Ex-diretor da Saúde procurou Davati antes de proposta formal da empresa
Mensagens às quais a CNN teve acesso mostram que Dias começou a tentar contato com o representante oficial da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho, no dia 3/2
O ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias procurou de forma insistente o representante oficial da Davati no Brasil para tratar do negócio ao menos três semanas antes de a empresa fazer oficialmente uma oferta para a venda de vacinas ao governo brasileiro.
Dias foi exonerado do cargo na semana passada após um vendedor da Davati, Luiz Paulo Dominguetti, dizer que recebeu dele cobrança de propina para fechar contrato com o ministério.
Mensagens às quais a CNN teve acesso mostram que Dias começou a tentar contato com o representante oficial da Davati no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho, no dia 3 de fevereiro. O movimento do então diretor de logística ocorreu, portanto, muito antes de a empresa enviar à pasta a proposta para a venda de 400 milhões de doses da vacina de Oxford. A Davati formalizou a oferta de vacinas no dia 26 de fevereiro, como mostram documentos obtidos pela reportagem.
A existência das mensagens de Dias foi revelada pelo jornal “Folha de S.Paulo” e confirmada pela CNN.
A primeira tentativa de contato de Roberto Dias ocorreu no dia 3 de fevereiro às 19h10. Ele escreve para Cristiano Carvalho, se apresentando: “Boa noite, Cristiano. Roberto Dias, diretor de logística do Ministério da Saúde”.
Meia hora depois, Dias tenta telefonar e Cristiano não atende. Dias então escreveu nova mensagem dizendo: “Aguardo contato”. Dez minutos depois fez nova tentativa de ligação e escreveu mais uma vez: “Quando puder me ligue”.
Nos dias seguintes, Roberto Dias e Cristiano começam a se comunicar. O representante oficial da Davati no Brasil chega a dizer em mensagem no dia 4 de fevereiro que estava “negociando para o MS Brasil”. Diz que “o preço ficou US$ 12,51 por dose” e pede, por meio de mensagem de Whatsapp, documentos por parte do Ministério da Saúde para que ele possa seguir com as tratativas.
A insistência de Dias é demonstrada em mensagens nos dias seguintes, com registros de cinco ligações feitas pelo ex-diretor de logística e não atendidas por Cristiano no dia 9 de fevereiro.
Os contatos feitos por aplicativos de mensagem indicam interesse de Dias em avançar com o negócio, que ainda não havia sido formalizado.
A proposta oficial da Davati, assinada pelo presidente da companhia, Herman Cárdenas, chegou ao ministério no final daquele mês. O documento, datado de 26 de fevereiro, fala em 400 milhões de doses de vacina que seriam produzidas em “múltiplos países ao redor do mundo” e despachado ao comprador “diretamente da Astrazeneca”. A proposta fala em US$ 3,50 por dose.
Esse documento foi remetido ao ministro da Saúde, então o general Eduardo Pazuello, e a Roberto Dias. Em cópia, estava também Luiz Paulo Dominguetti.
Um dia antes, no dia 25 de fevereiro, Dominguetti e Roberto Dias haviam se reunido num jantar em Brasília. Foi neste encontro que a cobrança de propina teria sido feita.
Como mostrou a CNN, outra frente de negociação em nome da Davati foi inaugurada também no final de fevereiro pelo reverendo Amilton de Paula. Dirigente de uma entidade chamada Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), ele teve uma audiência no dia 22 de fevereiro com o diretor do departamento de Imunização, Lauricio Cruz, quando levou Dominguetti e fez oferta em nome da Davati.
Na ocasião, segundo Lauricio afirmou à CNN, o reverendo falou na venda de 400 milhões de doses e foi então encaminhado à secretaria-executiva do ministério.
As negociações seguiram. A Davati nomeou no dia 8 de março como sua representante oficial junto ao Ministério de Saúde a Senah. A empresa justifica a indicação da entidade como sua interlocutora nas tratativas “devido às dificuldades de atender as necessidades deste Ministério”, de acordo com ofício obtido pela CNN.
Procurados, reverendo Amilton de Paula, a Senah e Roberto Dias não responderam aos contatos da reportagem. Cristiano Carvalho não quis comentar.
A Davati afirmou, por meio de nota, que seus advogados no Brasil ainda estão analisando o caso. Disse ainda que “em relação à proposta de intermediação na venda de vacinas, consigna-se que não houve concretização de venda no país por não se ter recebido manifestação de interesse de compra por parte do Ministério da Saúde, pois nunca foi assinado nenhum documento”. A companhia também afirmou que “estará à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos juridicamente necessários, certa de que não houve, de sua parte, qualquer procedimento indevido”.