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    Drama político ameaça a democracia em El Salvador

    Presidente Nayib Bukele e parlamentares se uniram para depor todos os juízes do mais alto sistema judiciário do país

    Análise por Stefano Pozzebon, , da CNN

    O mundo está de olho no futuro da democracia de El Salvador depois que parlamentares se uniram ao presidente populista Nayib Bukele no fim de semana para substituir todos os juízes do Tribunal Constitucional, o mais alto órgão do sistema judiciário do país.

    A seguir, detalhamos tudo que você precisa saber sobre o que está acontecendo no país da América Central e como o governo norte-americano tem avaliado a situação.

    Manifestante segura a Constituição de El Salvador
    Manifestante segura a Constituição de El Salvador em demonstração contra o governo. O cartaz em frente diz “Bukele mente”, em espanhol.
    Foto: Camilo Freedman/APHOTOGRAFIA/Getty Images

    O que aconteceu em El Salvador?

    O drama se desenrolou nos corredores do poder na capital San Salvador na noite de sábado (1), quando a Assembleia Legislativa do país votou pela destituição dos cinco juízes que compõem o Tribunal Constitucional.

    A moção foi proposta pelo partido Novas Ideias, do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que detém uma grande maioria ­­– 56 dos 84 assentos – desde a vitória esmagadora nas eleições legislativas de março passado.

    Os parlamentares do Novas Ideias alegaram que o tribunal constitucional estava impedindo a capacidade do presidente de enfrentar a pandemia da Covid-19. Os críticos de Bukele, no entanto, dizem que ele mudou para um regime autoritário.

    Nayib Bukele fala em rede nacional
    Nayib Bukele fala em rede nacional após a destituição de juízes, em televisão em casa na capital San Salvador
    Foto: Fred Ramos/Getty Images

    Em março do ano passado, o Tribunal Constitucional decidiu que era ilegal encarcerar cidadãos que haviam desobedecido o lockdown, uma regra do tribunal que o presidente rejeitou publicamente. O confronto institucional ressurgiu esta semana, quando os cinco juízes consideraram inconstitucional a votação sobre sua demissão. Ato contínuo, os parlamentares responderam ordenando a destituição do procurador-geral do país, Raul Melara.

    Por fim, o Poder Legislativo prevaleceu: Melara apresentou sua renúncia pouco depois da destituição e, na segunda-feira (3), cinco novos juízes tomaram posse no Tribunal Constitucional.

    Ainda restam dúvidas sobre a legalidade dos eventos do fim de semana, mas a remodelação colocou o presidente firmemente no controle de todas as instituições públicas mais importantes do país.

    Quem é Nayib Bukele?

    Pouco depois da votação no Congresso, Bukele, de 39 anos, comemorou tuitando a palavra “DEMITIDOS” em maiúsculas, seguido por cinco emojis de aplausos. Durante o fim de semana, o presidente acessou o Twitter para defender a decisão do Congresso, pedindo à comunidade internacional que ficasse fora do conflito. “Estamos limpando a casa”, escreveu.

    Bukele, um populista de direita, subiu ao poder em 2019 com uma plataforma anticorrupção, prometendo limpar a máquina da política salvadorenha. Ele é o primeiro presidente desde 1989 a não pertencer a um dos dois principais partidos políticos do país, o partido conservador ARENA e o movimento de esquerda ex-guerrilheiro FMLN.

    Manifestante usa máscara com a imagem de Nayib Bukele
    Manifestante usa máscara com a imagem de Nayib Bukele, em sinal de apoio ao presidente salvadorenho
    Foto: Camilo Freedman/APHOTOGRAFIA/Getty Images

    Em sua campanha presidencial e primeiro ano de presidência, Bukele se apresentou como um admirador e aliado próximo do ex-presidente Donald Trump, que tuitou elogios ao jovem líder por “trabalhar bem conosco na questão da imigração”.

    As relações dos Estados Unidos com Bukele parecem estar esfriando sob o presidente Joe Biden, mas El Salvador continua sendo um parceiro estratégico para os Estados Unidos na América Central, especialmente no que diz respeito à imigração. No momento, o governo dos EUA tenta conter os fluxos de migração para os Estados Unidos com a cooperação dos governos centro-americanos.

