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    Empresárias negras ainda recebem pouco financiamento – mas isso começou a mudar

    O número de empresas pertencentes a mulheres negras cresceu 50% entre 2014 e 2019, a alta mais rápida entre todas as mulheres empresárias

    Foto: Daniel Bosse/Unsplash

    Jazmin Goodwin, do CNN Business, em São Paulo

    Dois anos atrás, Shani Dowell desistiu de uma carreira estável e usou grande parte de sua conta bancária para montar um negócio.

    Como mãe e ex-professora de matemática, ela sabia que nem todos os pais se sentiam à vontade para enviar feedbacks importantes para professores e gestores escolares. Em vez disso, ela descobriu, eles costumavam conversar entre si sobre problemas que surgiam na escola.

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    Tinha que haver uma maneira melhor, e daí ela fundou a Possip.

    Com esse nome, uma abreviação de “fofoca positiva” (em inglês), a startup usa mensagens de texto para obter pesquisas rápidas de opiniões dos pais de alunos, que vão desde elogios a professores a comentários sobre bullying e cultura escolar. As escolas fazem uma assinatura mensal do serviço.

    Apesar de despertar o interesse de pais e gestores, atrair investidores para expandir a pequena empresa foi uma batalha difícil no início.

    Shani Dowell
    Shani Dowell é a fundadora do Possip, uma plataforma que conecta escolas com feedback em tempo real dos pais
    Foto: Google Black Founder Exchange

    “Quando eu saía para fazer visitas e falar do Possip para as pessoas, especialmente para homens tipicamente mais ricos, não era muito bem entendida. Eles não viam o problema, talvez por terem dificuldade de compartilhar suas vozes ou opiniões”, relatou.

    “Alguns investidores no espaço de tecnologia educacional tiveram uma desconexão chocante do que estava acontecendo nas escolas e do que os pais podem realmente precisar”, disse.

    Felizmente, depois de dirigir a empresa por quase três anos, Dowell teve insights de cerca de 100 escolas para apoiá-la e, finalmente, ela encontrou um investidor institucional – a Launch TN, uma parceria público-privada liderada por uma CEO mulher e financiada em parte pelo governo do estado do Tennessee.

    Hoje, a Possip está presente em 700 escolas de 24 estados. E Dowell é uma das poucas mulheres negras nos Estados Unidos que arrecadou US$ 1 milhão ou mais para financiar seus negócios.

    Embora as mulheres negras sejam o grupo de empresárias de crescimento mais rápido nos Estados Unidos, elas vêm sendo desprezadas por investidores de startups. Apesar dos obstáculos que enfrentam, porém, essas empresárias estão avançando e conseguindo prosperar em suas empresas.

    Na verdade, o número de mulheres negras que arrecadaram mais de US$ 1 milhão em financiamento mais que dobrou desde 2018, de acordo com o ProjectDiane, um relatório bienal que foi divulgado na quarta-feira (2).

    O relatório, que rastreia o financiamento anunciado publicamente de negócios fundados por mulheres negras e latinas, é compilado pela digitalundivided, uma organização sem fins lucrativos focada em apoiar mulheres não brancas empreendedoras. Com dados do Crunchbase e Pitchbook, o relatório identificou as iniciativas de crowdfunding e as proporções de capital de investidores anjo, de capital semente e de capital de risco. É possível que os dados não incluam algumas empresárias que não estejam listadas nesses bancos de dados ou não divulgaram o financiamento publicamente.

    De acordo com o ProjectDiane, no início de 2018 apenas 34 mulheres negras haviam levantado US$ 1 milhão ou mais em investimentos externos para seus negócios. Mas agora, em dados rastreados até agosto de 2020, mais de 90 mulheres negras atingiram ou ultrapassaram esse nível. O número de mulheres latinas que alcançaram esse marco também cresceu rapidamente, embora permaneçam incrivelmente desprezadas pelos investidores de risco. Ainda assim, é uma ascensão impressionante que pode sinalizar uma mudança em um cenário de startups amplamente dominado por homens brancos.

    Esse avanço aconteceu em meio ao cenário de recentes protestos contra o racismo sistêmico, que gerou um esforço sem precedentes para apoiar e comprar de empresas de propriedade de negros. As fundadoras negras de startups esperam aproveitar esse impulso, mas também se perguntam se o apoio demonstrado aos seus negócios veio para ficar.

    “Negócios fundados por mulheres negras estão em alta agora, e especificamente aqueles fundados por mulheres negras por causa do cálculo racial”, opinou Lauren Maillian, CEO da digitalundivided. “Mas nós queremos e precisamos ter certeza de que elas continuarão ganhando grandes investimentos daqui para frente”.

