STF vai julgar lei que elimina voto de desempate no Carf e favorece contribuinte
Ação para suspender o artigo 28 da Lei 13.988/2020 elimina o voto de desempate em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, enviou ao plenário da corte uma ação para suspender o artigo 28 da Lei 13.988/2020, que elimina o voto de desempate em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A lei favorece o contribuinte.
O julgamento, entretanto, ainda não tem data definida. O órgão, que integra a estrutura do Ministério da Economia, é responsável por julgar administrativamente, em segunda instância, os litígios tributários entre os estados e a União. As Turmas do Carf são compostas paritariamente por representantes dos contribuintes e da Fazenda Pública, reservada à representante desta última a função de presidente, ao qual era conferido o voto de qualidade. O artigo questionado determina que, na hipótese de empate, o resultado deve ser favorável ao contribuinte.
O fim do voto de desempate foi incluído pela Câmara dos Deputados e a alteração foi mantida na votação no Senado Federal da medida provisória que previa regras de estímulo à renegociação de dívidas tributárias com a União, a chamada MP do Contribuinte Legal. A lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 14.
Até então, quando um julgamento terminava empatado, os presidentes das câmaras e das turmas do Carf tinham o chamado voto de qualidade, isto é, o voto de desempate dos julgamentos. Com a nova lei, em caso de empate, o resultado beneficiará o contribuinte.
Os ministros vão decidir uma ação apresentada pelo PSB, que defende que o processo legislativo que resultou no fim do voto de qualidade violou diretamente diversos dispositivos constitucionais, atentando contra os princípios da soberania, legalidade e impessoalidade, administração tributária, inafastabilidade jurisdicional, segurança jurídica e devido processo legal.
“O voto de qualidade pelo presidente do colegiado, representante da Fazenda Nacional, sempre foi considerado pelo fato de que o Carf é um órgão administrativo, e seu pronunciamento final representa entendimento do Estado acerca da legalidade de seu próprio ato administrativo, o qual goza, como atributo que lhe é inerente, de presunção de legitimidade”, destaca o texto principal. Inúmeros tribunais administrativos ao redor do mundo seguem a mesma lógica, como o alemão e o francês, fontes diretas ao ordenamento tributário brasileiro.
Grande debate
Para o especialista em Direito Tributário Allan Fallet, o voto de qualidade foi desvirtuado e utilizado nos últimos anos com a mácula de pressões externas vinculadas ao interesses de aumento da arrecadação federal. Em matérias de grande interesse para os contribuintes, o uso desse critério de desempate foi fundamental para a prevalência do posicionamento favorável ao Fisco.
“O grande problema foi a falta de independência dos conselheiros e o cunho arrecadatório que perfazia o critério de desempate previsto na legislação. As legislações pertinentes no âmbito federal ressentem-se de visceral retrocesso e intoleráveis lacunas na estruturação e sistematização do processo administrativo fiscal, em maioria alheias ao perfil moderno atualmente consagrado pela Constituição Federal, a qual o reconheceu (ao lado do processo judicial) como uma das garantias fundamentais do contribuinte-cidadão, estabelecendo em sua estruturação a presença dos princípios constitucionais tributários”, explica.
Entretanto, segundo o advogado, a alteração isolada quanto ao voto de qualidade, previsto desde a origem do Conselho, e no meio de uma pandemia, soa de forma situacionista e fragiliza a credibilidade e legitimidade do órgão.
“É necessário um equilíbrio procedimental que não vem sendo observado nos procedimentos tributários experimentados no âmbito federal, pois ambos (Administração Tributária e contribuintes) devem se concentrar no imperativo da persecução da verdade material à sombra dos princípios da igualdade e do contraditório. O ideal seria a abertura de um grande debate entre julgadores, sociedade e estudiosos do processo administrativo fiscal para pensarmos juntos e com calma sobre as mudanças necessárias e a correta atualização de toda a legislação específica e não apenas do critério de desempate no julgamento”, diz Fallet.