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    Empréstimos e demissão entram no radar de empresas no 2º mês da COVID-19

    Em abril, mais companhias passaram a admitir demissões e empréstimo de recursos de terceiros para manter o capital de giro, mostra pesquisa exclusiva da KPMG

    Conselheiros monitoram, com lupa, o desenrolar da crise e adotam ações mais contundentes 
    Conselheiros monitoram, com lupa, o desenrolar da crise e adotam ações mais contundentes  Foto: Kevin Ku (@ikukevk)/Unsplash

    Luís Lima, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Com as pessoas trancadas em casa e aviões sem decolar, o turismo foi um dos setores mais impactados pela pandemia do novo coronavírus. As ações de empresas do segmento derreteram em bolsas de todo o mundo. No Brasil, um dos casos mais notórios é o da operadora de turismo CVC, com queda de 70% no valor das ações desde janeiro. Para tentar preservar a saúde financeira, a companhia adotou uma série de medidas.

    Entre elas estão o congelamento de contratações e promoções aos seus funcionários, a postergação de projetos e investimentos não prioritários e a renegociação de prazos de pagamentos a fornecedores. A falta de uma perspectiva imediata de retomada a fez endurecer as medidas de precaução. A partir de 1° de abril, decidiu reduzir em 50% o salário de diretores executivos e conselhos de administração; cortou, também em 50%, por três meses, a jornada de de praticamente todos os trabalhadores, e anunciou uma capitalização com o Itaú no pós-pandemia.

    “Implementamos ações imediatas, no início da pandemia, para proteger nossos colaboradores, nossos parceiros de negócios, clientes e também proteger o nosso caixa, para vivermos muito melhor depois da crise, na retomada, e o que nos dá maior confiança no futuro”, diz Leonel Andrade, presidente da CVC.

    O caso da CVC reflete como a incerteza sobre a duração da crise tem forçado as companhias brasileiras a adotarem medidas mais contundentes para proteger o equilíbrio financeiro. Com o orçamento no limite, aumentou o percentual das empresas que admitem a necessidade de usar recursos fora do caixa próprio para garantir a sobrevivência no pós-crise. Os modelos de captação são, principalmente, empréstimos e ajuda de acionistas, mostra uma pesquisa exclusiva da KPMG, enviada ao CNN Brasil Business.

    No primeiro caso, das que buscaram captação de empréstimos, a alta passou de 17% no fim de março para 24% no fim de abril. Na mesma base de comparação, aumentou de 1,4% para 7% as que recorreram ao socorro de acionistas para manter o capital de giro na pandemia.

    O levantamento foi realizado com cerca de 100 conselheiros de administração, entre proprietários, investidores ou conselheiros independentes, de distintos setores, e que representam 200 das maiores empresas do Brasil. Junto aos CEOs, os conselheiros são co-responsáveis por garantir a sustentabilidade financeira e organizacional das empresas e a transformação dos negócios no período posterior à COVID-19.

    CVC
    Fachada de loja da CVC (10.abr.2020): empresa perdeu 70% do seu valor de mercado desde janeiro
    Foto: Divulgação/CVC

    Em abril, a demissão de funcionários também passou a ser uma realidade admitida por esses conselheiros, com 5% declarando ter sido essa a saída adotada para manter o equilíbrio das contas. Em março, nenhum dos participantes havia destacado a alternativa.

    “No começo da pandemia, quando ainda havia esperanças de um horizonte de retomada, não demitir era uma possibilidade, já que contratar e treinar mão de obra qualificada é caro. (…) O problema é que a crise se estende por um período incerto, em que fica inviável manter custos fixos, em uma estrutura cada vez mais pesada”, avalia Walter Franco, professor de economia do Ibmec em São Paulo.

    Ainda de acordo com a pesquisa, o percentual dos conselheiros que afirmaram usar recursos do caixa próprio para manter o capital de giro se manteve em 51%. Em contrapartida, caiu de 30% para 13%, também entre março e abril, os que apostavam na renegociação de prazos com fornecedores. Segundo a KPMG, os números evidenciam que as companhias já utilizaram ou estão no limite de gastar o dinheiro em caixa para arcar com custos, como despesas tributárias, financeiras e compromissos já contratados com fornecedores.

    “Em um curto espaço de tempo, o tema subiu ao conselho de administração. E entre as medidas tomadas, grande parte é urgente e rigorosa”, avalia Sidney Ito, sócio-líder de governança corporativa da KPMG. Em termos financeiros, na leitura de Ito, os conselheiros adotaram medidas menos drásticas no primeiro mês de crise, contando, inclusive, com o apoio do governo federal, mas a tendência é de que a estratégia mude, e se torne mais rigorosa, conforme o tempo passa e a saída da crise não vem. 