    Longo atraso

    O número de empresas pertencentes a mulheres negras cresceu 50% entre 2014 e 2019, a alta mais rápida entre todas as mulheres empresárias, de acordo com projeções da American Express com base em dados do censo. As mulheres negras representam quase 14% da população feminina nos Estados Unidos, mas 42% de todos os novos negócios de propriedade de mulheres nesse período.

    Muitos desses negócios são pequenas empresas locais e não necessariamente procuram investidores externos. Dito isso, para aqueles fundadores que estão focados em expandir rapidamente, há uma grande lacuna entre suas ambições empresariais e o financiamento que eles podem garantir: as mulheres negras receberam menos de 1% do financiamento de capital de risco, segunda uma análise do ProjectDiane feita desde que começou a rastrear os dados.

    Talvez não por coincidência, poucas mulheres negras estão em posição de tomar decisões sobre como o capital é investido em startups. Apenas 4% da força de trabalho de empresas de capital de risco é negra, e apenas 3% das pessoas que realmente lideram os investimentos são negras, de acordo com dados da National Venture Capital Association.

    “Há um enorme déficit de mulheres negras na liderança”, disse Dell Gines, consultora de desenvolvimento comunitário do Federal Reserve Bank de Kansas City, que durante um ano conduziu um estudo sobre startups de mulheres negras, lançado em 2018.

    “O capital de risco é, em geral, um setor baseado em rede, onde você tem uma série de impedimentos e outros obstáculos para enfrentar, já que a demanda por capital é muito maior do que a oferta. Há também esses mecanismos de filtragem que tradicionalmente não incluem pessoas não brancas e mulheres, porque foi assim que as redes se originaram”.

    Houve melhora nos últimos dois anos, mas não o suficiente para fechar as lacunas.

    Coletivamente, as fundadoras negras arrecadaram US$ 700 milhões em 2018 e 2019, acima dos US$ 289 milhões arrecadados no período de 2009 a 2017, de acordo com o ProjectDiane. Apesar desse grande aumento, as fundadoras negras representaram apenas 0,27% dos US$ 276,7 bilhões em financiamento inicial levantado por todas as empresas naqueles anos, conforme levantamento do Pitchbook.

    A escassez de números deriva de uma série de razões bem documentadas, incluindo viés inconsciente, barreiras sistêmicas e estereótipos de gênero e raça. A oportunidade perdida e o custo econômico de não investir em mulheres negras são enormes, ressaltou Gines.

    “Se você estimula o empreendedorismo das mulheres negras, impulsionando sua capacidade de crescer e escalar, você contribui para a melhoria da comunidade inteira”, afirmou, citando uma pesquisa que associa as taxas de crescimento do empreendedorismo ao crescimento econômico geral.

    Mulheres negras não são novatas no empreendedorismo. Antes mesmo que as mulheres pudessem votar, elas já eram donas de empresas.

    “Temos sido empreendedoras. Assim que pudemos realmente controlar nossos próprios destinos, criar os nossos projetos e monetizar nossas ideias, temos feito isso”, pontuou Kathryn Finney, fundadora da digitalundivided e do The Doonie Fund, que faz microinvestimentos em negócios pertencentes a mulheres negras. “Superamos os momentos em nossa história em que esse desejo, essa força foi artificialmente deprimida por forças externas”, acrescentou.

    Não é uma solução única

    As mulheres negras podem agora estar abrindo negócios em um ritmo recorde, mas ainda precisam superar enormes obstáculos para fazê-lo.

    Entre as empresárias negras, 66% descrevem o acesso a crédito e fundos para expansão como um de seus maiores desafios financeiros. Apenas 39% das empresárias em geral dizem o mesmo, de acordo com a pesquisa de crédito para pequenas empresas de 2016 do Federal Reserve System, que se baseia em uma amostra de conveniência de empresas.

    As mulheres negras também relataram ser menos propensas a receber o financiamento que solicitaram e, por isso, se sentem desencorajadas de pedir novas oportunidades de crédito.

    Em vez de recorrer ao financiamento de dívida ou patrimônio para financiar seus negócios, muitas empenham as próprias reservas financeiras para abrir as empresas. De acordo com a pesquisa do Fed, 31% das empresárias negras dependem de fundos pessoais para financiar seus negócios, enquanto apenas 16% das empresárias em geral dizem o mesmo.

    Segundo Finney, muitas dessas reservas vêm de “nossos próprios fundos pessoais, talvez refinanciando nossas hipotecas ou tomando empréstimos de nosso plano de previdência”.

