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    Bolha ou otimismo fundamentado? Analistas divergem sobre o futuro das bolsas

    Mesmo sabendo que o mercado antecipa tendências e a precificação dos seus ativos, alguns gestores começam a ver um descolamento maior que o habitual

    Matheus Prado, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    As bolsas em todo o mundo disparam. Algumas delas, inclusive, renovaram máximas e seguem batendo recordes atrás de recordes. Nos Estados Unidos, por exemplo, os índices S&P 500 e Nasdaq estão em patamares bem superiores aos vistos no pré-pandemia. O Stoxx Europe 600, que reúne empresas de 18 países da Europa, também segue em viés de alta, apesar dos lockouts recentes. No Brasil, o Ibovespa já chegou a ultrapassar os 125 mil pontos.

    O problema é que a economia real de todos esses países ainda está longe de seguir essa tendência de crescimento, mesmo com o avanço da distribuição das vacinas.

    Na Europa, há inclusive risco de nova recessão devido à segunda onda de infecções e o consequente fechamento dos grandes centros. Os Estados Unidos, por sua vez, vivem uma crise política sem precedentes e o agora presidente Joe Biden terá que mostrar que ainda é possível unir a população da maior economia do mundo. Já o Brasil segue batendo recordes em número de infectados e mortos pela Covid-19. 

    O grande ponto fora da curva é a China, que conseguiu controlar a pandemia de forma mais célere e agora despeja dinheiro em infraestrutura para voltar ao caminho do crescimento. Não por acaso, o PIB da potência asiática superou as expectativas que já eram positivas e avançou 2,3% em 2020.

    Esse apetite chinês, materializado em forte demanda por commodities, foi inclusive um dos grandes propulsores do avanço do mercado financeiro nos últimos meses, a despeito do que se vê na economia real. (Sem esquecer, é claro, da liquidez promovida por vários Bancos Centrais e o avanço das vacinas.)

    O problema é que, mesmo sabendo que o mercado antecipa tendências e a precificação dos seus ativos, alguns gestores começam a ver um descolamento maior que o habitual.

    Em carta aos seus clientes, Adeodato Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial, se mostrou incrédulo com os fatos que se sucederam em 6 de janeiro, dia em que o Capitólio americano foi invadido por apoiadores do agora ex-presidente dos EUA Donald Trump. O gestor comparou o momento com o Manifesto Surrealista.

    “No mesmo momento (da invasão), o índice Dow Jones se manteve calminho, subindo cerca de 1,5%, o S&P 500 0,75% e o Ibovespa algo perto de 0,7%”, escreveu. “Não pude não lembrar do manifesto, que apresentava princípios surrealistas como isenção da lógica e adoração de uma realidade superior, chamada de maravilhosa.”

    Mas, para além da barbárie, Netto também se debruçou sobre a blue wave que se formava no mesmo dia. Tão temida pelo mercado em novembro, foi solenemente ignorada em janeiro, mesmo sem que os investidores soubessem qual será a abordagem de Joe Biden nos próximos 4 anos (leia mais abaixo).

    Ele falou ainda sobre os desafios coletivos e individuais que o Brasil terá pela frente. Com tudo isso, sentenciou: “estamos anestesiados, inebriados, deliciosamente viciados na liquidez e na leniência”, disse. “Em ano que nem carnaval teremos, a cautela e a atenção à realidade, por mais dura que seja, nunca foi tão fundamental.”

    Nessa linha, o CNN Brasil Business procurou outros agentes do mercado para entender como enxergavam o atual momento do mercado e suas projeções para 2021. Todos elencaram alguns pontos de atenção, mas em graus diferentes e sem necessariamente concordar com a tese acima. Confira nos tópicos abaixo:

    Estados Unidos com Biden e blue wave

    No comando das duas casas legislativas e da presidência, os democratas terão controle da economia americana nos próximos 4 anos. Adeodato afirma que um dos grandes riscos atrelados a isso é uma possível “reversão abrupta do modelo estrutural das relações entre o Estado, setor privado e o mercado nos EUA”.

