Insatisfeitos com Trump, negros vão às urnas em massa no voto antecipado
Estados registram mais que o dobro de comparecimento antecipado às urnas do que no pleito de 2016
Dave Richards chegou ao colégio eleitoral antes do amanhecer, carregando uma cadeira dobrável azul e uma enorme garrafa d’água.
Era por volta das 6h de 12 de outubro —o primeiro dia de votação antecipada no estado americano da Geórgia —e o consultor administrativo estava preparado para uma longa espera em Smyrna, no subúrbio de Atlanta. Depois de três horas na fila, Richards, de 51 anos, votou no que chamou de eleição mais crucial de sua vida.
“Essa eleição é mais importante do que a de 2008 para Barack Obama. Aquela de 2008 era pela mudança e por fazer história. Esta é para salvar os Estados Unidos”, disse Richards, citando preocupações sobre justiça racial e opressão de eleitores negros. “Com a divisão racial que está acontecendo, nós precisamos de alguém que será um líder para todos, não só para a base dele”.
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Em todo o país, eleitores negros estão comparecendo em massa às urnas. O que está em jogo neste ano é especialmente importante, eles dizem, e a saúde e segurança deles dependem do resultado.
Em entrevistas à CNN, eles disseram estar preocupados com o racismo e a brutalidade policial, se sentirem desvalorizados por um presidente que hesitou em condenar grupos de supremacistas brancos e temerem perder benefícios de saúde se a Suprema Corte derrubar o Affordable Care Act (Lei de Cuidados Acessíveis, abreviada como ACA e apelidada de Obamacare).
Muitos dizem sentir que essa é a eleição mais importante de suas vidas.
Durante uma pandemia que já matou mais de 223 mil americanos e devastou comunidades negras, muitos eleitores negros poderiam ter votado por correspondência. Mas depois de notícias recentes sobre trabalhadores dos correios jogando fora correspondências sem entregá-las e as afirmações falsas do presidente Donald Trump questionando a integridade desse método de votação, muitos não confiam no processo.
“A pandemia não me assustou”, disse Richards. “A maneira que Trump estava falando sobre a votação por correspondência e mentindo sobre ela, eu quis votar pessoalmente”.
Muitos eleitores negros dizem não confiar em Trump
Até o momento, eleitores afro-americanos estão comparecendo à votação em taxas bem mais altas do que as de quatro anos atrás, quand Hillary Clinton era a candidata democrata.
Até a última quinta-feira (22), mais de 601 mil americanos negros votaram antecipadamente no estado da Geórgia. Duas semanas antes da eleição de 2016, 286.240 haviam feito o mesmo. Na Califórnia, 303.145 eleitores negros se adiantaram às urnas —no pleito de quatro anos atrás, eram 106.360. Os números são da Catalistt, uma companhia de dados que fornece análises para o partido Democrata, acadêmicos e organizações de ativismo progressista.
Keith Green, de 65 anos, foi votar pessoalmente na semana passada em Overland Park, no Kansas, por muitos motivos.
“Nós temos um presidente racista que mente demais”, disse. “Ele continua dizendo que não confia nos democratas. Bem, depois de tudo que aconteceu com as cédulas eleitorais, eu não confio nos republicanos”.
Trump declarou repetidamente que fez mais pela população negra do que qualquer presidente desde Abraham Lincoln. Como evidência, ele citou os números baixos de desemprego entre os afro-americanos, as reformas da justiça penal e o aumento de investimento federal para universidades historicamente frequentadas por negros.
Alguns republicanos negros proeminentes, incluindo o senador Tim Scott, da Carolina do Sul, e o advogado-geral do Kentucky, Daniel Jay Cameron, repetem esse discurso.
Mas a maioria da população negra não foi convencida. Pesquisas eleitorais da Gallup feitas entre junho e agosto apontaram que 87% dos negros desaprovavam a gestão presidencial.
Green disse que o mandato de Trump o deixou preocupado sobre o futuro da filha e das duas netas dele. Ele acredita que Trump incentivou os supremacistas brancos e atrasou a nação no caminho pelos direitos civis e igualdade.
“Os últimos quatro anos foram ruins demais”, disse. “Não conseguiremos aguentar mais quatro anos disso”.
Outras preocupações incluem saúde e a composição das cortes
Wiburn Wilkins, de 61 anos, acordou cedo em 7 de agosto, colocou duas máscaras de proteção facial e foi até um colégio eleitoral em Joliet, no estado de Illinois, com a esposa dele. Apesar do aposentado estar no grupo de risco da Covid-19, ele queria votar pessoalmente.
