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    Sou racista? Você pode não gostar da resposta

    Talvez o início dessa jornada comece com uma pergunta menos egocêntrica como "o que estou fazendo para impedir o racismo que vejo no mundo?"

    Cresce o número de pesquisas no Google perguntanto, em inglês, "Am I racist?" [Sou racista?].
    Cresce o número de pesquisas no Google perguntanto, em inglês, "Am I racist?" [Sou racista?]. Foto: Kenneth Fowler/CNN

    John Blake, da CNN

    Os protestos que reclamavam a morte de George Floyd forçaram muitos norte-americanos brancos a considerar questões raciais difíceis. Mas a pergunta mais difícil pode ser a que eles mais estão se perguntando.

    O Google diz que as pesquisas pelo termo “Sou racista” [Am I racist?] aumentaram nas últimas semanas como jamais visto. A morte de Floyd por um policial branco provocou uma consciência racial nos EUA. O apoio ao movimento Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] aumentou e os brancos estão comprando livros como “Como ser um anti-racista” e “Fragilidade branca“.

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    Mas somente uma pesquisa no Google e alguns livros podem não ser o suficiente para responder a uma questão tão densa e complexa.

    Sendo assim, a CNN chamou alguns ativistas, psicólogos e historiadores e perguntou: como você ajudaria os brancos a responder a essa pergunta?

    Antes de tudo, vamos definir o que é racismo

    O primeiro passo no autoconhecimento racial é definir o que significa ser racista e ssim definir o próprio racismo.

    Wornie Reed, ativista veterano dos direitos civis e diretora do Centro de Política Social e de Raça da Virginia Tech, diz: “Uma pessoa racista é uma pessoa que comete atos racistas”.

    Esses atos, diz ele, são apoiados por um conjunto de crenças que apóiam a ideia de que a raça determina características e capacidades humanas e torna, automaticamente, uma raça superior à outra.

    “Se eles fazem coisas racistas, estou disposto a chamá-los de racistas”, diz Reed. “Você pode ser racista, mesmo que não pretenda ser um.”

    Manifestante segura cartaz que diz "O silêncio branco é uma violência branca".
    Uma manifestante segura placa caseira que diz “O silêncio branco é uma violência branca” durante marcha em 12 de junho de 2020, na cidade de Nova York.
    Foto: Ira L. Black/Corbis/Getty Images

    E racismo? Não é somente uma coisa, são várias.

    É um sistema de vantagem baseado em raça, dizem os estudiosos. É uma coleção de estereótipos, preconceitos e comportamentos discriminatórios. É aberto e secreto. E opera em nível individual, grupal e social.

    A verdade? Todo mundo tem algumas atitudes racistas

    Aqui estão as más notícias se você é uma dessas pessoas perguntando: “Sou racista?”

    “Você realemente tem que se perguntar se é racista, é verdade”, diz Angela Bell, professora assistente de psicologia no Lafayette College, na Pensilvânia. “E se você não está se perguntando se é racista, você é.”

    “Todos que vivem nos Estados Unidos internalizaram estereótipos sobre negros.”

    Mark Naison, professor

    A resposta paradoxal de Bell faz parte do que ela e outros dizem sobre o racismo: é quase impossível não ser racista crescendo nos EUA. Se você se acha imune a isso, essa negação é parte de como o racismo se perpetua.

    Manifestante em São Francisco.
    Uma mulher segura placa que diz “O racismo é a epidemia original americana” durante um comício para marcar a Juneteenth, ou ‘Dia da Liberdade’, data que celebra a emancipação dos escravos, em 19 de junho de 2020, em San Francisco.
    Foto: Vivian Lin/AFP/Getty Images

    “Você começa com a suposição de que é, porque todo mundo que vive nos Estados Unidos internalizou estereótipos sobre negros”, diz Mark Naison, ativista e professor de estudos afro-americanos na Fordham University, em Nova York.

    “Uma das coisas que aprendi muito cedo no meu desenvolvimento é que todos, na sociedade americana, internalizaram atitudes anti-negras porque estão tão arraigadas em nossa cultura”, diz ele.

    Isso inclui liberais brancos como ele, descobriu Naison.

    Ele esteve em um relacionamento com uma mulher negra por seis anos. A família dela praticamente se tornou sua família porque ele passou muito tempo com eles. Um dia, ele encontrou um trabalho de pesquisa que ela havia escrito durante a faculdade. Ele começou a ler e ficou surpreso com o quão coerente e bem escrito era – e então o atingiu.

    “Eu disse: ‘Caramba!’ ” Ele lembra. “Eu internalizei todas essas expectativas de que os negros são intelectualmente mais fracos. Tenho que trabalhar isso comigo mesmo”.

