Análise: China busca imagem de pacificadora, ao mesmo tempo que promove seus interesses no Oriente Médio
Após visita de Biden a Israel, Pequim iniciou a sua missão diplomática no Oriente Médio com o intuito de estabelecer o diálogo entre Israel e o grupo radical islâmico Hamas sobre um cessar-fogo, além de ajuda ao povo palestino
Dias depois da histórica visita do presidente dos EUA, Joe Biden, a Israel, a China iniciou a sua missão diplomática no Oriente Médio que enfrenta, agora, o temor da escalada desenfreada do conflito entre Israel e o Hamas para todos os vizinhos da Faixa de Gaza e do país de maioria judia.
Zhai Jun, o enviado especial de Pequim ao Oriente Médio, embarcou em uma viagem pela região com o objetivo de promover o diálogo de paz entre Israel e o grupo radical islâmico, apesar do governo chinês ter evitado qualquer condenação do Hamas desde o dia 7 de outubro.
Zhai viajou para o Catar e participou de uma reunião sobre paz no Egito, apelando para um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, acesso humanitário à Gaza e reiterando o apoio da China a uma solução entre os dois Estados. Não está certo se ele visitará Israel, já que Pequim não forneceu detalhes da viagem.
No entanto, mediar a paz é uma tarefa difícil, especialmente para um país com pouca experiência na mediação de guerras regionais, ainda mais em um conflito histórico como é no caso de Israel e Palestina.
Poucos especialistas ou familiarizados com o Oriente Médio esperam que a viagem de Zhai conduza a quaisquer resultados concretos na consolidação da paz e uma postura menos agressiva de Israel contra os civis em Gaza.
Em vez disso, analisam a viagem realizada pela diplomacia chinesa como uma oportunidade para Pequim obter ainda mais influência a nível regional e mundial, à medida que a competição estratégica com os Estados Unidos se aquece.
A leitura é que Pequim está tentando usar a missão diplomática para reforçar a sua posição como defensor dos países árabes e dos países em desenvolvimento, e que há muito tempo simpatiza com a causa palestina e está insatisfeita com a ordem mundial liderada pelos EUA, dizem os especialistas.
“A China procura desempenhar um papel diplomático, apelando à calma e à redução do conflito, ao mesmo tempo que mostra um forte apoio à Palestina”, disse Sanam Vakil, diretor do programa do Oriente Médio e Norte de África na Chatham House.
“Isto deve ser visto de forma oportunista, já que a China não tem um histórico de sucesso na tentativa de ser um mediador neste conflito. Portanto, o máximo que a China pode fazer é oferecer apoio diplomático simbólico.”
Jonathan Fulton, membro do Atlantic Council baseado em Abu Dhabi, disse que a missão de Zhai será “demonstrar a solidariedade da China com as causas árabes” e promover “uma visão para a região diferente da dos EUA”.
“A China quer ser vista como uma grande potência ativa e responsável, mas não tem realmente um envolvimento profundo na região que resulte em uma posição de liderança”, acrescentou.
‘Enfraquecendo a ordem ocidental’
A crise parece estar longe do fim e reconfigura ainda mais as relações polarizadas de grandes potências globais que já vinham de um péssimo entendimento quanto ao conflito entre Rússia e Ucrânia.
Essa divisão foi aparente na semana passada. Horas antes de Biden desembarcar em Israel para mostrar solidariedade ao aliado mais próximo dos EUA no Oriente Médio, o líder chinês Xi Jinping recebeu Vladimir Putin em Pequim e saudou o aprofundamento da confiança política entre os seus países.
Os dois líderes “comunistas” mantiveram discussões detalhadas sobre os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia, que Putin descreveu como “ameaças comuns” que aproximam Rússia e China.
“Desde a guerra na Ucrânia, este alinhamento tornou-se cada vez mais óbvio”, disse Vakil, da Chatham House. “Você também pode incluir o Irã nesta relação. Eles têm este objetivo de enfraquecer a ordem ocidental por meio de uma atuação ativa no Oriente Médio.”
E esse alinhamento já está ocorrendo. Uma das primeiras reuniões que o enviado chinês teve ao desembarcar no Oriente Médio foi com o seu homólogo russo.
“A China e a Rússia partilham da mesma posição sobre a questão palestina”, disse Zhai a Mikhail Bogdanov, enviado especial de Putin para o Oriente Médio e África, no Catar, na quinta-feira (19).
A posição mantida por Pequim e Moscou contrasta fortemente com a de Washington, que apoiou Israel e enviou dois grupos de porta-aviões para dissuadir outros atores regionais de se juntarem ao conflito.
A China, que jurou “tolerância zero” à militância islâmica ao deter em massa uigures — povo asiático que habita o noroeste da China, na região de Xinjiang –, não condenou explicitamente o Hamas pelos seus ataques terroristas a Israel.
