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    Eleições nos EUA: Uma nação em crise enfrenta um momento crucial na história

    Os Estados Unidos em crise enfrentam um momento crítico histórico nesta eleições

    Donald Trump e Joe Biden
    Donald Trump e Joe Biden Foto: (Tom Brenner/Reuters e CNN)

    Por Stephen Collinson, da CNN

    Os candidatos presidenciais sempre anunciam a próxima eleição como a mais importante de nossas vidas. Desta vez pode ser verdade. Uma nação já dividida está fazendo a escolha entre o presidente Donald Trump e o ex-vice-presidente Joe Biden, com divisões políticas exacerbadas pela pior crise de saúde pública em um século. O país também enfrenta, em decorrência, uma crise econômica que custou os empregos de milhões de americanos e um acerto de contas ainda não resolvido sobre raça e brutalidade policial.

    Se Trump vai governar por um ou dois mandatos é uma decisão que irá definir se sua escandalosa e incontrolável presidência republicana é uma aberração na história da política moderna, ou se ele pode transformar permanentemente os Estados Unidos e o mundo em sua própria imagem turbulenta.

    Uma vitória de Biden, o candidato democrata, acabaria com as constantes decisões por instinto, o caos e os contínuos ataques à verdade, à ciência, aos fatos e evidências em todas as esferas da vida norte-americana. Haveria o retorno de um chefe de Estado mais tradicional que está prometendo unir o país, criar um novo espírito de esperança e restaurar a compaixão à Casa Branca.

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    Trump deixou claro que, se for o primeiro presidente que passou por um impeachment a ganhar a reeleição, desencadearia uma forma muito mais pura de sua ideologia nacionalista linha-dura, e ele pode ser tudo menos irrefreável em seu esforço para armar por completo as instituições do governo dos EUA, visando seus próprios objetivos e caprichos.

    Justificado pela vitória, o presidente provavelmente aumentaria as cruzadas contra as “elites” e os alertas de que a América Branca corre o risco de ser sobrecarregada por mudanças demográficas. É provável que ele se dedique ainda mais a seus leais apoiadores, que veem seus apelos para prender seus oponentes e para culpar os médicos pelas mortes por Covid-19 como a personificação da máquina de demolição que enviaram para destruir o establishment em Washington em 2016.

    Sua vitória, depois de meses perdendo nas pesquisas, seria mais uma provocação direcionada aos eleitores e comentaristas da mídia que previram que ele estava caminhando para uma derrota, e confirmaria seu talento político pouco ortodoxo, estranho e único para canalizar os medos e opiniões de milhões de norte-americanos.

    Mais quatro anos daria a Trump mais tempo para transformar o governo numa busca por seus próprios objetivos pessoais. As queixas de Trump, por exemplo, de que o procurador-geral William Barr (que parece perseguir as prioridades políticas do presidente desde que assumiu o cargo) não está suficientemente afinado com suas vontades, sugerem um futuro governo formado apenas por seus seguidores. Tal abordagem quase certamente corroeria as estruturas constitucionais que mesmo em tempos de apreensão política garantiram as liberdades políticas norte-americanas.

    O presidente, no entanto, está divulgando as eleições como a última chance de salvar as liberdades individuais dos milhões de norte-americanos que o colocaram no cargo – e a quem ele tem cortejado ostensivamente desde então.

    “Os homens e mulheres esquecidos de nosso país nunca mais serão esquecidos, e vocês sabem disso e viram isso”, disse Trump na etapa final de uma exaustiva campanha, em Minnesota na sexta-feira (30).

    “Quatro anos atrás tivemos um momento muito, muito emocionante, e agora é ainda mais emocionante e, sinceramente, esta é uma eleição muito mais importante, e eu nunca pensei que diria isso … É isso. Esta é a história da nossa nação, este é um momento muito, muito grande para nosso país”.

    Como Trump mudaria o país

    O impacto mais imediato de um segundo mandato de Trump provavelmente seria na gestão da crise de Covid-19, um desastre profundo que a Casa Branca em grande parte parou de tentar conter. O estranhamento entre o presidente e o maior especialista em doenças infecciosas do governo, o Dr. Anthony Fauci (que em uma entrevista ao jornal Washington Post disse que os EUA estão no caminho “de muita dor”), agora parece impossível de se consertar.

