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    Estratégia de exportar vacinas aproxima China e Rússia

    'É útil para eles apontar que o Ocidente está sendo egoísta ao limitar a distribuição de vacinas aos países em desenvolvimento', afirma especialista

    Profissional de saúde enche seringa com vacina Sputnik V contra Covid-19
    Profissional de saúde enche seringa com vacina Sputnik V contra Covid-19 Foto: Maxim Shemetov/Reuters

    Análise por Ben Westcott, da CNN, em Hong Kong

    Quando a vacina russa Sputnik V for descarregada em países ao redor do mundo nas próximas semanas, centenas de milhões de doses virão com o rótulo “Made in China”.

    Empresas chinesas fizeram acordos em abril para fabricar mais de 260 milhões de doses da vacina russa Sputnik V, que foi aprovada para uso em mais de 60 países, incluindo várias nações em desenvolvimento, como México, Índia e Argentina.

    Os acordos são um símbolo de como as metas internacionais de exportar vacinas da China e da Rússia estão cada vez mais alinhadas, já que ajudam os países em desenvolvimento negligenciados por seus tradicionais parceiros ocidentais, acusados de acumular doses.

    Uma pesquisa da Universidade Duke, dos EUA, mostra que, embora alguns países, como Canadá, Reino Unido e Nova Zelândia, tenham comprado vacinas suficientes para imunizar sua população mais de três vezes, a grande maioria dos países mal conseguiu doses para metade de seus cidadãos. A conta inclui algumas das nações mais atingidas pela Covid-19.

    Bobo Lo, especialista em relações China-Rússia e ex-chefe adjunto da missão da embaixada da Austrália em Moscou, disse que os governos em Moscou e Pequim viram uma oportunidade para ganhos geopolíticos na pandemia, conquistando aprovação e influência para seus sistemas autocráticos.

     

    É útil para eles apontar que o Ocidente está sendo egoísta ao limitar a distribuição de vacinas aos países em desenvolvimento. É uma narrativa muito conveniente para Pequim e Moscou.

    Bobo Lo, especialista em relações China-Rússia

     

    Também há um lado mais sombrio na cooperação de vacinas entre China e Rússia. Nos últimos meses, as ações de desinformação russas tentaram minar a confiança nas vacinas dos EUA e do Reino Unido, como as feitas pela Pfizer e AstraZeneca, de acordo com Judyth Twigg, professora de ciência política da Universidade Virginia Commonwealth.

    A China fez o mesmo, com a mídia estatal do país divulgando relatos de mortes causadas pelas vacinas fabricadas nos Estados Unidos e na Europa.

    O ex-diplomata Lo disse que a Rússia e a China têm interesse em desacreditar a ordem mundial liderada pelos EUA, especialmente a China, que quer uma chance para melhorar sua reputação e se promover como líder do hemisfério sul.

    “(A China está dizendo): ‘Nós entendemos vocês, não somos uma potência imperial como as potências ocidentais. Estamos aqui só para ajudar’’”, disse.

    Frascos com a vacina CoronaVac
    Frascos com a vacina CoronaVac
    Foto: Amanda Perobelli/Reuters (22.jan.2021)

    Alta demanda

    A Rússia foi o primeiro país a anunciar que havia produzido uma vacina contra a Covid-19 viável em agosto de 2020. O nome escolhido para ela foi Sputnik V, em, homenagem ao histórico satélite lançado em 1957.

    As dúvidas iniciais sobre sua eficácia foram amenizadas por um estudo publicado na revista “Lancet” em fevereiro, que encontrou em resultados preliminares que a vacina tinha 91,6% de eficácia.

    Agora, centenas de milhões de doses da russa Sputnik V, junto com as vacinas Sinovac e Sinopharm da China, estão percorrendo o mundo, apesar de apenas a Sinopharm ser aceita no consórcio Covax da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nem a Sputnik, nem a Sinovac (que no Brasil ganhou o nome de Coronavac), foram aprovadas pela OMS.

    Na América Latina, tradicionalmente uma área de influência dos Estados Unidos, países como Argentina e Chile têm comprado um grande volume de vacinas russas e chinesas para preencher as lacunas em seus programas de vacinação.

    De acordo com registros de compras de vacinas da Universidade Duke, a Argentina encomendou 30 milhões de doses da Sputnik e quatro milhões de doses de Sinopharm. Até o momento, a Argentina não conseguiu fechar um acordo para a vacina Pfizer, dos EUA, embora tenha encomendado 23 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca.

