China e Rússia estão cada vez mais próximas, mas há possíveis atritos no futuro
Cisões com o Ocidente aproximaram os dois países, mas discordâncias econômicas e geopolíticas podem levar a conflitos a longo prazo
Rússia e China não paravam de se gabar de sua “amizade indestrutível” antes da cúpula de Vladimir Putin com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, esta semana.
As relações entre Moscou e Pequim estão em um “mais próximas do que nunca”, segundo disse o líder russo Putin à NBC em uma entrevista foi ao ar na segunda-feira (14), destacando que não considera a China uma ameaça. “A China é uma nação amiga. Não nos declarou um inimigo, como fizeram os Estados Unidos”, disse.
Na terça-feira (15), Pequim retribuiu os elogios na mesma moeda, declarando que “o céu é o limite” para a cooperação bilateral. “China e Rússia estão unidas como uma montanha e nossa amizade é indestrutível”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian.
Nos últimos anos, os dois países gravitaram mais próximos um do outro em meio à deterioração de suas relações com o Ocidente. Para a Rússia, uma virada na direção da segunda maior economia do mundo foi uma solução natural para as sanções contra a anexação da Crimeia e as incursões no leste da Ucrânia em 2014. Já o governo da China ficou mais do que feliz em abraçar laços mais estreitos com seu vizinho do norte, à medida que as tensões aumentavam em quase todos os aspectos de suas relações com os EUA.
A economia tem estado no centro de sua parceria estratégica. O comércio bilateral ultrapassou US$ 100 bilhões (cerca de R$ 504 bilhões) em 2018 e a meta é dobrar o valor até 2024. Os dois países também aprofundaram a cooperação no setor energético, incluindo um acordo de US$ 400 bilhões (cerca de R$ 2 trilhões) para transportar gás natural da Rússia e vários projetos conjuntos de usinas nucleares na China.
Moscou também é o maior fornecedor de armas de Pequim, sendo responsável por 70% das armas importadas pela China entre 2014 e 2018.
Na frente diplomática, Pequim e Moscou frequentemente se alinharam no Conselho de Segurança das Nações Unidas, combatendo os EUA e seus aliados em questões como a situação da Síria, ao mesmo tempo que rejeitam as críticas ocidentais sobre violações dos direitos humanos.
Entretanto, a aliança tática ganhou mais urgência desde que Biden assumiu a presidência com a promessa de afirmar a liderança dos EUA no cenário mundial. Sob Biden, o governo dos EUA tem apontado repetidamente Rússia e China como as maiores ameaças à ordem internacional baseada em regras, já que a união dos dois reforça uma aparente batalha ideológica entre democracia e autocracia.
Nos últimos dias, discussões sobre como conter as ações autoritárias de Rússia e China tiveram destaque tanto na cúpula do G7 na Inglaterra como na reunião da Otan em Bruxelas.
Em resposta, Moscou e Pequim apresentaram uma frente única e forte contra as críticas, bem como contra o que eles chamam de “tentativas de destruir” seu relacionamento.
“Temos que dizer àqueles que tentam de todo jeito abrir uma cisão entre a China e a Rússia que qualquer tentativa de minar as relações entre os dois países está fadada ao fracasso”, afirmou Zhao, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, na terça-feira (15).
Mas, apesar da demonstração de unidade, ainda permanece um alto potencial de atrito.
As relações comerciais entre os dois países são profundamente desequilibradas. A China é o maior parceiro comercial da Rússia, enquanto a Rússia é um parceiro comercial muito menos significativo para a China. A maioria das exportações da Rússia para a China compreende recursos naturais e matérias-primas, em troca de importações de produtos manufaturados.
Há também preocupações geopolíticas. Por meio de sua Iniciativa Cinturão e Rota, de infraestrutura, a China expandiu sua influência econômica na Ásia Central, uma área há muito considerada pela Rússia como sua esfera de influência.
Além das relações oficiais, os russos estão cada vez mais cautelosos em relação aos investimentos chineses na Sibéria e no Extremo Oriente do país, onde os projetos chineses geraram ressentimento e reação dos moradores locais.
Há tempos, observadores veem o crescimento dos laços sino-russos como uma parceria de conveniência impulsionada por interesses geopolíticos e econômicos, depois que as duas potências deixaram de lado sua antipatia mútua. No final da década de 1950, as relações entre Rússia e China ficaram tensas e, mais tarde, passaram a ser caracterizadas por profunda desconfiança, disputas ideológicas e conflitos de fronteira.
Agora, na ausência de valores fundamentais compartilhados, ideologias comuns e uma aliança militar formal, resta saber quão profundos e duradouros serão seus laços.
Pela Ásia
Um total de 28 aviões militares chineses voou dentro das Zonas de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan (ADIZ) na terça-feira (15). Foi a maior incursão desde que a ilha autogerida começou a relatar regularmente tais ações no ano passado.
Uma equipe inteira de trabalhadores de um restaurante de fast food no Paquistão foi supostamente detida no fim de semana após recusar as demandas dos policiais por hambúrgueres grátis.
No Japão, alguns voluntários dos Jogos Olímpicos de Tóquio estão preocupados com o risco de pegar Covid-19, em meio à incerteza sobre se eles serão vacinados antes dos jogos.