“Nós temos um presidente que está rasgando nossa Constituição democrática”, disse Wilkins à CNN. “Muitas pessoas estão morrendo porque ele está ignorando a pandemia da Covid, ignorando o fato de que as pessoas estão desempregadas e precisam de recursos financeiros. Precisamos de mudança”.
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Como Green, ele acredita que as decisões da Casa Branca prejudicaram a população negra e outras minorias.
“A indicação de uma conservadora para a Suprema Corte, o acúmulo nas instâncias menores para ter apoiadores fortalecendo ideias conservadoras, provavelmente afetará negros e pardos”, disse Wilkins. “Eles vão afetar coisas como direitos civis, Obamacare —todas essas coisas têm potencial de impactar negativamente as minorias”.
Há muito em jogo nesta eleição, disse o roteirista e compositor Nolan Williams Jr., de 51 anos, que mora em Washington, D.C, e planeja votar pessoalmente no dia da eleição, em 3 de novembro.
Williams compôs um hino, “I Have a Right to Vote” (Eu tenho o direito de votar, em tradução livre), para conscientizar sobre a supressão de eleitores e motivar a população negra a comparecer às urnas. A música conta com o membro do elenco de Hamilton Christopher Jackson, o apresentador Billy Porter e outros recitando as palavras do abolicionista Frederick Douglass, e os falecidos deputado John Lewis e a juíza Ruth Bader Ginsburg.
“Para afro-americanos neste país, votar é a maneira mais efetiva de implementar as mudanças que procuramos. Dados os eventos dos últimos meses, é crucial que a nossa comunidade traduza nossos protestos em ação política”, disse Williams, se referindo às mortes de George Floyd e Breonna Taylor, e a agitação que se seguiu a elas.
“Saúde, moradia justa, incluindo acesso igualitário a empréstimos imobiliários, pobreza, o meio ambiente, reformas significativas no nosso sistema judiciário, e melhorias no policiamento de nossas comunidades são questões que fazem desta eleição especialmente crítica”, disse.
Alguns eleitores estão céticos após a eleição de 2018
Na Geórgia, muitos eleitores negros dizem ter sido motivados a votar pessoalmente pelo que aconteceu em 2018, quando o republicano Brian Kemp concorreu com a democrata Stacey Abrams pelo governo enquanto era o diretor-chefe da corte eleitoral do estado.
Kemp, que como secretário de Estado da Geórgia promoveu e executou algumas das leis que mais restringiram a participação eleitoral, foi acusado várias vezes, antes e durante a campanha, de buscar suprimir os votos das minorias. Kemp venceu por pouco, e Abrams argumentou que ele usou de seu cargo para impedir votos da população negra.
Kee-Kee Osborne, de 42 anos, disse que essa é uma das razões para ela ter votado pessoalmente neste mês —para se certificar de que sua voz é levada em conta.
“Para mim, o resultado desta eleição será a diferença entre a verdade e a enganação, decência e desonra, inclusão e intolerância”, disse Osborne, que é gerente de T.I.
“As palavras, ações e diretrizes da administração atual aprofundaram a marginalização dos negros nos últimos quatro anos. É imperativo para o nosso país que a nossa comunidade participe deste processo, porque temos a oportunidade de votar pelas mudanças em todos os níveis”.
Em Los Angeles, a gerente de negócios e blogueira de turismo Nancy Gakere, de 47 anos, acordou cedo em um dia neste mês para depositar sua cédula eleitoral. Ela também se inscreveu em um serviço de monitoramento para garantir que seu voto seja contado.
“Eu quis me certificar de entregar pessoalmente o meu voto”, disse. “Essa eleição é tão importante para o povo negro por causa dos eventos atuais, como as mortes de George Floyd e Breonna Taylor e o modo com que a pandemia do novo coronavírus afetou desproporcionalmente as pessoas negras”, disse. “Isso expôs o racismo estrutural e as desigualdades raciais que existem a longo prazo nos Estados Unidos”.
Mas, para Gakere, a questão mais importante é preservar os serviços de saúde sob o Affordable Care Act.
“Nós temos membros da família com doenças crônicas, e nós sentimos que [essa lei] tem risco de ser derrubada”, disse.
Com o dia da eleição no horizonte, Wilkins tem uma mensagem para os eleitores negros.
“Muitas pessoas morreram para que tivéssemos direito ao voto. Nós não podemos desperdiçá-lo. Esse é um privilégio que não foi oferecido aos nossos ancestrais”, disse o homem de Illinois. “Eles estão tentando nos impedir de votar ao dividir os colégios eleitorais de maneira desigual, usando intimidação e supressão eleitoral à luz do dia —todas essas são coisas que já aconteceram no passado aos nossos ancestrais. Isso te diz o quanto é importante que nós votemos”.
(Texto traduzido, leia o original em inglês)