Vida em casal: veja como montar um planejamento – e evitar a traição financeira
Especialistas no assunto dão dicas de como iniciar um diálogo sobre dinheiro, expectativas e objetivos
Foi rachando marmitas e dormindo no aeroporto, para economizar cada centavo, que o casal formado por Bárbara Kemp, 43, e Rogério Moraes, 48, deu início à história de sua empresa própria, a Kemp Gerenciamento de Projetos. Juntos há mais de 15 anos, eles fazem parte dos 51% de brasileiros que discute as finanças com frequência com o parceiro e também dos 25% que administram o dinheiro de forma conjunta.
Os dados são os mais recentes coletados pela pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e com o Banco Central do Brasil (BCB), publicada em 2019. No levantamento, chama a atenção a quantidade de casais que não comenta ou pouco discute o orçamento da casa — entre os participantes, 21% só toca no assunto quando a situação financeira não está boa e 15% nem sequer falam sobre isso.
Nesse aspecto, Bárbara e Rogério podem ser parabenizados. Depois de apenas quatro meses de namoro, o casal de empreendedores decidiu deixar a capital paulista para abrir uma empresa de gerenciamento de projetos de engenharia e arquitetura em Fortaleza (CE), onde a ex-bancária Bárbara percebeu uma demanda. Os dois, que chegaram a ficar meses sem fogão nem geladeira, garantem que alinhar os objetivos financeiros é fundamental para o sucesso dos relacionamentos.
Mas, como fazer isso? Para o head de educação financeira da XP, Thiago Godoy, tudo começa com uma conversa. “O primeiro passo para ajustar as expectativas é a comunicação. Dinheiro é uma ferramenta para realizar sonhos. Se o relacionamento já começa com um diálogo aberto sobre isso, elimina muitos problemas. E aí começam as negociações. O planejamento vai depender muito de cada casal”, explica.
Não esperar a “hora certa”
Uma pesquisa realizada pelo escritório britânico de advocacia Slater & Gordon, com mais de 2.000 pessoas, mostrou que a questão financeira é a primeira colocada da lista de razões pelas quais os casais se separaram. No estudo, publicado em 2018, cerca de 21% dos entrevistados culpou o parceiro por seus problemas com dinheiro — desses, 43% disseram que o companheiro estava gastando demais e outros 32% reclamaram da falta de ajuda para economizar.
Por isso, quanto mais cedo o assunto surgir, melhor. Para Godoy, não existe uma hora certa para começar a falar de dinheiro com o parceiro. Inclusive, o Dia dos Namorados, comemorado nesta sexta (12), pode ser uma ótima data para iniciar o diálogo.
“Existe a expectativa, a preocupação em conquistar, principalmente para quem está iniciando um relacionamento. Mas, se você gasta mais do que está acostumado nesse primeiro presente, já está dando um passo equivocado”, aconselha o especialista.
Traição financeira
No último levantamento do CNDL sobre o orçamento familiar, três em cada dez entrevistados admitiram que escondem compras do parceiro. Entre os gastos omitidos, estão roupas, calçados e acessórios, para 32% dos respondentes, maquiagens, perfumes e cosméticos, para 27%, além de comida ou guloseimas, para outros 25%. A principal razão apontada para não contar para o cônjuge é justamente evitar brigas ou conflitos, apontada por 45% dos participantes.
Sócios e pais de duas meninas, Bárbara e Rogério aconselham evitar a todo custo as mentirinhas. “A gente sempre foi muito transparente um com o outro. Se tem algo que você não gosta no relacionamento, fale no início. No longo prazo, essas diferenças podem incomodar muito”, diz Rogério.
O chefe de educação financeira da XP lembra que o respeito e a compreensão, tanto nos negócios quanto nos relacionamentos, são indispensáveis. “A gente tem sonhos individuais e precisa respeitar o do outro, mas também tem que sonhar em conjunto. Quem decide ter uma vida em conjunto tem que ter esse respeito acima de tudo. O casamento é um compromisso”, explica.
Rachar ou não a conta?
Neste Dia dos Namorados, o casal de empreendedores não vai trocar presentes. É um costume dos dois manter a simplicidade na comemoração das datas e poupar para metas em comum. Um método do casal, para atingir objetivos, é dividir absolutamente tudo. Contas bancárias, investimentos, rendas e despesas, tudo administrado como se os dois fossem uma pessoa só.
O head da XP explica que essa maneira de planejar o orçamento pode funcionar muito bem, mas que o ideal é que cada casal entenda o que funciona melhor para a dinâmica do relacionamento. “Vai depender muito de cada realidade. O ponto é buscar o equilíbrio, comunicar e mostrar isso. Esse momento de quarentena mostrou a importância de desenvolver hábitos e rotinas financeiras, como anotar os gastos e ter uma reserva de emergência.”
Uma dica de Godoy, que costuma funcionar para quase todas as rotinas, é o método das caixas, que consiste em separar os gastos em necessidades vitais, como moradia, supermercado e saúde, coisas importantes, como lazer, e desejos, que variam muito para cada indivíduo. Para dosar quanto dinheiro é gasto em cada área, uma reunião semanal (e descontraída) pode ajudar.
Outra questão levantada pelo educador financeiro é a desigualdade entre os gêneros. Uma boa solução, na opinião dele, pode ser equilibrar as despesas de acordo com o salário que cada um recebe. “Hoje, nas classes mais altas, há um equilíbrio maior de renda entre homens e mulheres. É bacana levantar esse ponto, perguntar, demonstrar interesse. É nessas coisas que o diálogo começa”, analisa.
Sem tabu
O importante é não ter medo de comunicar problemas, explica Godoy. “Se a comunicação não ocorre, as expectativas ficam desalinhadas lá na frente. Dinheiro ainda é um tabu na nossa sociedade, a gente não é incentivado a falar disso. Ninguém nos ensina isso, mas tão importante quanto saber ganhar dinheiro é saber como e quando gastá-lo”, afirma.
Para o especialista, isso tem muito a ver com o histórico das gerações passadas. Eventos como a hiperinflação entre os anos 1980 e 1990, além do confisco da poupança na época do governo de Fernando Collor de Mello, criaram traumas financeiros que são repassados até hoje. “Era arriscado colocar o dinheiro no banco. Pelo menos três gerações de brasileiros não aprenderam a administrar o dinheiro a longo prazo. Essas crenças nos acompanham.”