Mas ambos criticaram veementemente Israel pela sua retaliação em massa na Faixa de Gaza, após os ataques do Hamas.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da China acusou Israel de ir “além do âmbito da autodefesa”, enquanto o enviado da Rússia na Organização das nações Unidas (ONU) comparou os bombardeios implacáveis de Israel contra Gaza ao cerco brutal de Leningrado — atualmente São Petersburgo — durante a Segunda Guerra Mundial.
“Há uma enorme diferença entre a abordagem americana e a posição chinesa e russa neste momento”, disse Li Mingjiang, professor de relações internacionais na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura.
Os meios de comunicação estatais russos e chineses já culparam a política norte-americana pela escalada do conflito e, à medida que a situação em Gaza se deteriora, Pequim e Moscou se tornam ainda mais críticos em relação à abordagem dos EUA, disse Li.
Postura pró-Palestina
A posição pró-Palestina da China remonta há décadas e está enraizada na ideologia revolucionária. Na era de Mao Zedong, o fundador da China comunista, Pequim armou e treinou grupos militantes palestinos como parte do seu apoio na Guerra Fria aos movimentos de libertação nacional.
Contudo, após a reforma e abertura do país após a morte de Mao em 1976, a China adotou uma política externa mais pragmática. Embora tenha continuado a oferecer apoio político à causa palestina e tenha se tornado um dos primeiros países a reconhecer a Palestina como um Estado soberano em 1988, Pequim também acolheu Israel e estabeleceu relações diplomáticas formais com o Estado judeu em 1992.
Ao longo da última década, o investimento e o comércio chinês com Israel dispararam, especialmente no setor da tecnologia. Em 2017, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, saudou a negociação com a China como um “casamento realizado no céu”.
Contudo, ao longo da sua cooperação econômica, a China manteve o apoio político aos palestinos, votando a favor deles e contra Israel na ONU sempre que surgiam conflitos. Parte disso se deve a interesses pragmáticos.
Cerca de metade das importações de petróleo da China provêm de estados árabes, que também contam com mais de 20 votos na ONU – potencialmente útil para Pequim quando se trata de questões como a defesa do tratamento que dispensa aos uigures.
“A visão da China sobre o Oriente Médio é que Israel nunca se irá separar dos EUA, e isso significa que ser crítico para com Israel irá gerar o favor de um grande bloco de países árabes”, disse Fulton, do Atlantic Council.
Papel de mediadora
Não é a primeira vez que a China manifesta interesse em resolver o conflito Israel-Palestina.
As aspirações de Pequim de ser um mediador começaram já na década de 2000, mas permaneceram em grande parte do tempo como simbólicas. A China apresentou várias propostas vagas e convidou figuras palestinas e israelenses politicamente insignificantes para negociações em Pequim, mas que não levaram a nenhuma negociação efetiva.
Desta vez, os especialistas não esperam que o resultado seja diferente, apesar do recente sucesso da China na mediação de aproximação entre os rivais Irã e Arábia Saudita.
Embora o envolvimento da China no Oriente Médio tenha aumentado, os seus interesses continuam a ser principalmente econômicos – e as suas relações com os países envolvidos em conflitos regionais são em grande parte transacionais, dizem os especialistas.
“Pequim possui pouca influência sobre o Hamas e tem um envolvimento histórico limitado no conflito árabe-israelense. Ao distanciar-se de Israel após o ataque terrorista, Pequim minou ainda mais a sua influência em Tel Aviv”, disse Zhao Tong, membro do Carnegie Endowment for International Peace, grupo que trabalha pela paz internacional.
Outros fatores que seguem como pontos de atenção é se a China estará disposta ou será capaz de alavancar a sua estreita relação com o Irã – que financia e arma tanto o Hamas como também o grupo radical libanês Hezbollah – para frear o conflito e evitar que ele se transforme em uma guerra catastrófica a nível regional, ou até mesmo, mundial.
“Acho que a China certamente está pressionando Teerã para que exerça moderação”, disse Vakil da Chatham House. “Pessoalmente, acho que os iranianos pretendem exercer moderação, a menos que as coisas saiam do controle. Não creio que o Irã queira envolver-se em um conflito regional mais amplo – por isso os seus interesses estão alinhados.”
Mas embora os países árabes possam dar uma recepção calorosa a Zhai, poucos levariam a sério as propostas de paz de Pequim, disse Vakil.
“Não creio que os estados do Oriente Médio esperem que a China intervenha e construa um processo diplomático para a pacificação. Eles estão cientes das limitações que a China tem a oferecer”, disse ela.
“Acho que não há muito o que possa ser feito pela China no âmbito diplomático. Pequim não tem a capacidade de gerir ou de abrandar este conflito.”