário para mudar essa trajetória, pelo contrário, o governo Bolsonaro tem feito um caminho de piorar sistematicamente essas três variáveis”, diz. “Com o tempo, não basta ter um bom ESG na empresa, se o país não acompanha o mesmo processo de evolução”.
Mercado avança com timidez
Levantamento do Bank of America com dados da Economática, divulgado nesta semana, mostra que, no Brasil, os ativos dedicados exclusivamente a ESG, apesar de pequenos, estão crescendo, com os fluxos positivos acelerando desde 2019 para mais de R$ 5 bilhões, embora ainda bem abaixo dos fluxos para fundos de ações (R$ 190 bilhões).
Por outro ângulo, o banco mostra que os fundos locais categorizados como ESG têm apenas R$ 7 bilhões em valor de mercado, o que representa pouco mais de 1% do valor total dos fundos de ações locais.
O segmento mais avançado do setor privado no que diz respeito a critérios ESG é o formado por grandes empresas, mas há a expectativa de que esse movimento chegue também nas menores. “Há um comprometimento crescente por parte delas nesse sentido, especialmente aquelas com mais exposição externa”, diz Vale, que vê uma constante evolução na mudança de paradigmas.
“Com o tempo espera-se que essas práticas também cheguem nas empresas menores, que têm menos responsabilidade com investidores”, diz.
Apesar do claro movimento de mudança, porém, não se pode ignorar que o Brasil é um país extremamente desigual e que isso reflete também nas empresas. “No Brasil, as empresas ainda têm um longo caminho a percorrer, sobretudo no que diz respeito à governança corporativa”, diz Valéria Café, porta-voz do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Aqui, vale pontuar que fazem parte de uma boa governança corporativa valores como promoção a igualdade, inclusão e diversidade. E, no Brasil, onde cerca de 56% da população se autodenomina negra ou parda, apenas 29,5% ocupam cargos de liderança, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Tendência mundial
Esse movimento visto na pesquisa do Bofa acompanha um crescimento rápido notado na América Latina, onde quase 90% dos investidores consultados na pesquisa disseram que já usam fatores ESG para tomar decisões de investimento ou planejam fazê-lo em um futuro próximo.
Já na Europa, nos próximos quatro anos, quase 60% dos fundos europeus deverão considerar em suas decisões critérios ESG. Esse montante corresponde a 7,6 trilhões de euros (cerca de US$ 9 trilhões), segundo pesquisa feita pela PwC, e contrasta com os 15% registrados em 2019.
Nos Estados Unidos, apenas 15% das empresas listadas na S&P500 ainda não apresentaram relatórios de boas práticas de ESG, segundo estudo da McKinsey.
ESG: entenda a sigla
Do inglês Environmental, Social and Corporate Governance, a sigla ESG envolve um bocado de conceitos. Vamos começar pelo “E”, ligado ao meio ambiente.
Nessa letra, são consideradas as responsabilidades das companhias com os resíduos sólidos e desmatamentos, por exemplo. Nesse cenário, faz diferença se a empresa usa resíduos naturais em sua produção, como água e energia limpa, e se possui metas de redução de emissão de carbono na atmosfera.
O “S”, de social, corresponde aos compromissos que as instituições firmam com todas as pessoas envolvidas no seu negócio, desde investidores e clientes até funcionários e moradores da comunidade em que ela está incluída.
Por fim, o “G”, de governança corporativa, envolve a forma como as empresas são lideradas e administradas, e o nível de transparência que mantêm com as pessoas envolvidas no negócio. Aí, entram desde sistema de auditorias financeiras transparentes e políticas anticorrupção até direitos igualitários entre funcionários.
Esclarecimento do Ministério da Economia
Questionado pela CNN sobre o parecer do ranking, o Ministério da Economia reforçou em nota seus compromissos com a agenda de sustentabilidade e diz que avança na elaboração de políticas públicas e de iniciativas capazes de estimular a adoção de padrões elevados de sustentabilidade no governo e no setor privado.
A pasta ressalta que aderiu à Declaração sobre Investimento Estrangeiro, bem como às Diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para as Empresas Multinacionais, e que promove os princípios da organização em suas atividades. Cita ainda incentivo às emissões de debêntures de infraestrutura verdes.
“O Ministério da Economia envida esforços para implementar uma sólida agenda de sustentabilidade, focada nos mais altos padrões internacionais, com o objetivo de promover crescimento econômico e de atrair investimentos estrangeiros qualificados e em linha com os melhores padrões internacionais”, diz.
Outra frente de atuação, acrescenta o ministério, é a elaboração de um Plano de Ação em Conduta Empresarial Responsável (Pacer), criado no ano passado, como objetivo principal de propor e promover políticas públicas e iniciativas relacionadas à padrões internacionais de sustentabilidade alinhados com os princípios de Conduta Empresarial Responsável (CER) e os critérios ambientais, sociais e de governança.