    A Indonésia, uma antiga aliada dos EUA no sudeste asiático, foi atrás da China para encomendar mais carregamentos de Sinovac após a sua compra da AstraZeneca ter sido atrasada por um ano devido ao surto na Índia, de acordo com a agência estatal de notícias Antara. Até o momento, a Indonésia comprou mais vacinas Sinovac do que qualquer outro país. São pelo menos 125 milhões de doses, de acordo com a Universidade Duke.

    Homem vacinado contra a Covid-19 na Índia
    Homem de 45 anos é vacinado em posto drive-in na cidade de Bhubaneswar, na Índia, em 12/05/2021
    Foto: STR/NurPhoto via Getty Images

    O segundo maior comprador da Sinovac é a Turquia, uma “parceiro regional crítico” para os EUA, de acordo com o Departamento de Estado. A Turquia comprou 100 milhões de doses da vacina chinesa e começou a aplicar as primeiras doses em janeiro – foram necessários mais quatro meses para que as doses da Pfizer feitas nos EUA chegassem. O governo turco chegou até a enviar centenas de milhares de doses em excesso da Sinovac para a Líbia.

    O RDIF, um fundo do governo russo que investe em indústrias do país, declarou em fevereiro que houve pedidos de mais de 2,5 bilhões de doses da vacina Sputnik V. Ao mesmo tempo, a Sinopharm disse que recebeu pedidos de 500 milhões de doses, de acordo com o jornal estatal chinês “Global Times”. Enquanto isso, a Sinovac soma encomendas da ordem de 450 milhões de doses, e planeja transferir a tecnologia para fabricar o medicamento para dez países e assim ajudar em uma implementação mais rápida, de acordo com a Reuters.

    A maioria das doses da Rússia e da China foram vendidas em vez de doadas, mas uma análise da organização Think Global Health descobriu que 63 dos 65 países para os quais a China doou vacinas até agora faziam parte da iniciativa de infraestrutura Cinturão e Rota, uma das bandeiras do governo de Xi Jinping.

    A China não está apenas produzindo suas próprias vacinas – ela também está ajudando a produzir as da Rússia. Em 19 de abril, três empresas privadas chinesas fecharam grandes negócios com a RDIF da Rússia para produzir 260 milhões de doses da vacina Sputnik V – 60 milhões pela Shenzhen Yuanxing Gene-tech Co, 100 milhões pela TopRidge Pharma e 100 milhões pela Hualan Biological Bacterin Inc, de acordo com o “Global Times”.

    Vacinação contra a Covid-19 na Marquês de Sapucaí
    Vacinação contra a Covid-19 na Marquês de Sapucaí (22.abr.2021)
    Foto: Reprodução / CNN

    O acordo deriva parcialmente da capacidade de fabricação inadequada na Rússia. Em janeiro, a RDIF alertou sobre atrasos de até três semanas para os países que aguardavam suas doses.

    A capacidade da China de fabricar vacinas para outros países, incluindo a Rússia, ocorre em parte devido ao fato de o surto de Covid-19 ter sido quase totalmente controlado dentro de suas fronteiras e às rápidas atualizações na capacidade de fabricação do país.

    Em março, a Sinopharm anunciou planos de produzir até três bilhões de doses por ano, tornando-se o maior produtor de vacinas contra o coronavírus do mundo, segundo a mídia estatal. A Sinovac disse que pretendia aumentar sua capacidade anual para dois bilhões.

    Enquanto isso, a Rússia foi forçada a fechar acordos com fornecedores internacionais para atingir suas metas de entrega para a Sputnik. Em abril, o RDIF anunciou que 20 fabricantes em dez países estariam fazendo as doses.

    Parceria improvável

    China e Rússia tiveram um relacionamento difícil no século passado, apesar de ambas serem grandes nações asiáticas com uma longa história de domínio comunista. Houve confrontos de fronteira, reféns políticos e uma frieza notoriamente duradoura entre os líderes Joseph Stalin e Mao Zedong.

    No entanto, nos últimos anos, sob os presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping, os dois países desenvolveram um vínculo estreito baseado em interesses geopolíticos mútuos. Em 2019, em meio às crescentes tensões comerciais entre os governos da China e dos EUA, Xi descreveu Putin como seu ‘melhor amigo e amigo do peito”, enquanto Putin disse que as relações estavam em um “nível sem precedentes”.

