EUA preparam encerramento de rede de espionagem de 20 anos no Afeganistão
Especialistas apontam que o fim da rede de inteligência americana dificulta ações contra o terrorismo; militares deixam a região a partir de 11 de setembro
A retirada planejada das tropas americanas do Afeganistão inclui uma revelação da extensa rede de inteligência e ação secreta que os Estados Unidos construíram no país do Oriente Médio nas últimas duas décadas – desde 11 de setembro – como parte da guerra global contra o terror.
O plano atual, anunciado pelo presidente Joe Biden, inclui a remoção de centenas de forças de operações especiais não reconhecidas publicamente pelo governo dos Estados Unidos, mas que se sabe que estão lá, de acordo com dois oficiais de defesa e um alto funcionário dos EUA com conhecimento direto da situação.
Quase todos (senão todos) os operadores da CIA que trabalham no Afeganistão também irão embora, disseram funcionários atuais e antigos à CNN. Sem o apoio de uma presença militar convencional, a coleta de informações na região torna-se significativamente mais difícil – e mais perigosa.
Nem a remoção das forças de operações especiais nem a provável remoção de operadores de inteligência haviam sido reveladas anteriormente.
Uma decisão final ainda não foi tomada quanto ao status dos oficiais paramilitares da CIA, disse um militar à CNN, mas a ideia no momento é que eles provavelmente tenham que deixar o Afeganistão. Mesmo que alguns permaneçam após o prazo de retirada imposto por Biden, será muito mais desafiador realizar o tipo de operações secretas pelas quais a CIA se tornou famosa desde 11 de setembro.
O diretor da CIA, Bill Burns, admitiu isso em uma audiência pública do Comitê de Inteligência do Senado na semana passada.
“Quando chegar a hora de os militares dos EUA se retirarem, a capacidade do governo dos EUA de coletar (informações) e agir em relação às ameaças diminuirá. Isso é fato”, disse Burns antes de observar que a CIA manterá “um conjunto de forças, algumas delas permanecendo no local, algumas delas iremos criar para nos ajudar a antecipar e combater qualquer esforço de reconstrução (da Al Qaeda ou do Estado Islâmico).”
O conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan reconheceu neste domingo (19) que a capacidade de inteligência dos EUA no Afeganistão seria reduzida quando as tropas se retirassem do país, mas disse que haveria capacidade suficiente para saber se a Al Qaeda está ressurgindo meses antes que seja tarde demais.
“É verdade que o diretor da CIA disse que não teremos o mesmo nível de presença no terreno que tínhamos quando tínhamos 3 mil, 30 mil ou 100 mil soldados”, disse Sullivan a Dana Bash, da CNN.
“Mas o diretor da CIA também disse que reteremos capacidade suficiente para termos com meses de antecedência qualquer advertência antes que a Al Qaeda seja capaz de reunir novamente forças para ameaçar o país”, continuou ele.
Questionado sobre se as forças da operação especial ficariam para trás, Sullivan disse que os EUA “não teriam uma presença militar no Afeganistão a não ser para proteger a embaixada”. Douglas London, um veterano de 34 anos da CIA, disse que as operações de inteligência no Afeganistão dependem da grande presença militar que os EUA mantêm no país.
“A presença da inteligência dos EUA e a capacidade de coletar informações dependem da infraestrutura militar em todo o país”, disse London.
“À medida que a presença dos Estados Unidos diminui, e com isso aqueles que precisam reunir informações de inteligência física no local, também a nossa visibilidade diminui”, acrescentou. “Essas pessoas da inteligência têm fontes locais com as quais podem se encontrar regularmente. Quantas vão poder viajar para Cabul, ou mesmo para fora do país?”
O destino das forças de operações especiais – que costumam trabalhar com a CIA em missões de contraterrorismo – é mais claro. “É inequívoco que todas as tropas sejam retiradas”, disse o oficial norte-americano à CNN, perguntado especificamente sobre as forças de operações especiais.
O contraterrorismo está prestes a ficar mais difícil no Afeganistão
O encerramento de coleta de informações via missões secretas da CIA, especialmente as que são realizadas via drone, recebem críticas frequentes, disseram várias fontes.
“Com as informações certas, é possível lançar uma operação para matar alguém a mil quilômetros de distância em duas horas. Mas se você não tiver nenhuma informação, se você não tiver nenhuma inteligência, como você pode fazer isso de forma precisa?”, disse uma fonte com conhecimento direto de discussões internas sobre o futuro da missão de contraterrorismo dos EUA no Afeganistão.
Não está claro como ou se o governo Biden substituirá as ferramentas de inteligência e contraterrorismo das quais os oficiais de alto escalão reconhecem publicamente que estão abrindo mão.
Republicanos e democratas no Capitólio têm clamado por detalhes, mas duas fontes familiarizadas com o debate entre os legisladores nos últimos dias disseram à CNN que as autoridades apenas chegaram a dizer que os EUA continuarão a lutar contra grupos terroristas no mesmo país como acontece em outros lugares ao redor do mundo.
