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    China prometeu milhões de vacinas a vários países e está pronta para entregá-las

    China pode estar usando da 'diplomacia da vacina' como forma de se redimir internacionalmente pela pandemia

    Primeiras doses da vacina Coronavac chegando em São Paulo (19.nov.2020)
    Primeiras doses da vacina Coronavac chegando em São Paulo (19.nov.2020) Foto: Reprodução/CNN

    David Culver e Nectar Gan, da CNN

    Dentro de um armazém cinza no Aeroporto Internacional de Shenzhen, no sul da China, uma fileira de câmaras brancas fica em um canto isolado, cada uma equipada com uma tela que mostra a temperatura interna.

    Um segurança vestindo jaleco cirúrgico, máscara facial e luvas de borracha fica de guarda. Qualquer pessoa que entra nesta parte do armazém deve completar duas semanas de quarentena ou usar um traje antirrisco da cabeça aos pés.

    Totalizando uma área de 350 metros quadrados, as salas climatizadas serão preenchidas por fileiras e mais fileiras de vacinas contra a Covid-19 de fabricação chinesa, depois de receberem a aprovação dos reguladores de medicamentos do país. De lá, elas serão carregadas em contêineres com temperatura controlada dentro de aviões de carga e seguirão para vários países.

    Nos próximos meses, a China enviará centenas de milhões de doses de vacinas contra o coronavírus para países que realizaram até a última fase dos testes de suas principais candidatas a imunizante. Os líderes chineses também prometeram acesso prioritário às vacinas bem-sucedidas a uma lista crescente de países em desenvolvimento.

    A campanha global dá à China uma oportunidade de reparar sua imagem, que foi prejudicada pelo gerenciamento inicial incorreto do surto de coronavírus. Em vez de ser responsabilizado pela propagação primária do vírus, o país pode potencialmente ser admirado por ajudar a pôr fim à pandemia.

    As vacinas também podem ser usadas pelo governo chinês como “um instrumento de política externa para promover o poder de convencimento e projetar influência internacional”, afirmou Yanzhong Huang, pesquisador sênior de saúde global do Conselho de Relações Exteriores, com sede em Washington, nos Estados Unidos.

    No início da pandemia, os esforços da China para obter favores doando máscaras e outros suprimentos a países duramente atingidos pelo vírus foram prejudicados por relatos de suprimentos de baixa qualidade, e acusações que os chineses estavam lançando uma campanha de desinformação para mudar a narrativa da pandemia.

    De acordo com Huang, a diplomacia da vacina de Pequim poderia trazer uma nova chance ao país.

    “Diplomacia de vacinas”

    A China atualmente tem cinco candidatos a vacina de quatro empresas que alcançaram a Fase 3 dos ensaios clínicos, a última e mais importante etapa do teste antes que a aprovação regulamentar seja solicitada.

    Tendo eliminado em grande parte o coronavírus dentro de suas fronteiras, as farmacêuticas chinesas tiveram que procurar locais no exterior para testar a eficácia de suas vacinas. Juntos, elas implementaram testes de Fase 3 em pelo menos 16 países.

    Em troca, muitos dos países anfitriões receberam a promessa de acesso antecipado às vacinas bem-sucedidas. Em alguns casos, receberam também o ‘know-how’ de tecnologia para fabricá-las localmente.

    A Sinovac Biotech, uma farmacêutica listada na Nasdaq com sede em Pequim, assinou acordos para fornecer 46 milhões de doses de sua vacina Covid-19 para o Brasil e 50 milhões de doses para o Peru. Também fornecerá 40 milhões de doses da vacina a granel (o concentrado da vacina antes de ser dividido em pequenos frascos) para a produção local na Indonésia.

    Caixas da Coronavac
    Caixas da Coronavac, vacina da farmacêutica Sinovac em conjunto com Instituto Butantan
    Foto: Thomas Peter/Reuters (24.set.2020)

    A CanSino Biologics, que desenvolveu uma vacina contra o coronavírus com uma unidade de pesquisa do exército chinês, entregará 35 milhões de doses de sua vacina para o México, um dos cinco países que a testaram.

