Gastar mais agora pode ajudar a nota de crédito dos países, diz S&P
Em entrevista, analista da agência de risco comenta revisão do Brasil e diz que será necessário olhar o saldo de medidas emergenciais ao fim da crise
A inusitada crise gerada pela pandemia de coronavírus, que levou países do mundo inteiro a isolarem seus consumidores e fecharem fábricas e comércio, fez governos da China aos Estados Unidos ampliarem seus gastos em pacotes agressivos de ajuda.
Uma das poucas coisas certas disso é que todos sairão mais endividados do que entraram, o que pode comprometer o equilíbrio das contas públicas. Para economias como o Brasil, que já vêm de anos com as contas no vermelho, abrir a torneira do dinheiro é especialmente preocupante.
Leia também:
Com pandemia e inflação fraca, só baixar juros não deve ser suficiente
Confiança em queda livre: por que isso é preocupante e como afeta você
Em momentos de exceção como este, entretanto, a lógica pode se inverter, e a opção de não injetar ajuda na economia talvez acabe pior do que a via da contenção, tendo em vista o tamanho da recessão que se avizinha. É o que afirma a analista da agência de avaliação de riscos Standard & Poors (S&P) Livia Honsel, que acompanha as notas de crédito da América Latina e é a principal responsável pelos ratings do Brasil.
“Maiores intervenções, agora, podem fazer sentido, porque podem reduzir a contração econômica e aliviar tensões políticas e sociais, o que é positivo para o rating”, disse Honsel, em entrevista ao CNN Business. “Se são medidas transitórias, que ajudam a aliviar os efeitos da crise, nós entendemos completamente, e não vamos mudar a nota por isso. (…) O lado negativo é que pode pesar muito para o resultado fiscal e a dívida do país. Ao fim, teremos que observar o quanto uma coisa compensou a outra.”
A S&P anunciou uma pequena revisão para baixo na nota de crédito do Brasil na semana passada, em meio a uma reavaliação geral que está fazendo em todos os países da região por conta do choque do coronavírus. A nota do Brasil segue longe do grau de investimento e não foi alterada, mas teve o viés revisto de “positivo” para “estável” – o chapéu positivo significava uma chance maior de o país ter a nota elevada em breve. Isso, de acordo com Honsel, fica por ora suspenso até que o mundo se acalme. A nota atual do Brasil é BB-, o que o deixa três níveis para baixo do grau de investimento, selo que perdeu em 2015.
A nota de crédito de um país verifica a capacidade daquele governo de honrar os compromissos com seus credores, que são as pessoas, instituições e governos que possuem seus títulos. É por isso que indicadores como o tamanho da dívida ou se o governo gasta mais do que arrecada interessam muito. O grau de investimento é a parte da escala em que estão os países onde o risco de calote é dado como remoto. Os demais estão no grau especulativo, em que essa possibilidade fica cada vez maior conforme a nota cai. A escada da S&P ainda segue descendo do BB- do Brasil até o D.
De acordo com Honsel, as perspectivas do Brasil vinham melhorando com a agenda de reformas e de políticas que começaram a estancar o aumento das despesas e da dívida, como a regra do teto de gastos. Por outro lado, o crescimento fraco faz uma pressão para baixo na nota. Passada a crise e eventuais gastos extraordinários necessários agora, o entendimento da S&P é que o país irá retomar a agenda que vinha tocando e reingressar na rota de melhora. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
CNN Brasil Business – O que significa essa revisão no viés positivo da nota do Brasil agora?
Livia Honsel – O viés é um sinal que damos para o mercado de qual é a nossa orientação para a nota. A nossa visão de médio e longo prazo sobre o Brasil não mudou tanto. O novo viés de “estável” tem um tom mais otimista; se for alterado, deve ser para cima. Estamos apenas mais preocupados com as condições de curto prazo, queremos esperar um pouco mais até as incertezas passarem.
Outros países também estão sendo revistos?
Estamos colocando toda a América Latina sob revisão. Nem todos terão um rebaixamento de fato ou ficarão com uma avaliação muito diferente da atual, mas para toda a região a situação, agora, é mais negativa do que antes. São economias que dependem muito do comércio exterior e de países como os Estados Unidos e a China, que também estão enfrentando os próprios choques domésticos por causa das medidas de prevenção contra o coronavírus.
Todos são países que estão, em maior ou menor proporção, aumentando os gastos para combater os efeitos da pandemia. Qual leitura vocês fazem disso: quanto mais o país gastar melhor, porque está combatendo a crise de maneira firme, ou quanto mais gastar pior, porque pressionará muito as contas do governo?