    As ações de Bukele já haviam sido antidemocráticas antes: em fevereiro de 2020, ele rapidamente convocou militares para a Assembleia Legislativa, então controlada pela oposição, durante um confronto entre o presidente e o congresso sobre um empréstimo de emergência. A medida foi duramente criticada pela comunidade internacional, incluindo o embaixador de Trump em El Salvador.

    Como o mundo reagiu

    Várias instituições e grupos da sociedade civil, incluindo a associação de empresários de El Salvador, criticaram duramente as demissões do judiciário, chamando-as de “autogolpe” e “um ataque à democracia e uma ameaça à liberdade de todos os salvadorenhos”.

    Talvez os avisos de maior visibilidade até agora tenham vindo de Washington. A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, que envolveu El Salvador e os outros dois países do Triângulo Norte, Guatemala e Honduras, nas conversas sobre imigração, tuitou no domingo: “Temos profundas preocupações com a democracia de El Salvador após a votação da Assembleia Nacional para destituir os juízes do Tribunal Constitucional. Um judiciário independente é fundamental para uma democracia saudável – e para uma economia forte”.

    O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, ligou pessoalmente para Bukele para enfatizar o compromisso dos Estados Unidos em “reforçar as instituições democráticas e a separação de poderes” em El Salvador.

    Protesto em El Salvador
    Mulher cola cartazes em protesto contra o presidente salvadorenho Nayib Bukele
    Foto: Camilo Freedman/APHOTOGRAFIA/Getty Images

    O representante das Relações Exteriores da União Europeia, Josep Borrell, também compartilhou sua preocupação, dizendo que os acontecimentos em El Salvador “colocaram em dúvida o estado de direito” no país.

    Bukele defendeu suas ações, tuitando que não foi eleito “para negociar” com o aparato do Estado, mas não respondeu publicamente às críticas das autoridades norte-americanas. Embora o presidente salvadorenho esteja acostumado à oposição de dentro de seu governo e de grupos estrangeiros de direitos humanos, uma forte repreensão de Washington coloca mais pressão sobre seus atos.

    “Bukele avalia que o desejo de Washington de abordar a questão da migração aumenta sua capacidade de negociação com o governo Biden, mas ele pode estar subestimando a dependência econômica de El Salvador dos EUA”, opinou Tiziano Breda, analista da América Central do International Crisis Group (ICG).

    Milhões de dólares em ajuda dos EUA fortalecem a economia local de El Salvador, reduzem a imigração e ajudam a combater o crime organizado salvadorenho, que é dominado pelas “maras”, as gangues transnacionais, como a MS-13.

    Breda também destaca que os EUA são de longe o parceiro comercial mais importante de El Salvador e exercem uma influência global significativa. Além disso, os salvadorenhos que vivem nos Estados Unidos fornecem mais de 20% do PIB de seu país em remessas.

    O que vem depois?

    A situação em El Salvador é a primeira crise política no hemisfério ocidental a ser enfrentada pelo recém-empossado governo dos Estados Unidos. Desde a eleição, o governo Biden tem mostrado interesse pelos problemas mais difíceis da região, como a turbulência política da Venezuela, a imigração e o meio ambiente.

    Dadas as amplas margens de popularidade de Bukele – 98% dos salvadorenhos apoiaram o tratamento da pandemia pelo presidente, de acordo com uma pesquisa CID Gallup de março deste ano – a Casa Branca pode preferir conversar com o jovem líder na crise atual em vez de desencadear uma guerra de palavras.

    Manifestante segura a Constituição de El Salvador
    Manifestante segura a Constituição de El Salvador em protesto contra o governo Bukele
    Foto: Camilo Freedman/APHOTOGRAFIA/Getty Images

    Mas o governo dos EUA também deve considerar o sinal que envia a outros líderes autoritários na região, incluindo Daniel Ortega da Nicarágua, Nicolas Maduro da Venezuela e Jair Bolsonaro do Brasil. “Deixar a questão impune abriria outro precedente perigoso em uma região, a América Central, que já vem sendo afetada por experiências semelhantes”, disse Breda, do ICG.

    “O que Bukele pode não estar considerando é o que esses precedentes implicam no médio e longo prazo: mais turbulência social, instabilidade política e desconfiança internacional, se não isolamento. São coisas que El Salvador dificilmente pode aguentar”, concluiu o analista.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês).

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