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    Mesmo com o maior número de leitos per capita na OCDE, Japão sofre com pandemia

    Para especialistas, números são enganosos já que país tem apenas 5 leitos de UTI a cada 100.000 pessoas – na Alemanha são 34 e nos EUA 26

    Selina Wang e Junko Ogura, da CNN

    No final de dezembro, Su testou positivo para Covid-19. Essa mãe solteira de dois filhos tinha febre persistente e dificuldade para respirar. Ela sabia que sua asma e bronquite crônicas a haviam deixado vulnerável aos piores efeitos da doença.

    “Eu imaginava se acordaria no dia seguinte”, disse a mulher de 32 anos, que pediu para não ser identificada por causa do estigma causado pela Covid-19 no Japão.

    Quando sua condição piorou, ela ligou para o centro de saúde pública na província de Hyogo para obter assistência, mas ninguém atendia seus telefonemas. 

    Então, ela teve que se isolar em seu minúsculo quarto, enquanto seus filhos, com 3 e 6 anos, dormiram sozinhos na sala por quase duas semanas. 

    Sua mãe deixava comida para a família, mas não podia ficar porque as crianças haviam sido expostas ao vírus. Su disse que se comunicava com os filhos por meio de um tablet – e muitas vezes podia ouvi-los brigando. 

    “Meus filhos pequenos ficaram presos na pequena sala de estar sozinhos, sem sair de casa por 10 dias. Eu estava me sentindo mal, em péssimas condições , mas eu senti mais dor por deixá-los sozinhos.”

    Um representante do Centro de Saúde da Prefeitura de Hyogo não comentou diretamente o caso de Su, mas disse que, embora tentem contatar pacientes isolados diariamente, o período no fim de ano teve muita demanda.

    O sistema nacional de saúde do Japão, que possui o maior número de leitos hospitalares per capita no mundo desenvolvido, foi elogiado no passado por sua alta qualidade de serviço. 

    O governo chegou a creditar as longas taxas de expectativa de vida no país – a mais alta dos países da OCDE – ao seu sistema de saúde acessível de primeira classe.

    Mas a pandemia de Covid-19 levou o sistema ao limite enquanto o país lida com sua pior onda desde o início da pandemia. Os casos mais do que dobraram nos últimos dois meses, e agora já são mais de 406 mil infectados.

    Embora o período de pico da atual onda tenha passado, com casos caindo de mais de 7.000 por dia em janeiro para menos de 3.000 casos diários neste mês, o sistema médico ainda está sob pressão.

    Em 4 de fevereiro, mais de 8.700 pessoas, em 10 regiões, com teste positivo para Covid-19 esperavam por uma cama de hospital ou vaga em um centro de isolamento. Na semana anterior, mais de 18.000 pessoas em 11 regiões estavam na mesma situação, de acordo com as secretarias de saúde regionais.

    Isso significa que as pessoas estão morrendo em casa por causa da Covid-19, lutando sozinhas contra condições deterioradas e espalhando o vírus para seus familiares.

    Funcionárias da Japan Airlines trabalham em aeroporto de Tóquio
    Com máscara de proteção, funcionárias da Japan Airlines trabalham no aeroporto internacional de Narita, no leste de Tóquio
    Foto: Issei Kato – 2.nov.2020/Reuters

    Saúde universal

    Apesar do rápido aumento de casos no Japão nos últimos meses, o número de infecções e mortes ainda é pequeno em comparação com os dos Estados Unidos, onde os casos diários em média excedem 100 mil.

    Mas especialistas dizem que as expectativas em relação à saúde são diferentes no Japão.

    Desde a década de 1960, o sistema de seguro saúde universal do Japão oferece cobertura a todos os cidadãos japoneses – independentemente de renda ou condições pré-existentes. 

    Para os especialistas, o fácil acesso ao atendimento fez com que muitos pacientes procurassem mais atendimento do que o necessário.