    O planejamento financeiro, a partir de recursos próprios, fica ainda mais complicado em um cenário em que é difícil prever o momento de pico e de desaceleração da doença, como já passaram outros países como China, Itália e Espanha, dizem os analistas. Diante da gravidade da situação, nove em cada dez empresas participantes afirmaram que foi instalado um comitê para lidar com a crise, e todas afirmaram que os impactos potenciais da COVID-19 foram discutido no alto escalão da empresa.

    Mesmo em empresas mais protegidas, como o Nubank, que levantou US$ 400 milhões em rodada de investimentos no ano passado, o assunto ganhou prioridade. De acordo com Cristina Junqueira, co-fundadora da fintech, a COVID-19 fez com que todas as decisões da empresa passassem a ser tomadas a partir de “outra lente”. Recentemente, a empresa reavaliou verbas de publicidade e lançou um fundo de R$ 20 milhões para financiar serviços a clientes durante a pandemia, além de oferecer a opção de parcelar a fatura em até 12 vezes com juros de 1,9% ao mês. O caixa, é claro, será alterado por essa decisão – mas é um importante passo para ajudar os clientes neste momento.

    “Preciamos priorizar os esforços dado o momento atual. Prioridade, agora, é a continuidade dos negócios, ou seja, garantir que a empresa continue atendendo nossos 23 milhões de clientes com a mesma qualidade de sempre; e a segurança e saúde dos funcionários”, afirmou a exectuiva.

    A fintech passa por uma prova de fogo, mas não atua em uma área que está na linha de frente dos impactos da crise. Pelo menos, por enquanto. Entre os setores apontados como mais afetados, estão varejo e serviços, e os menos impactados na visão dos conselheiros são tecnologia, telecomunicações, agropecuária e bens de consumo. Já em relação ao tempo da crise, a maioria acredita que durará mais de um ano, e que as empresas podem levar até dois anos para se recuperar das perdas sofridas.

    Se esse cenário se confirmar, muitas delas terão de recorrer a medidas ainda mais drásticas para manter a sustentabilidade financeira, já que 51% delas dizem ter pouco mais de seis meses de recursos em caixa para atender a despesas e gastos operacionais.

    Pós-pandemia 

    O momento atual é apropriado para revisar metas e repensar decisões de investimento, que não sejam imprescindíveis no curto prazo. “Não se levanta, com facilidade, investimento produtivo, de longo prazo, para na situação atual. É uma variável que, naturalmente, para em momentos como este“, alerta Franco, do Ibmec. Entre outros tópicos, devem ser debatidos novos modelos de remuneração de executivos, a distribuição de dividendos aos acionistas, além de contingências e litígios futuros.

    Identificar ganhos de produtividade e eficiência, a partir de experiencias como o home office é outro aprendizado potencial, atentam os especialistas. Em uma pergunta feita na última edição do levantamento da KPMG, 42% dos conselheiros afirmaram que têm a intenção de implementar uma política de teletrabalho, e outros 33% disseram que pretendem ampliar a política já existente.

    Segundo Stephanie Woerner, pesquisadora do MIT e coautora do livro Qual é o seu modelo digital de negócio?, a tecnologia é uma variável-chave para as empresas se tornarem mais eficientes no pós-coronavírus. “A pandemia fez com que as companhias, de fato, se digitalizem. Há um desafio de mudança na maneira com que elas funcionam, e que ao mesmo tempo é uma oportunidade, que mostra onde elas têm de investir”, defende.

    A Suzano, maior produtora de celulose do mundo, faz essa transformação mesmo operando em um setor que não sofre tanto com a COVID-19. Com as fábricas em pleno funcionamento, a empresa decidiu colocar quatro mil colaboradores, mais ligados às áreas administrativas, em home office (os outros 11 mil, que trabalham na produção, seguem em campo). Essas mudanças poderão trazer resultados positivos lá na frente, na visão do presidente da empresa, Walter Schalka.

    “Essa crise pode ser também uma oportunidade para as empresas se reinventarem, e para a própria economia brasileira se redesenhar, gerando muita mais competitividade futura”, afirma Schalka.

    Até mesmo a relação entre empresas e investidores poderão ter um salto de eficiência e inclusão. Assembleias virtuais, que democratizem a votação e a participação de acionistas, a partir de plataformas amigáveis, é uma possibilidade concreta de como a tecnologia pode ser uma aliada nos negócios em um futuro breve.

    Como parte de uma adaptação estratégica aos novos tempos, as empresas também terão de mapear as áreas que foram mais afetadas, e outras que permaneceram iguais ou até melhor durante crise. Esse diagnóstico será importante para definir novas condutas no pós-pandemia. É consenso entre os analistas que as empresas que fizerem mais rapidamente essa avaliação também são as que estarão melhor preparadas para a retomada.

    *Contribuíram André Jankavski e Manuela Tecchio