Para resolver velhos problemas, chilenos votam em plebiscito constitucional
Chilenos saem para votar, neste domingo (25), em um referendo para decidir se o país deve mudar sua constituição
Para um país em paz, o Chile tem enfrentado bastante turbulência recentemente. Igrejas foram incendiadas e centenas de pessoas foram presas durante protestos em Santiago no último final de semana, quase um ano depois de 26 pessoas morrerem em confrontos com o Estado.
A tensão está tomando conta de um país caracterizado pelo Banco Mundial como “uma das economias que cresce mais rapidamente na América do Sul”, mas onde há uma revolta concentrada contra as políticas do governo vistas como beneficiadoras dos mais ricos.
E é neste contexto tumultuado que os chilenos saem para votar, neste domingo (25), em um plebiscito para decidir se o país deve mudar sua Constituição, estabelecida há 40 anos durante o regime ditatorial de Augusto Pinochet.
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Patricio Navia, professor chileno de Estudos Latinoamericanos e Caribenhos da Universidade de Nova York, afirma que muitos chilenos consideram inaceitável que o país seja regido por leis escritas durante o período mais sombrio de sua história.
“É como se alguém tivesse uma bela casa, mas ele não a quisesse mais porque ela foi construída por um pai que era um estuprador. Não é que a casa seja ruim. É que ela foi levantada por aquela pessoa”, diz.
“Escrever uma nova constituição é uma ato de expiação”, afirma Navia. “Como os chilenos não conseguiram colocar Pinochet atrás das grades pelas violações de direitos humanos que cometeu, eles querem matar a Constituição para realizar algum tipo de julgamento histórico contra o ditador.”
Pinochet morreu aos 91 anos em 2006, sem ser condenado por nenhum de seus crimes. No entanto, oponentes políticos afirmam que mais de 3 mil pessoas morreram como consequência de violência política durante seu regime, inclusive durante a “Operação Condor”. Notável medida de repressão contra dissidentes políticos durante os anos 70, que tirou a vida de muitos e torturou e exilou outros tantos.
Mas por que os chilenos protestam se o Banco Mundial disse que o “sólido ambiente macroeconômico” do país permitiu que os níveis de pobreza fossem reduzidos de 30% em 2000 para 3,7% em 2017?
De acordo com analistas ouvidos pela CNN, uma desigualdade penetrante tem aumentado o ressentimento de uma parcela da população que é marginalizada e não consegue ascender socialmente. A OCDE reportou em 2018 que a desigualdade salarial no Chile é 65% maior do que a média da organização, “com um dos maiores buracos” entre a média dos salários dos 10% mais ricos e os 10% mais pobres.
“Além de não estarem recebendo ‘um pedaço do bolo’, eles não foram nem convidados para a festa”, disse Navia. “E a demanda por uma nova Constituição é precisamente isso, estão demandando um convite para a festa.”
Criar uma nova Constituição foi um pleito de líderes esquerdistas logo que a ditadura militar caiu em 1990. O presidente Ricardo Lagos promoveu reformas significativas em 2005 — numa Constituição que já tem 250 emendas — e candidatos à presidência já haviam discutido a possibilidade de um referendo em 2009.
“A lei atual tem um sério problema de legitimidade”, diz Gabriel Boric, um dos legisladores que pressionou pelo referendo. “De um lado, há necessidades sociais como pensões, reduzir salários de políticos, aumentar a carga tributária sobre os mais ricos, congelar os preços de serviços”, diz. “Do outro, há uma questão mais profunda, sobre qual deve ser a identidade nacional que nos governa.”
Mais de 14,8 milhões de chilenos poderão votar no domingo e várias pesquisas mostram que ao menos 70% da população é favorável a uma nova Constituição. Se aprovada a mudança, espera-se que a construção do novo texto leve pelo menos um ano.
Os chilenos não estão somente decidindo se querem uma nova Constituição, mas também quem irá escrevê-la e como. Se, como esperado, a mudança seja aprovada, uma Assembleia Constituinte será eleita em abril de 2021, juntamente com as eleições municipais e estaduais.
Para Camila Vallejo, membro do Partido Comunista na Câmara dos Deputados e antiga líder estudantil, escrever uma nova Constituição é sobre justiça social. “Não é só sobre saúde e educação, é também sobre o alto custo da conta de luz, combustíveis e transportes públicos”, disse ao Cenital, site de notícias chileno. “O Chile é o único país do mundo em que a água é completamente privatizada. Temos um sistema extremamente neoliberal que aprofundou desigualdades.”
Mas outros dizem que escrever uma nova Constituição pode não ser a melhor forma de resolver os problemas do Chile, similares aos desafios de outros países da América Latina, incluindo dificuldades para desenvolver um crescimento sustentável, criar empregos e superar níveis endêmicos de desigualdade.
Pedro Pizano, membro do Instituto McCain para Liderança Internacional, diz que trocar a Constituição vigente “não só é uma má ideia como é uma péssima maneira de dar aos chilenos as mudanças que eles desejam.”
Nascido na Colômbia, o analista diz que seu próprio país realizou essa experiência em 1991, elegendo 100 pessoas para escrever uma nova Constituição, o que teve resultados mistos. Tudo que os chilenos querem, diz Pizano, “pode ser resolvido com emendas como as que temos visto nos Estados Unidos.”
“É possível criar prosperidade e justiça a partir de um papel em branco? Por que os Estados Unidos não mudaram sua Constituição e sim a modificaram 27 vezes? Israel e o Reino Unido nem têm Constituição escrita. Ainda assim, são exemplos de países liberais e democráticos. E é isso que queremos”, diz Pizano.
Navia, da NYU, concorda, e acha que os legisladores devem focar seus esforços em melhorar a economia. “Você não pode escrever na Constituição que haverá pensões melhores. Você precisa do dinheiro para pagar as pensões primeiro. E isso você conquista com crescimento, investimento estrangeiro e outras mudanças que um novo texto pode até dificultar.”