    Uma política que se parece mais com imunidade de rebanho dá a impressão de ser mais provável se o presidente ganhar. Essa abordagem, que especialistas dizem que pode custar milhares de vidas, é defendida pelo conselheiro favorito de Trump, o Dr. Scott Atlas, que não é um especialista em doenças infecciosas. Mesmo que Trump perca, com um inverno sombrio à frente até a posse em janeiro, Trump parece pouco inclinado a adotar agressivamente algumas políticas para combater o vírus, políticas essas que ele se recusou a colocar em prática quando estava concorrendo a um segundo mandato e negando a ameaça.

    Em termos de políticas, uma vitória de Trump priorizaria uma rápida recuperação econômica, acima de qualquer esforço para diminuir a pandemia que agora está tão ruim quanto sempre esteve. Sua vitória teria consequências para os planos de saúde de milhões de norte-americanos, consagraria políticas de imigração linha-dura, poderia prolongar o deslocamento nacional que ele promoveu sobre raças, e irá reverberar para muito além das fronteiras norte-americanas, em milhões de pessoas que não têm voz em uma eleição que formata suas vidas.

    Em termos de saúde, por exemplo, Trump ainda não disse como substituiria o Obamacare — que enfrenta seu próximo encontro com o destino na Suprema Corte na próxima semana — ou como ele garantiria a cobertura para aqueles com condições pré-existentes após destruir o sistema de mercado que permite às companhias de seguros uma margem de manobra financeira para fornecer tal cobertura.

    A eleição é crucial para as aspirações políticas de milhões de eleitores do centro-oeste dos EUA, que não necessariamente abraçaram sua vulgaridade, mas acreditavam que ele cumpriu sua promessa de defender os “americanos esquecidos” afetados pela globalização. Se Trump ganhar

    a reeleição com um desempenho melhor do que as pesquisas sugerem no centro-oeste, ele terá que agradecer a esses eleitores.

    Especialistas em Washington podem desdenhar dos acordos comerciais amplamente promovidos por Trump e do confronto com a China depois de inicialmente se aproximar do presidente Xi Jinping. Mas tais posições, e uma vontade de colocar as preocupações dos trabalhadores do centro-oeste no cerne de sua agenda “América em Primeiro Lugar”, forjaram um vínculo com os eleitores que sentem que um Partido Democrata mais cosmopolita, de classe média e urbano os deixou para trás.

    Embora o presidente alegue que tenha restaurando o respeito pelos Estados Unidos em todo o mundo, e tenha algumas realizações (incluindo acordos recentes de normalização diplomática entre Israel e alguns estados árabes), sua liderança não tem sido amplamente apreciada no mundo inteiro.

    Há temores na Europa de que um segundo mandato de Trump enfraqueceria irrevogavelmente a aliança transatlântica e poderia até mesmo questionar a existência da OTAN. Na Ásia, a hostilidade de Trump às missões de tropas dos EUA no Japão e na Coreia do Sul poderia ser um presságio de grandes mudanças na postura de segurança global dos EUA. Sua guerra fria com a China provavelmente se intensificará, assim como um confronto com o Irã. E ditadores desfrutariam de mais quatro anos de imunidade das críticas dos Estados Unidos, que tradicionalmente defende a promoção global dos direitos humanos e da democracia.

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    Biden promete menos raiva, mais esperança e ‘luz’

    Biden apostou sua candidatura na ideia de que o tumultuado mandato de Trump é, de fato, um desvio dos impulsos democráticos e filosóficos que têm sustentado quase 250 anos de democracia americana.

    Se ele ganhar, ele estaria dando continuidade a uma reação política ao presidente, que começou quando os democratas recuperaram o controle da Câmara dos Deputados nas eleições de meio de mandato de 2018.

    Ao prometer restaurar a “alma” da nação, Biden (que está provavelmente em sua última disputa pelo poder) promete promover a democracia, a

    decência, a empatia e o internacionalismo que ele diz terem sido esmagados por Trump.

    “Podemos escolher o caminho de termos mais raiva, menos esperança e mais divisão, um caminho de sombra e desconfiança. Ou podemos escolher um caminho diferente e, juntos, aproveitar essa chance de curar, renascer, de nos unirmos. Um caminho de esperança e luz”, disse Biden na Convenção Nacional Democrata.

