Taiwan e golpe militar em Mianmar testam Biden na disputa com a China
Objetivo do governo americano é isolar o regime militar sem sacrificar ainda mais a população, que é o que sanções econômicas produziriam
Em seu primeiro discurso sobre política externa como presidente, na tarde da última quinta-feira (4), Biden indicou que não deixará passar em branco o abrupto fim do experimento democrático em Mianmar. Biden exigiu que os militares birmaneses entreguem o poder, soltem ativistas, desbloqueiem as comunicações e abdiquem da violencia.
Ele deixou claro que mobilizará os aliados dos Estados Unidos na abordagem da crise. O objetivo é isolar o regime militar sem sacrificar ainda mais a população, que é o que sanções econômicas produziriam.
A partir da democratização de Mianmar, em 2011, o então governo Barack Obama, do qual Biden era um vice atuante na política externa, retirou gradualmente as sanções impostas contra o antigo regime militar. Mas manteve ou impôs novas sanções contra os comandantes militares por suas violações dos direitos humanos. Donald Trump continuou com essa pressão, depois da perseguição à minoria muçulmana rohingya, em 2017. Há pouco a fazer nessa linha das sanções, que não atinja a população birmanesa em vez dos militares.
A democracia está refluindo no mundo inteiro, e o Sudeste Asiático não é exceção. Na Indonésia, os militares aumentaram sua influência; na Malásia, o governo impôs estado de emergência, usando a pandemia como pretexto, e reduzindo as liberdades civis. Nos outros países da região, já vigorava o sistema de tutela militar do governo, que os militares birmaneses procuraram manter nos últimos dez anos, e que sentiram que poderia escapar de suas mãos, com a vitória avassaladora da Liga Nacional pela Democracia, da líder civil Aung San Suu Kyi, nas eleições de novembro. A nova maioria de 84% das cadeiras em disputa assumiria nesta semana. Daí o timing do golpe.
Democracia e autoritarismo expressam a influência dos Estados Unidos e da China, respectivamente, sobre os países asiáticos. Isso se torna ainda mais agudo com a declarada intenção de Biden de reengajar os Estados Unidos na causa da democracia, dos direitos humanos e do meio ambiente.
“Vamos enfrentar os desafios impostos a nossa prosperidade, segurança e valores democráticos pelo nosso mais sério concorrente, a China”, afirmou Biden. “Vamos confrontar os abusos econômicos da China. Vamos pressionar contra os ataques da China aos direitos humanos, à propriedade intelectual e à governança global. Mas estamos preparados para cooperar com Pequim quando for do interesse da América.”
O golpe em Mianmar coincide com a primeira operação militar dos Estados Unidos sob o governo Biden na Ásia que coloca as forças americanas em estreita flexão de músculos com a China. Uma esquadra liderada pelo destróier USS John S McCain, armado com mísseis teleguiados, iniciou na quarta-feira (3) uma incursão pelo Estreito de Taiwan. A China, que reivindica a soberania sobre a Ilha de Formosa e não reconhece o governo taiwanês, tem patrulhado constantemente a região, por mar e ar, em operações percebidas como ameaça por Taiwan e pelos Estados Unidos.
Uma vez que o regime de Xi Jinping já concluiu a retomada de Hong Kong, com a imposição da lei de segurança nacional sobre o território, Taiwan torna-se o foco de tensão nas relações entre Estados Unidos e China, em termos militares e políticos. Claro que é uma disputa que passa também pelos aspectos econômicos e tecnológicos, cuja maior expressão são as pressões americanas para que os países aliados não aceitem a participação da gigante chinesa Huawei em sua frequência de 5G.
Trump tinha uma abordagem marcada pela obtenção de vantagens comerciais na disputa com a China. Biden retoma uma visão mais abrangente, resumida na frase: “A América está de volta. A diplomacia está de volta”. Quatro anos depois, a abordagem terá de ser atualizada, diante dos avanços da China em todas as áreas, e respectivo recuo dos Estados Unidos.