    Ele teme que o governo americano tome para si o protagonismo, enfraquecendo a iniciativa privada e criando, em último caso, um movimento de manada, se houver aumento do juro e da inflação. “O capital pode migrar, ainda que parcialmente, dos chamados ativos de risco para os treasuries (títulos públicos), pressionando fortemente as Bolsas mundiais.”

    Para George Wachsmann, CIO e sócio-fundador da Vitreo, realmente existe um temor de que a “onda azul se torne uma onda avermelhada”. Apesar disso, entende que os mercados avançam porque veem condições positivas, como “vacinas, estímulos, liquidez, taxa de juros baixa, rotação de setores”.

    Nessa linha, levanta outra discussão. “É muito esquisito ver petroleiras e bancos com menos valor de mercado do que empresas como o Zoom”, diz, em alusão ao avanço vertiginoso das empresas de tecnologia. “Tem muito dinheiro barato disponível no mercado, então os investidores ficam mais tolerantes aos riscos.”

    Bolha?

    Aproveitando a deixa, é possível e preciso falar de uma possível formação de bolha no mercado. Os gestores ouvidos pela reportagem não acreditam que isso esteja ocorrendo de forma generalizada, mas entendem que existem pontos (e papéis) de atenção para curto e médio prazo.

    “É fácil identificar uma bolha depois que ela já estourou”, afirma Wachsmann. “O que vemos agora é que as pessoas estão comprando, em grande quantidade, empresas que podem crescer no futuro, apostando numa mudança de perfil da sociedade.” Além do próprio Zoom, a Tesla é outra companhia que salta aos olhos.

    Com mais de 800% de crescimento em 2020, a empresa de Elon Musk ganhou status de queridinha de Wall Street, entrou para o S&P 500 e não para de se valorizar. Enquanto isso, rivais muito mais capilarizadas como a Volkswagen entram com tudo no segmento de carros elétricos.  

    “É uma ótima empresa, mas um péssimo investimento”, diz Alberto Amparo, analista de internacional da Suno. “Atualmente, estamos observando que os investidores têm escolhido alguns ativos que geram buzz sem olhar para os fundamentos. Há vários ativos sólidos e menos populares, mas as pessoas querem a disrupção.”

    Investidor Pessoa Física

    Aqui entra em cena um ingrediente relativamente novo no mercado financeiro nacional, o investidor pessoa física. O seu contingente mais que dobrou no último ano e, para aqueles que entraram após as baixas históricas de março, a bolsa está parecendo mais fácil do que realmente é.

    “O cenário atual é de ganhos, o que alimenta a questão do investidor pessoa física achar que é um super-herói”, diz Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus. “Em termos líquidos, considero que o cenário é mais positivo do que negativo, mas precisamos fazer um exercício de humildade.”

    O gestor entende que o sucesso imediato por conta do cenário vivido neste ciclo pode desencadear decisões desinformadas (e equivocadas) no futuro. “Não é preciso ter medo do mercado. Mas é preciso estar ciente que tem muita gente que sabe o que está fazendo ali e que pode te ajudar”, diz.

    Brasil

    Sobre o ambiente nacional, Adeodato afirma que “perdemos o ímpeto reformista, trocamos por uma agenda de acomodação de privilégios crescentes em um espaço cada vez menor e a luta tem muito a ver com o negligenciamento da racionalidade em prol das realidades alternativas”, não permitindo um avanço do real frente ao dólar.

    Miranda tem percepção parecida, e acredita que as incertezas internas estão precificadas na desvalorização do câmbio brasileiro. Em relação aos ativos listados em bolsa, principalmente bancos e commodities, vê apenas postura pragmática por parte dos investidores, colocando recursos no que está barato e vai dar retorno.

     

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