    Atualmente, muito trabalho antirracismo leva a falar sobre “viés implícito” ou “viés racial”. Esses são termos que descrevem como os estereótipos e suposições raciais se infiltram em nosso subconsciente. As pessoas podem agir e pensar de maneira racista sem saber.

    Um manifestante levanta o punho durante uma manifestação.
    Um manifestante levanta o punho durante uma manifestação em 1 de junho de 2020, em Las Vegas.
    Foto: John Locher/AP

    Um clássico exemplo disso foi um experimento famoso no qual os pesquisadores enviaram 5 mil currículos fictícios em resposta a anúncios de emprego. Alguns candidatos tinham nomes que soavam brancos, como “Brendan”, enquanto outros tinham nomes que soavam pretos, como “Jamal”.

    Os candidatos com nomes que pareciam brancos tinham 50% mais chances de receber chamadas para entrevistas do que seus colegas que pareciam ser negros.

    “As pessoas podem não pensar que têm controle sobre o racismo e nunca conseguem se livrar dele. Está absolutamente sob seu controle.”

    Angela Bell, professora de psicologia

    Alguns estudiosos, no entanto, têm problemas com termos como “viés implícito”. Eles acham que isso oferece às pessoas uma desculpa para justificar seu racismo, afirmando: “Meu subconsciente me fez fazer isso”.

    “O termo viés racial perpetua a noção de que o racismo está além do seu controle, e esse geralmente não é o caso”, diz Bell, professor de psicologia. “As pessoas podem não pensar que têm controle sobre o racismo e nunca conseguem se livrar dele. Está absolutamente sob seu controle”.

    Não importa se você apoia o Obama

    No entanto, pode ser diabolicamente difícil para as pessoas verem o racismo em si mesmas, diz Bell, que estuda como as pessoas deixam de reconhecer seu próprio preconceito.

    Parte disso é devido ao que os psicólogos chamam de “licenciamento e credenciamento moral”. Tradução: Um liberal branco que se gaba de “eu teria votado em Obama pela terceira vez se pudesse” pode estar tentando sinalizar que ele ou ela está além do racismo.

    “Se você tirar Madre Teresa da cova e colocá-la no comando de qualquer sistema de justiça criminal, em qualquer estado, ela seria – a menos que ela mudasse o sistema – o maior racista praticante do estado.”

    Wornie Reed, ativista e estudiosa

    Em 2009, pesquisadores da Universidade de Stanford divulgaram um estudo que descobriu que expressar apoio a Obama fazia com que algumas pessoas se sentissem justificadas em favorecer brancos sobre negros.

    Daniel Effron, que ajudou a conduzir o estudo, disse na época:

    “Este é o equivalente psicológico de quando as pessoas, em conversas informais, dizem algo como ‘muitos dos meus melhores amigos são negros.’ Eles dizem isso porque estão prestes a dizer outra coisa que lhes interessa pode ser interpretada como preconceituosa”.

    Comício Obama, em 2012.
    Os apoiadores levantam placas escritas “Adiante” quando o presidente Barack Obama discursa em comício, em 2 de setembro de 2012, em Boulder, Colorado.
    Foto: Marc Piscotty/Getty Images

    Há também a tendência de as pessoas se avaliarem como superiores às outras, diz Bell.

    Ela cita um experimento que ajudou a realizar no qual pediu aos estudantes universitários que preenchessem um questionário on-line perguntando se eles já haviam se envolvido em comportamentos racistas, como o uso da palavra nigga [ou ‘the N-word’ (a palavra que começa com ‘n’) expressão usada entre pessoas negras, que no entanto, quando utilizada por uma pessoa branca fazendo referência a outra negra, é considerada como um adjetivo ruim, ou seja, racista].

    Meses depois, os mesmos participantes foram convidados a revisar respostas semelhantes de estudantes selecionados aleatoriamente. O problema era que eles estavam realmente revisando suas próprias respostas, mas não sabiam.

    “As pessoas se avaliavam tão menos racistas quanto a outra pessoa”, diz Bell, “mesmo sendo a outra pessoa”.

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    O racismo individual não é tão prejudicial quanto o racismo institucional

    As pessoas têm idéias diferentes sobre como se livrar do racismo. Alguns dizem que o foco deve estar no racismo institucional – nas escolas, no policiamento, no local de trabalho – e não nos sentimentos das pessoas.

    Reed diz que muitos americanos brancos veem “racismo como psicologia” – uma definição egocêntrica que se concentra no que as pessoas sentem por dentro e em demonstrações pessoais de hostilidade racial, como insultos raciais.