Essa resposta foi interpretada por alguns como ataques contínuos de drones e, em alguns casos, uso de forças de operações especiais. Os detalhes exatos do plano permanecem incertos, deixando muitos congressistas insatisfeitos.
Funcionários do governo informarão o Senado nesta terça-feira (20), de acordo com um assessor do Senado. Os deputados esperam uma manifestação semelhante na próxima semana também.
Opções regionais
Várias fontes disseram à CNN que as autoridades ainda estão explorando maneiras de mitigar o inevitável vazio de inteligência que surge com a retirada das tropas americanas.
As autoridades estão examinando a possibilidade de organizar forças americanas na região para que possam entrar no Afeganistão para missões de contraterrorismo. Mas funcionários atuais e ex-funcionários dizem que não há maneira de fazer isso de forma tão eficaz de fora do país.
Manter qualquer capacidade de contraterrorismo “além do horizonte” será muito difícil sem uma base próxima, acrescentou o oficial militar dos EUA, observando que a retirada torna essas missões “um problema bastante diferente” do que os que os Estados Unidos tiveram que manejar nos anos anteriores.
A percepção é que os países vizinhos Paquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Cazaquistão provavelmente não concordarão em hospedar forças dos EUA, o que significa que as possibilidades mais prováveis são países do Golfo, como os Emirados Árabes Unidos, onde os EUA já mantêm uma presença militar, de acordo com várias fontes familiarizadas com o planejamento.
Vários funcionários atuais e antigos reconheceram que a preparação de forças americanas em um país como os Emirados Árabes Unidos exigiria que oficiais paramilitares da CIA, forças de operações especiais ou drones viajassem uma distância extremamente longa para qualquer operação no Afeganistão, aumentando o risco e a complexidade da missão.
“As perspectivas de pressão direta ao contraterrorismo a partir do Golfo não são impossíveis, especialmente no caso de ataques pontuais, mas simplesmente não são boas”, disse à CNN uma fonte com conhecimento direto sobre as deliberações internas.
Qualquer tentativa de paramilitares ou oficiais de inteligência da agência de operar fora de Cabul – seja para se reunir com as fontes ou conduzir um ataque de contraterrorismo – também seria dramaticamente mais arriscada, de acordo com várias fontes.
Uma missão mais perigosa
Como o pessoal da agência não será capaz de operar fora de uma base militar local, será necessário viajar distâncias mais longas para locais mais expostos que podem estar sob controle do Taleban.
Isso não apenas dá aos alvos dos Estados Unidos uma boa capacidade de detectar ataques iminentes e fugir, mas também dá a eles a oportunidade de lançar um contra-ataque sem que haja reforços suficientes do lado americano para proteger a missão e seus participantes.
“Você demora mais tempo para chegar lá, e [os adversários] dirão às pessoas que você está vindo”, disse um ex-funcionário da inteligência. “Mesmo se você estiver no lugar certo, as chances de a pessoa não estar lá aumentam. E quando você chegar lá, você tem que pousar se quiser pegar as pessoas, e elas vão se unir naquela área. Quando você voar, será sob fogo intenso.”
“Você aumenta o risco para a força e aumenta o risco de a missão falhar”, disse a fonte.
Para complicar ainda mais o quadro, existe o risco de que o Taleban possa invadir o país assim que os militares dos EUA saiam, potencialmente forçando os EUA a fechar sua embaixada para evitar outro incidente como o ataque de 2012 à embaixada em Benghazi, que matou quatro americanos.
Isso significaria que qualquer pessoal remanescente da agência, que provavelmente estaria trabalhando na embaixada dos EUA, teria que sair também – empurrando a inteligência feita por pessoas no Afeganistão de volta à escuridão pré-11 de setembro.
“Uma retirada total dos EUA e da OTAN acelera o colapso final do governo afegão e a inviabilidade da embaixada dos EUA em Cabul, o que nos leva a uma postura de coleta pré-11 de setembro”, disse Marc Polymeropoulos, um militar reformado de operações da CIA.
Biden assume o risco
O resultado de medidas como essas permanece uma incógnita, e fontes dizem à CNN que as administrações anteriores enfrentaram o mesmo conjunto de adversidades na hora de planejar uma retirada, mas não conseguiram identificar uma solução viável.
Este foi o caso durante a administração Trump, de acordo com uma fonte familiarizada com a situação ao observar que os riscos inevitáveis de retirar todas das forças dos EUA do Afeganistão são o motivo pelo qual os militares e oficiais de inteligência há muito pressionam por algum tipo de força residual.
Essa questão de abandonar ações locais de contraterrorismo também traz o risco político em caso de um novo 11 de setembro contra os Estados Unidos. Biden “concordou em assumir esse risco”, disse à CNN uma fonte familiarizada com as discussões internas do Pentágono durante o governo Trump.
(Esse texto é uma tradução. Para ler original, em inglês, clique aqui)