    O China National Biotec Group (CNBG), uma unidade do gigante farmacêutico estatal China National Pharmaceutical Group (Sinopharm), tem sido menos aberto sobre sua estratégia. As duas vacinas candidatas da empresa estão passando por testes de Fase 3 em dez países, principalmente no Oriente Médio e na América do Sul. Nos Emirados Árabes Unidos, o governante de Dubai, Sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum voluntariou-se para ser vacinado em ensaios e a vacina foi aprovada para uso de emergência. A empresa dos Emirados espera produzir entre 75 e 100 milhões de doses em parceria com a Sinopharm no próximo ano.

    O presidente da Sinopharm Liu Jingzhen disse no mês passado que dezenas de países solicitaram a compra das vacinas da empresa. Ele não deu o nome dos países ou detalhes sobre a quantidade de doses proposta, mas disse que o CNBG seria capaz de produzir mais de um bilhão de doses em 2021.

    “A China não só tem vontade política (para sua diplomacia de vacinas), mas também tem uma capacidade robusta para fazer isso acontecer”, disse Huang.

    Como a China contém amplamente o vírus, não há necessidade urgente de vacinar seus 1,4 bilhão de habitantes. “Isso ao país a vantagem de fazer acordos com países que precisam das vacinas”, contou.

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    “Rota da Seda da Saúde”

    A campanha global de vacinas da China contrasta fortemente com a do governo de Donald Trump, com a abordagem ”Estados Unidos em primeiro lugar”, que se concentra em vacinar seus próprios cidadãos antes daqueles em outros lugares.

    “Até agora não ouvimos os EUA dizendo ou sugerindo que vão destinar uma porcentagem de sua vacina para apoiar os países pobres. Portanto, isso coloca a China em uma situação ainda melhor para usar a vacina para servir ao seu objetivo de política externa”, opinou Huang.

    Em outubro, a China aderiu a uma iniciativa global apoiada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para garantir a distribuição rápida e equitativa das vacinas para Covid-19 para países ricos e pobres.

    Conhecida como COVAX, a iniciativa visa desencorajar os governos a acumular imunizantes e, em vez disso, focar na vacinação de grupos de alto risco em todos os países. Mas a COVAX foi recusada pelos Estados Unidos, em parte porque o presidente Donald Trump não queria trabalhar com a OMS, deixando um vazio de liderança em saúde pública global para a China preencher.

    Desde o início, os líderes chineses enfatizaram repetidamente que as vacinas da China são para serem compartilhadas, especialmente com o mundo em desenvolvimento.

    Em maio, o presidente chinês Xi Jinping contou na assembleia anual da OMS que a China tornaria sua vacina contra o coronavírus um “bem público global”, chamando-a de “contribuição do país para garantir a acessibilidade e o preço da vacina nos países em desenvolvimento”.

    Em uma cúpula por vídeo com líderes africanos em junho, Xi prometeu que “uma vez que o desenvolvimento e implantação de uma vacina para Covid-19 sejam concluídos na China, os países africanos estarão entre os primeiros a se beneficiar”.

    O presidente da China, Xi Jinping
    O presidente da China, Xi Jinping
    Foto: Carlos Garcia Rawlins / Reuters

    Em agosto, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang disse que o governo de seu país também daria acesso prioritário ao Camboja, Mianmar, Laos, Tailândia e Vietnã. Outros países que tiveram acesso prioritário prometido pelas autoridades chinesas incluem Afeganistão e Malásia.

    Muitos desses países também fazem parte da Iniciativa Cinturão e Rota de Pequim, uma infraestrutura multibilionária e programa de comércio que perdeu um pouco de seu fôlego durante a pandemia. Recentemente, as autoridades chinesas intensificaram as negociações daquilo que chamou de ”Rota da Seda de Saúde”. Na reunião da OMS em maio, Xi se comprometeu a doar US$ 2 bilhões ao longo de dois anos para ajudar os países a lidar com a pandemia. Pequim também ofereceu um empréstimo de US$ 1 bilhão à América Latina e Caribe para acesso às vacinas contra o coronavírus.

    Mas há sinais de que a diplomacia de vacinas da China nem sempre será uma jornada tranquila. No Brasil, a vacina da Sinovac, A CoronaVac, tem sido envolvida em uma rixa política entre o presidente Jair Bolsonaro (conhecido por sua posição anti-China) e o governador de São Paulo, João Doria, que deve concorrer contra Bolsonaro nas próximas eleições presidenciais do país em 2022. Em Bangladesh, os testes de Sinovac foram interrompidos devido a uma disputa de financiamento.