    Reed diz que o objetivo do movimento pelos direitos civis não era melhorar o povo branco. Era limpar as instituições do racismo para que os negros pudessem ter acesso igual a empregos, moradia e educação.

    Teatro segregacionista em Leland, Mississippi, na década de 1930
    Um teatro segregacionista em Leland, Mississippi, na década de 1930, que diz na entrada “Teatro Rex para pessoas de cor”.
    Foto: Marion Post Wolcott/Libary of Congress/Getty Images

    Não é suficiente os americanos brancos entenderem que o racismo é muito mais destrutivo quando infecta uma instituição como o sistema de justiça criminal, diz ele.

    “Se você tirar Madre Teresa da cova e colocá-la no comando de qualquer sistema de justiça criminal em qualquer estado”, diz ele, “ela seria – a menos que ela mudasse o sistema – a maior racista praticante do estado”.

    Como saber se você é racista

    Uma pesquisa no Google por “Sou racista” oferece um questionário, mas as atitudes racistas são complexas demais para serem diagnosticadas dessa maneira. Naison, no entanto, coloca algumas perguntas que podem lhe dar uma pista.

    Você se surpreende ao encontrar uma pessoa negra cujo domínio da linguagem, fala ou escrita é da mais alta ordem?

    Você supõe que, quando você conhece uma pessoa negra em uma competição atlética, ela é mais forte ou mais rápida que você?

    Você sente ansiedade quando um grupo de jovens negros caminha pela rua em sua direção, ou uma pontada de medo quando um negro checa seu medidor de gás ou faz reparos domésticos?

    Mulher negra segura cartaz de protesto que diz "Eu não sou uma ameaça".
    Mulher negra segura cartaz de protesto que diz “Eu não sou uma ameaça e BLM (Black Lifes Matter/Vidas Negras Importam)” em Oakland, Califórnia, em 1 de junho de 2020.
    Foto: Noah Berger/AP

    Se você respondeu sim a alguma destas perguntas, você pode sim ser racista, diz Naison.

    Ele acrescenta que os negros que entram em contato com você provavelmente saberão que você é racista antes de fazê-lo. Os negros costumam ler a linguagem corporal dos brancos quando experimentam esses pensamentos racistas, diz ele. Pode ser algo tão simples como acelerar sua caminhada quando um negro se aproxima na rua ou hesitar em abrir a porta quando um negro está tocando a campainha.

    Naison diz que a maioria dos brancos pratica o que chama de “racismo aversivo”, ou se envolve em comportamentos – alguns inconscientes – “que permitem que os negros saibam que não se sentem à vontade com eles”.

    Como não ser racista

    Um dos maiores obstáculos no combate ao racismo é a falta de esperança. Há uma crença de que o racismo nunca será eliminado porque sempre se adapta para sobreviver, e os seres humanos são tribais demais para evitar diferenças superficiais nos outros.

    Mas a estrutura moderna do racismo – uma hierarquia racial com branco no topo e preto no fundo – é uma postura relativamente recente. A noção de que pessoas com pele mais escura são inerentemente inferiores foi inventada há cerca de 500 anos pelos europeus para justificar a escravidão e a conquista colonial, dizem os estudiosos.

    As lições de história não impedem que alguém seja racista. Mas algo a mais pode ter efeito: relacionamentos sólidos e genuínos sustentados entre brancos e negros.

    Amizade interracial de crianças.
    Amizades sustentadas com pessoas de outras raças podem quebrar preconceitos, dizem os estudiosos.
    Foto: Wave 3 News

    “Ler livros é e participar de grupos de estudos é bom, mas tornar suas redes sociais genuinamente diversas é fundamental”, diz Naison, professor da Fordham. “Você não pode viver em uma bolha branca.”

    A maioria dos brancos, no entanto, é socialmente isolada de pessoas de outras etnias, diz ele. Naison diz que vai às casas e celebrações dos amigos brancos e quase nunca vê pessoas negras.

    “E são pessoas que apóiam todas as questões de justiça possíveis e que marcham nos protestos da Black Lives Matter”, diz ele.

    Naison diz que nunca teve que perguntar ao Google: “Sou racista?” porque seu mundo está cheio de pessoas de cor que lhe dirão se ele está sendo racista.

    “Tive uma ótima vida e aprendi a fazer isso acontecer”, diz ele. “Se eu posso fazer isso, você também pode.”

    Talvez o início dessa jornada comece com uma pergunta menos egocêntrica para o Google.

    Em vez de “Sou racista?” pergunte a si mesmo: O que estou fazendo para impedir o racismo que vejo no mundo?

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o orginal em inglês).