    “Esta é uma eleição que mudará nossas vidas e determinará o futuro dos Estados Unidos por muito tempo. O caráter está em jogo. A compaixão está em jogo. A decência, a ciência, a democracia. Estão todos em jogo, no voto. Quem somos como nação. O que defendemos. E, o mais importante, quem queremos ser”.

    Biden está tentando restaurar o papel do governo na busca por melhorar a saúde e o bem-estar econômico dos norte-americanos, em uma tradição que une os presidentes Franklin Roosevelt, Lyndon Johnson e Barack Obama.

    A eleição de Biden também representaria o ápice de uma jornada política sinuosa que chegou a Washington quando Richard Nixon era presidente, e que engloba todos os acontecimentos importantes dos últimos 50 anos, do Watergate, o 11 de setembro e a Grande Recessão à ascensão do primeiro presidente negro dos Estados Unidos.

    A vice de Biden, a senadora da Califórnia Kamala Harris, representaria uma nova rachadura no teto de vidro como a primeira mulher e a primeira pessoa não branca a servir como vice-presidente. Biden tem grande apoio de eleitoras mulheres, muitas das quais foram alienadas pela presidência de Trump e por seus apelos desajeitados na campanha para “donas de casa suburbanas”.

    E se Biden chegar ao Salão Oval, significará que um país doente e de luto também teria se voltado para um homem cuja reputação de integridade e compaixão pelos aflitos foi forjada por uma vida de tragédia pessoal, em um momento em que mais de 250 mil cidadãos provavelmente terão morrido por conta do coronavírus no momento da posse.

    Biden, assim como Trump, enfrentaria enormes desafios

    As chances de uma presidência de Biden ser um retorno a algum tipo de mar de rosas político, de unidade e estabilidade, são remotas.

    As repetidas tentativas do presidente de chamar a eleição de “manipulada” e fraudulenta podem tornar menos provável que seus apoiadores aceitem sua derrota, o que significa que as esperanças de Biden de resgatar a unidade nacional são provavelmente um sonho impossível.

    A incerteza sobre o destino do Senado também lança questões sobre o escopo de uma possível presidência de Biden. Mesmo que os democratas reconquistem a Câmara, é provável que essa maioria seja apenas por alguns poucos assentos, e a coalizão partidária poderia abranger membros ultraliberais e novos legisladores de alguns estados mais conservadores, complicando o trabalho de unificação por trás da legislação.

    Biden certamente ouvirá das facções progressistas, personificadas pelo senador do estado de Vermont Bernie Sanders e pela deputada de Nova York Alexandria Ocasio-Cortez, que silenciaram seus apelos agressivos por uma reforma radical em nome da derrota de Trump. Ao mesmo tempo, no caso de uma vitória de Biden, os republicanos estariam envolvidos em uma batalha pelo futuro de seu partido, que iria agitar ainda mais a cena política.

    O fato de que o primeiro ano de uma presidência de Biden seria dominado em primeiro lugar pelo esforço de conter a pandemia, e depois pelo lento processo de erradicá-la através de vacinas e preparar a economia, pode drenar o capital político que muitos democratas esperam que seja gasto em agressivas leis econômicas, sociais, para a saúde e o clima.

    Assim como a presidência de Trump poderia vir a ser vista como um desvio na história norte-americana, Biden também enfrentaria questões sobre a sustentabilidade de longo prazo de sua presidência.

    Após completar 78 anos no fim do mês, ele seria o presidente mais velho a assumir o cargo. O ex-senador de Delaware descartou em grande parte as agressões de Trump (que tem 74 anos) contra sua cognição, através de

    desempenhos sólidos nos dois debates presidenciais. Mas, considerando sua idade, as perguntas sobre a saúde de Biden seriam uma constante durante sua presidência. E Biden teria de trabalhar duro para garantir que a questão de sua sucessão e as eleições de 2024 – quando ele terá quase 82 anos – não o transformem precocemente em uma carta fora do baralho.

    Tais perguntas, no entanto, são para o futuro. E para uma outra eleição que começará a se desenrolar assim que esta terminar.

    Mas primeiro, na terça-feira, a história está em jogo, no voto.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).