    Especialistas internacionais em saúde pública também questionaram o programa de uso de emergência da China, que vacinou quase um milhão de chineses com vacinas experimentais antes de sua segurança ter sido totalmente comprovada por ensaios clínicos.

    Além disso, há a questão da eficácia. No mês passado, a Pfizer e a Moderna anunciaram que os primeiros resultados mostraram que suas vacinas eram mais de 90% eficazes, enquanto outro candidato produzido em conjunto pela Oxford University e AstraZeneca tinha uma eficácia média de 70%. Até agora, nenhum dos candidatos à vacina chinesa anunciou qualquer resultado preliminar de eficácia, embora os executivos da empresa tenham enfatizado repetidamente sua segurança, insistindo que nenhum efeito adverso sério foi observado em voluntários vacinados.

    Armazém frio

    Em comparação com a Pfizer e a Moderna, as vacinas chinesas têm uma vantagem crucial: a maioria delas não requer temperaturas congelantes para armazenamento, tornando o transporte e a distribuição muito mais fáceis, especialmente em países em desenvolvimento que não têm capacidade de armazenamento refrigerado.

    Kate O’Brien, diretora do departamento de vacinas e imunizações da OMS, compara o desenvolvimento de vacinas à construção de um acampamento base no Everest. “Mas a subida ao topo dessa montanha envolve sobretudo a aplicação de vacinas”, ela disse em uma entrevista coletiva no mês passado.

    As vacinas da Moderna e da Pfizer usam pedaços de material genético chamados RNA mensageiro (mRNA) para levar o corpo a fazer pedaços sintéticos do coronavírus e estimular uma resposta imunológica, uma tecnologia nunca usada antes em vacinas.

    Ilustração de potencial vacina da Pfizer contra Covid-19
    Ilustração de potencial vacina da Pfizer contra Covid-19
    Foto: Dado Ruvic/Reuters (9.nov.2020)

    Mas o mRNA é vulnerável à degradação à temperatura ambiente. A vacina da Moderna precisa ser armazenado a -20 C (ou em temperaturas de geladeira por até 30 dias) e a vacina da Pfizer deve ser armazenada a -75 C e usada dentro de cinco dias, uma vez refrigerada a temperaturas mais altas.

    Já a Sinopharm e a Sinovac usam uma abordagem antiquada que há muito se provou eficaz em outras vacinas, como as da poliomielite e da gripe. Suas vacinas contra o coronavírus empregam um vírus inteiro inativado para estimular o corpo a desenvolver imunidade e só precisam ser armazenadas em temperaturas de geladeira padrão de 2°C a 8°C. A vacina do CanSino, que usa um vírus do resfriado comum chamado adenovírus 5 para transportar fragmentos genéticos do coronavírus para o corpo, também pode ser mantida entre 2°C a 8°C.

    Ainda assim, as temperaturas exigidas devem ser mantidas durante todo o transporte, desde a saída da instalação de produção até o armazenamento no aeroporto e, finalmente, a distribuição global.

    A Cainiao, braço de logística da gigante chinesa de comércio eletrônico Alibaba, ajudará na distribuição das vacinas chinesas assim que elas forem liberadas. Ela afirma que sua infraestrutura climatizada de ponta a ponta está instalada e pronta.

    A empresa fez parceria com o Aeroporto Internacional de Shenzhen Baoan, que recentemente recebeu a certificação para logística farmacêutica da International Air Transport Association. Um armazém da cadeia de frio foi construído em 2019 para alimentos e mercadorias congeladas. No início deste ano, ele foi convertido para armazenar kits de teste de coronavírus e, agora, vacinas. O aeroporto disse em seu site que quer fazer de Shenzhen uma “base de entrega global da vacina Covid-19”.

    A Cainiao também mantém parceria com a Ethiopian Airlines, que enviará as vacinas chinesas para o Oriente Médio e depois para a África. Desde a pandemia, a companhia aérea transportou mais de 3.000 toneladas de suprimentos médicos de Shenzhen para a Europa, África, Oriente Médio e América do Sul.

    Mas a Cainiao também está procurando adicionar mais rotas para um maior alcance global, de acordo com seu CEO, Wan Lin.

    “É claro que ainda não temos certeza sobre a demanda exata, mas estamos definitivamente construindo nossa capacidade de estarmos preparados para isso”, disse Wan.

    Emma Reynolds, da CNN, contribuiu para esta reportagem.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).