Carteiras administradas: produto pensado para os ricos chega ao investidor comum
Instituição recebe uma taxa fixa sobre o valor administrado, em vez do "rebate" sobre cada produto vendido
O aumento acelerado do número de brasileiros que guarda dinheiro e investe traz consigo o amadurecimento no mercado financeiro. E junto vem a oferta de um número maior de produtos que vão muito além dos títulos do Tesouro Direto, dos fundos de investimento e das ações na bolsa, para ficar em três das classes de ativos mais populares no país.
Uma das consequências do movimento é o acesso para o chamado investidor de varejo a produtos que, por muito tempo, estiveram disponíveis só para quem tinha valores muito mais altos para aplicar, acima de R$ 500 mil ou de R$ 1 milhão. Uma das ondas recentes é a do investimento em ações de empresas no mercado externo, em geral por meio de fundos com valor menor de entrada.
Uma nova onda pode ser a das carteiras administradas. Essa é a aposta da gestora digital e agora corretora Vitreo, que passou a oferecer ao investidor de varejo o produto historicamente disponível no país apenas a quem tem grande patrimônio.
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O lançamento da Vitreo, que segue os passos de gestoras e corretoras digitais como Warren, Magnetis, Monetus e Vérios, contou com a parceria da B3 (a bolsa brasileira), que enxerga na diversificação de ativos uma estratégia para ampliar o acesso ao mercado financeiro.
Nas carteiras administradas, um profissional dedicado cuida da gestão dos ativos conforme o perfil (conservador, moderado ou agressivo) e os objetivos do investidor. E é remunerado por meio de uma comissão fixa para periodicamente sobre o valor sob gestão, e não pelos produtos escolhidos, como acontece com a maior parte dos investimentos (veja mais abaixo).
Era necessário, portanto, contar com um volume elevado de recursos para bancar a remuneração do gestor. Mas a tecnologia removeu ou reduziu a barreira de entrada por meio de robôs especializados (o robô advisor) que fazem esse trabalho para as gestoras digitais acima citadas.
No caso da Vitreo, a gestão das carteiras segue recomendações da casa de análises Empiricus (com quem tem parceria), que são revisadas e eventualmente alteradas pela equipe da corretora, liderada pelo sócio fundador e CIO (executivo-chefe de Informação), George Wachsmann.
A Vitreo lançou em maio e junho duas carteiras administradas em que é possível investir, respectivamente, a partir de R$ 10 mil e R$ 50 mil. A primeira é composta de fundos imobiliários, e a segunda, de ações que são pagadoras de dividendos. O primeiro já captou R$ 45 milhões, e o segundo, R$ 10 milhões, sem contar outros R$ 4 milhões na sua versão fundo de investimento.
A gestora digital lançará na próxima semana uma nova carteira administrada chamada Double Income, que será composta pelas duas carteiras acima (fundos imobiliários e ações de empresas pagadoras de dividendos) acrescida de ativos de renda fixa: o investimento em títulos do Tesouro Direto que pagam juros semestrais (conhecidos também como cupons semestrais).
O objetivo da corretora é que a carteira, disponível a partir de R$ 50 mil, possa gerar um rendimento recorrente para o investidor, uma vez que os três ativos que o compõem tem essa característica de gerar um fluxo de recursos. A taxa de administração será de 1,1% ao ano, mais um valor fixo de R$ 18. Além disso, a corretora devolverá o equivalente a 70% da taxa de custódia cobrada pela B3.
O investidor poderá utilizar o rendimento para reinvestir na carteira de maneira automática, fazer resgates programados ou utilizá-los para pagar pelos serviços financeiros na própria corretora. A nova carteira administrada terá uma versão fundo de investimento, com aplicação mínima de R$ 5 mil.
Transparência
Uma das vantagens apontadas por especialistas em finanças para as carteiras administradas é o modelo de remuneração de quem presta o serviço. Como o investidor paga uma taxa fixa periodicamente (a cada ano, em geral) sobre o valor da carteira, isso acaba sendo mais transparente e alinha os interesses com quem faz a gestão, que ganhará mais se o retorno for maior.
É um modelo de remuneração que destoa do tradicional do gerente de banco e do agente autônomo, em que ambos recebem uma comissão (no caso dos agentes, chamado de rebate) pelos produtos que vendem, mesmo que não sejam os mais indicados para o perfil e os objetivos do investidor.
Ainda que a ética prevaleça para a maior parte dos profissionais, que entendem que o mais sustentável para a relação com o cliente é deixá-lo o mais satisfeito possível, essa conduta cabe a cada um, uma vez que as regras criam um incentivo perverso de recomendações.
É uma discussão que já existe no mercado brasileiro há alguns anos, mas que ganhou os holofotes nas últimas semanas com a troca de farpas entre o Itaú Unibanco e a XP Investimentos sobre os respectivos modelos do gerente e do agente autônomo.
O valor dos rebates é um dos tabus do mercado, uma vez que gestoras, corretoras e agentes não costumam abrir esse dado para o cliente. Em geral, ficam no intervalo de 15% a 35% do que é cobrado na taxa de administração de um fundo.
Em um exemplo hipotético, um investidor com R$ 10 mil em um fundo com 2% de taxa de administração pagará R$ 200 ao ano para a gestora, que, por sua vez, repassará de R$ 30 a R$ 70 para a corretora e o agente autônomo. Parece pouco? Considere o tamanho do mercado: o patrimônio da indústria de fundos somava R$ 5,3 trilhões em maio. Isso sinaliza até R$ 37 bilhões em comissões ao ano.
Aposta na crise
O lançamento das carteiras administradas em meio à pandemia não acontece por acaso. “O investidor entende ainda mais a importância da diversificação em momentos de crise”, afirma Patrick O’Grady, CEO e também sócio-fundador da Vitreo.
Criada há menos de dois anos, em outubro de 2018, a Vitreo acaba de bater a marca dos R$ 5,5 bilhões sob gestão. Nascida como gestora e corretora há um mês, ela tem 41 fundos próprios, dos quais 22 foram lançados desde fevereiro, ou seja, já em meio à crise do novo coronavírus.
Uma das marcas da Vitreo tem sido a estratégia de lançar fundos temáticos, como “fund of funds” (fundo que investe em outros fundos), de ouro, empresas de cannabis, de ações da XP Investimentos, das big techs (como Amazon, Google e Facebook) e agora, mais recentemente, de empresas brasileiras de tecnologia (como Totvs e Locaweb), em vez dos modelos tradicionais.
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