    “Nós consideramos (saúde) algo garantido como água encanada, mas agora dezenas de milhares de pessoas com Covid-19 tiveram que ficar em casa e não puderam ter acesso ao sistema, não puderam ser hospitalizadas e não puderam até mesmo ser atendidas por médicos”, disse Kentaro Iwata, professor e médico do Hospital Universitário de Kobe. “Essa é uma realidade muito dura, que é muito difícil de aceitar para muitos japoneses.”

    Não é incomum que pacientes com Covid-19 com sintomas graves em outros países esperem até a abertura de uma vaga no hospital, disse Naoiki Ikegami, professor emérito da Universidade Keio.

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    Mas nas primeiras ondas da pandemia no Japão, a maioria das pessoas com teste positivo para Covid-19 foi automaticamente hospitalizada, disse Ikegami.

    “Foi assim que a Covid-19 foi tratada na primeira e na segunda fases, então há uma expectativa de que qualquer pessoa com Covid-19 seja hospitalizada, mesmo que tenha apenas sintomas leves”, disse Ikegami.

    Desde então, o sistema foi ajustado para que nem todas as pessoas sejam hospitalizadas. Mas as taxas de hospitalização para Covid-19 ainda são mais altas no Japão do que em outros países.

    Falhas no sistema

    Em 2019, havia 13 leitos para cada 1.000 pessoas no Japão, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso se compara a menos de 3 a cada 1.000 pessoas nos EUA e no Reino Unido. A média da OCDE é 4,7.

    Mas Iwata diz que esses números são enganosos. Embora o Japão tenha mais de um milhão de leitos hospitalares para uma população de cerca de 126 milhões de pessoas, a maioria é para doenças leves. 

    O país tem apenas cerca de 5 leitos de terapia intensiva por 100.000 pessoas, enquanto a Alemanha tem quase 34, o maior número da OCDE, e os EUA tem quase 26.

    A questão dos funcionários é outro problema importante no sistema médico japonês. O Japão tem apenas 1.631 especialistas em doenças infecciosas em 8.300 hospitais, de acordo com o Ministério da Saúde, o que significa que a maioria dos hospitais não tem um especialista em doenças infecciosas.

    Ao contrário de outros territórios asiáticos próximos, como China, Hong Kong, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan, o Japão conseguiu evitar surtos de coronavírus anteriores, incluindo síndrome respiratória aguda grave (SARS) e síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS).

    “Muitas doenças infecciosas não chegaram ao Japão, então não nos preparamos”, disse Iwata. “Não treinamos muitos especialistas, não treinamos as enfermarias do hospital, não preparamos o sistema de saúde para infecções e esse é o resultado”, disse ele.

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    Em todo o Japão, centenas de centros de saúde públicos recebem ligações de pacientes e os encaminham para atendimento médico, monitoram sua saúde, organizam exames e rastreamento de contato.

    Em todo o país, centenas de centros de saúde públicos recebem ligações de pacientes e os encaminham para atendimento médico, monitoram sua saúde, organizam exames e rastreiam contatos.

    Hideo Maeda, chefe de um centro de saúde pública em Kita Ward, em Tóquio, disse que sua equipe quadruplicou para 40 desde o início da pandemia, mas ainda não é o suficiente. Só em sua enfermaria, todos os dias, dezenas de pacientes aguardam vaga no hospital.

    “Muitos funcionários trabalham todos os dias até meia-noite, incluindo nos finais de semana e feriados”, disse Maeda. “Estamos exaustos e sobrecarregados – psicologicamente – pelo estresse. Nossa equipe tem que tomar decisões difíceis sobre a vida das pessoas em um curto período de tempo.”

    Em uma pesquisa da Kyodo News em dezembro, cerca de metade dos hospitais que oferecem procedimentos médicos avançados disseram que enfrentam uma escassez de enfermeiras e médicos.

    (Texto traduzido; leia o original em inglês)

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