A crise está só começando e não dá para ter uma opinião formada. Maiores intervenções fiscais e monetárias, agora, podem fazer sentido, porque podem reduzir a contração econômica e aliviar tensões políticas e sociais, o que é positivo para o rating. O lado negativo é que pode pesar muito para o resultado fiscal e a dívida do país. Ao fim, teremos que observar o quanto uma coisa compensou a outra, além do quanto de tudo que está sendo feito será apenas transitório. São medidas que têm que ser tomadas. Cada país está fazendo aquilo que considera possível, o Brasil está fazendo as suas ações, e, depois, pouco a pouco, vamos observar como o país volta à agenda anterior e retoma sua política de consolidação fiscal.
Como vocês avaliam as medidas emergenciais que o governo brasileiro já anunciou até aqui?
Olhando os números, vemos que a resposta do Brasil está maior que a de outros emergentes, analisada como proporção ao PIB. As medidas fiscais anunciadas no Brasil representam 3,5% do PIB [na Argentina são 1% do PIB, no México 0,7% e, na Índia, 0,1%, de acordo com levantamento da S&P]. Claro que isso leva em consideração o que foi anunciado, muitas medidas ainda não foram aprovadas, mas muitas já. Vai levar um tempo para entendermos, em cada país, a efetividade do que está sendo feito.
O Brasil tinha acabado de ter o viés de sua nota elevado para positivo pela S&P, no final do ano passado. Se não fosse pelo coronavírus, o que poderia ter acontecido com a nossa avaliação? A nota poderia ser elevada em breve?
A perspectiva já era positiva. Queríamos ainda observar, por exemplo, se a redução do déficit fiscal poderia ser mais rápida do que projetávamos e se dívida pública cresceria de maneira mais lenta. Também observávamos de perto o progresso nas reformas estruturais, e o que víamos era um compromisso grande entre Congresso e o governo em relação a elas. Agora essa agenda deve ter algum atraso, e é por isso que o viés passou para estável, mas ainda entendemos que o compromisso existe.
O Brasil já vinha, por outro lado, de três anos de crescimento baixo e sem sinais de aceleração. Isso não atrasaria o aumento em sua nota de crédito?
Sim, é sem dúvidas um fator que pesa na avaliação. Na nossa metodologia, o que fazemos é olhar o desempenho do país em comparação aos outros que estão no mesmo grau que ele [no caso do Brasil, na faixa BB]. Bolívia e Guatemala, na América Latina, são alguns que estão na mesma faixa. Não é um ano de contração que nos importa; nós olhamos a média de crescimento em um horizonte de dez anos, e a tendência apontada no longo prazo para o Brasil é mais fraca do que nos outros. Mesmo se o Brasil crescesse 2% ao ano nos próximos anos, que era a projeção que tínhamos antes, ainda assim não seria o suficiente para se equiparar aos demais. Precisaria crescer muito mais do que isso.
Com as frustações no PIB, que só cresceu 1% em 2019, alguns economistas começaram a questionar a regra do teto de gastos, que limita o crescimento dos gastos e investimentos do governo. Para alguns, a regra poderia ser flexibilizada para retirar os investimentos da conta. Vocês acham que o teto de gastos poderia ser flexibilizado como maneira de ajudar no crescimento?
Não, o teto não deve ser flexibilizado. São regras que mostram o compromisso do governo com uma trajetória de gastos mais disciplinada. Claro que em um ano de crise como este podem haver exceções, e entendemos que o Congresso está separando bem esses gastos com medidas como o ‘orçamento de guerra’. Se são medidas transitórias, que ajudam na recuperação da economia e a aliviar o efeito da crise, nós entendemos completamente, e não vamos mudar o rating por isso. Importa mais observar, mais adiante, se haverá dificuldade em voltar ao cumprimento das regras fiscais e se os compromissos anteriores serão retomados.
O cenário político, marcado muitas vezes por conflitos entre figuras do governo e entre o governo e o Congresso, também tem influência na avaliação do Brasil, e na possibilidade de o país vir ou não a ter a nota elevada?
Sim, o ambiente político é um fator importante. Vemos um cenário polarizado no Brasil, o que já vem de governos anteriores e não é novo. Isso complica ainda mais o processo de reformas estruturais, que dependem de diversas aprovações e já têm um processo lento. Com um Congresso dividido fica ainda mais difícil. Seguimos monitorando a situação política também, mas, por ora, pensamos que o Congresso segue comprometido com a agenda de reformas e deve retoma-la depois.