Foto do dia
Configurando uma casa no espaço: A China vai enviar três astronautas em órbita na quinta-feira (17) em sua primeira missão tripulada em quase cinco anos. Os três homens, com idades entre 45 e 56 anos, viverão por três meses no módulo central da estação espacial do país, recém-concluída. A bordo da estação espacial, chamada Tiangong ou Palácio Celestial, os homens instalarão equipamentos e farão uma série de testes técnicos.
Queda nos gastos pode estar pesando na recuperação da China
Um novo surto de coronavírus no sul da China e a incerteza econômica entre os consumidores podem estar complicando os esforços de recuperação do país.
As vendas de ingressos para o cinema durante o feriado de fim de semana do Festival de Duanwu (conhecido como Festival do Barco do Dragão) despencaram cerca de 40% em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com dados oficiais. Foi o pior desempenho de bilheteria para o feriado desde 2015.
Além disso, embora 89 milhões de pessoas tenham viajado dentro das fronteiras da China durante o feriado, ou quase o mesmo que durante o nível pré-vírus de 2019, elas não gastaram tanto quanto antes. Dados oficiais mostraram que o gasto geral do turista foi apenas 75% daquele em 2019.
A mídia estatal chinesa atribuiu em parte os resultados ruins de bilheteria ao lockdown de comunidades na populosa região de Guangdong, imposto para controlar um surto de coronavírus iniciado no mês passado. O surto também afetou outros setores, incluindo o transporte marítimo, uma vez que Guangdong é o lar de vários portos importantes.
Outros fatores também podem estar em jogo. Os cinéfilos nas redes sociais chinesas reclamaram da falta de sucessos de bilheteria de Hollywood no fim de semana.
E a queda geral nos gastos do turismo também pode ser atribuída à incerteza sobre a economia. Uma pesquisa nacional conduzida pelo Banco Popular da China no primeiro trimestre de 2021 mostrou que apenas 22% dos residentes urbanos que responderam estavam dispostos a gastar mais. Quase metade dos entrevistados queria economizar mais.
A China emergiu da pandemia em um ritmo mais rápido do que outras grandes economias, graças à forte demanda global por seus produtos e a um boom de investimentos liderado pelo Estado em projetos de infraestrutura e imóveis.
Mas o consumo se recuperou de forma mais rápida do que o esperado. Em abril, as vendas no varejo aumentaram cerca de 18% em relação ao ano anterior, bem abaixo da previsão de consenso de 25%. Ele também desacelerou em relação ao aumento de 34% em março.
O mercado de trabalho também não se recuperou totalmente. A economia gerou cerca de 4,4 milhões de novos empregos nos primeiros quatro meses, menos do que os 4,6 milhões registrados no mesmo período de 2019.
— Laura He
Aumenta a pressão pelo boicote a Pequim 2022
Um número crescente de parlamentos ocidentais está denunciando as ações da China em Xinjiang como genocídio, isolando ainda mais o governo do país diplomaticamente e aumentando a probabilidade de um boicote político parcial aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022.
Na terça-feira (15), o Comitê de Relações Exteriores do parlamento belga aprovou uma moção não vinculativa dizendo que os uigures estavam em “risco sério” de genocídio como resultado das ações do governo chinês na região de Xinjiang, no extremo oeste do país. A votação da resolução é esperada na legislatura em 1º de julho.
“Nosso pequeno país é ótimo porque ousamos salvar um pouco da humanidade”, tuitou Samuel Cogolati, um membro do parlamento da Bélgica.
Os legisladores belgas são os últimos parlamentares ocidentais a debater uma moção condenando as ações de Pequim em Xinjiang. Especialistas em direitos humanos afirmam que 1 milhão de uigures foram detidos em um vasto sistema de campos de reeducação na região.
Em 10 de julho, o senado da República Checa declarou que o governo chinês estava cometendo genocídio em Xinjiang. Em 20 de maio, o parlamento da Lituânia aprovou uma resolução não vinculativa semelhante.
No total, cinco parlamentos ocidentais já aprovaram moções oficiais não vinculativas usando a palavra genocídio em conexão com as políticas de Xinjiang da China, incluindo o Reino Unido, Canadá e Holanda, com a Bélgica provavelmente a seguir. Em janeiro, o governo dos Estados Unidos designou oficialmente os abusos dos direitos humanos na China em Xinjiang como genocídio.
Mas o maior golpe ainda pode estar por vir para o governo chinês. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse em 7 de junho que estava consultando os aliados dos Estados Unidos sobre uma “abordagem compartilhada” a um boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022, em consonância com o impulso de Biden por uma frente unida de ação contra a China.
A pressão por um boicote diplomático está crescendo. O senado checo endossou a ideia em sua declaração de genocídio em Xinjiang na semana passada. A Lei de Inovação e Competição dos Estados Unidos, aprovada no senado em 8 de junho, incluiu uma cláusula que tornaria “política dos Estados Unidos” se envolver em um boicote diplomático à Olimpíada de Inverno de Pequim 2022.
(Texto traduzido. Leia o original em inglês.)