    O presidente russo Vladimir Putin (à esquerda) e o presidente chinês Xi Jinping
    O presidente russo Vladimir Putin (à esquerda) e o presidente chinês Xi Jinping em uma cerimônia de boas-vindas, em 14 de novembro de 2019, em Brasília
    Foto: Mikhail Svetlov/Getty Images

    A pandemia da Covid-19 fortaleceu ainda mais esses laços. O embaixador russo na China, Andrey Denisov, disse em abril de 2020 que os dois países iriam lutar contra o inimigo comum “de mãos dadas”. “Como fizemos na Segunda Guerra Mundial”, pontuou.

    Em um editorial “China Daily” de 7 de abril, o embaixador da China em Moscou Zhang Hanhui disse: “Quanto mais o mundo muda, mais caótico ele é e mais significativa é a grande amizade entre a China e a Rússia”.

    A cooperação tem causado preocupação crescente para alguns líderes ocidentais. No dia 25 de março, o presidente francês Emmanuel Macron advertiu que a Rússia e a China poderiam usar suas vacinas para exercer influência sobre o mundo em desenvolvimento, em “uma guerra mundial de um novo tipo”.

    Thomas Bollyky, diretor do Programa de Saúde Global da organização Council for Foreign Relations, disse que muitas nações em desenvolvimento estão “desesperadas” por vacinas.

    Mas Bollyky disse que, embora possa haver alguma preocupação do governo dos EUA sobre qualquer influência política que a China e a Rússia possam estar ganhando com suas exportações, no fim das contas “o mundo precisa de mais vacinas”.

    “Minha única preocupação com as vacinas da China e da Rússia é que ainda não foram divulgados os dados do ensaio clínico para avaliar sua segurança e eficácia”, afirmou.

    O ex-diplomata Lo disse que, embora seja difícil saber se a proximidade permanecerá no longo prazo, agora tanto Xi quanto Putin estão unidos pela crescente oposição ocidental a seus governos. Sob o presidente Joe Biden, os EUA têm se concentrado cada vez mais na construção de coalizões de nações amigas para pressionar Pequim e Moscou.

    “Por enquanto, os EUA são tão o perigo claro e presente de forma evidente para Rússia e China”, disse.

    “Diplomacia de vacinas”

    A China e a Rússia negaram que estejam engajadas na diplomacia de vacinas. Em 23 de março, durante uma reunião com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, o seu equivalente na China, Wang Yi, disse que ambos os países estavam engajados no “trabalho humanitário”.

    “Ao contrário de alguns grandes países que estão acumulando as vacinas para seus próprios interesses, queremos ver mais pessoas imunizadas. Nossa esperança é que o mundo vença a pandemia o mais rápido possível”, declarou o ministro Wang.

     

    Para a China e a Rússia, nossa escolha não é beneficiar apenas a nós mesmos, mas sim ajudar o mundo inteiro.

    Wang Yi, ministro de relações exteriores da China

     

    Para a professora Twigg, da Universidade Virginia Commonwealth, a China e a Rússia sabiam que tinham uma janela muito limitada para oferecer suas vacinas ao mundo em desenvolvimento antes que as nações ocidentais as alcançassem.

    Algumas questões já foram levantadas por alguns líderes mundiais sobre as motivações da Rússia por trás da rápida implantação da Sputnik nos países em desenvolvimento.

    “Ainda nos perguntamos por que a Rússia está oferecendo, teoricamente, milhões e milhões de doses enquanto não avança o suficiente na vacinação de seu próprio povo”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em entrevista coletiva em fevereiro. “É uma pergunta que deve ser respondida”.

    Até o momento, apenas 5,9% da população da Rússia foi totalmente vacinada. A China disse que havia aplicado mais de 300 milhões de doses da vacina até 7 de maio, mas não está claro quanto desse total é representado por primeira ou segunda doses.

    Mesmo que a Rússia e a China possam trabalhar rapidamente para vacinar o mundo em desenvolvimento, alguns especialistas duvidam que seus esforços terão a desejada recompensa política de longo prazo.

    A professora Twigg disse que a vacinação global ainda está em seus estágios iniciais e qualquer avanço, incluindo o de Biden para suspender patentes de vacinas, pode mudar o cenário atual das vacinas. Segundo ela, ao final da pandemia a maioria das nações provavelmente terá inoculado suas populações com uma variedade de vacinas fabricadas em vários países.

    “Daqui um ano ou dois, ou três, a partir de agora, acho que ninguém vai se lembrar em quais lugares a Rússia ou a China chegaram primeiro”, opinou.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês.)