    Esse foi o caso de Denise Woodard, ex-executiva da Coca-Cola. Ela foi estimulada a criar quatro anos atrás a Partake Foods, uma empresa de lanches antialérgicos, em resposta às alergias alimentares de sua filha.

    Woodard levantou capital com a família e amigos e, apesar da tração crescente que seus produtos estavam obtendo e da colocação local nas redes de mercados Whole Foods e Wegmans, foi forçada a esvaziar sua previdência privada e vender seu anel de noivado para manter a empresa funcionando.

    “Foi muitíssimo difícil”, lembrou. “Estava recebendo cheques de US$ 5.000 e US$ 10.000, mas não rápido o suficiente”.

    Mas um avanço finalmente aconteceu.

    Depois de ser rejeitada por quase 100 investidores, Woodard recebeu o “sim” que precisava da Marcy Venture Partners de Jay-Z, que liderou uma rodada inicial de US$ 1 milhão para a empresa no meio do ano passado, que também incluía seu ex-chefe da Coca-Cola, Chuck Muth, agora diretor de crescimento da Beyond Meat and The Factory.

    Partake; empreendedorismo
    Denise Woodard fundou a Partake após a luta de sua filha com alergias alimentares e a falta de opções de alimentos livres de alérgenos nos supermercados
    Foto: Partake/Divulgação

    Desde então, ela arrecadou novos investimentos com a cantora H.E.R., ganhadora do prêmio Grammy, junto com fundos adicionais da Marcy Venture Partners. E a presença da empresa se expandiu para cerca de 3 mil lojas, incluindo varejistas como Target, Whole Foods, Sprouts e Wegmans.

    Woodard também está tentando impulsionar a representação negra na indústria de alimentos e bebidas, com o lançamento de um programa de bolsa para estudantes em faculdades e universidades historicamente negras para explorar caminhos de carreira em empresas de bens de consumo. Ela espera que o programa possa tornar a jornada mais tranquila e contínua para os outros.

    “Conforme desenvolvi a empresa, percebi que a Partake tem a oportunidade de representar algo muito maior do que as pessoas com alergia alimentar são capazes de fazer. É esse sentimento de inclusão e de dar lugar a todos na mesa, independentemente de gênero, raça, classe socioeconômica ou restrições alimentares. É a ideia de que todos são bem-vindos”, disse Woodard. “Comecei a Partake com uma imagem minúscula e ela se ampliou muito desde que entramos no mercado.”

    Mudando o ecossistema

    O cálculo racial dos Estados Unidos pode ter desencadeado alguns novos esforços para retificar anos do exíguo financiamento obtido por fundadoras negras, mas uma série de forças positivas surgiram antes mesmo de 2020.

    Novos fundos, comunidades online, programas e fontes alternativas de financiamento estão se concentrando na diversificação de quem recebe o capital inicial.

    Exemplo significativo, o New Voices Fund foi lançado em 2017, quando a Unilever adquiriu a Sundial Brands, fabricante do SheaMoisture e de outras linhas de cuidados com a pele e cabelos. Richelieu Dennis, fundador e então CEO da Sundial, criou o New Voices Fund para investir em empresas administradas por mulheres não brancas, e a Unilever se tornou uma investidora âncora como parte da parceria. Até o momento, o fundo investiu mais de US$ 60 milhões. Empresas como The Honey Pot, The Lip Bar e Mielle Organics, que agora estão disponíveis nas lojas Target, puderam se expandir em parte devido a esses investimentos.

    Há um programa de treinamento para empresários sub-representados, incluindo mulheres negras, que os ensina como arrecadar dinheiro para escalar suas startups. Várias das mais de 90 mulheres negras que arrecadaram milhões para suas startups participaram do programa, incluindo Shani Dowell da Possip, bem como Olamide Olowe, que fundou a Topicals, uma marca de cuidados com a pele para pessoas com doenças dermatológicas crônicas, e Jasmine Shells, que criou a Five To Nine, uma plataforma de gerenciamento de eventos.

    Outro exemplo é a aceleradora Black Girl Ventures, uma organização sem fins lucrativos lançada por Shelly Bell em 2016, que ajudou a escalar mais de 100 empresas de propriedade de mulheres negras e pardas em 12 cidades por meio de suas competições de campo.

    Muitas fundadoras negras também obtiveram sucesso explorando fontes alternativas de capital, como o financiamento coletivo.

    Dawn Dickson-Akpoghene arrecadou mais de US$ 1 milhão em uma campanha de crowdfunding de ações em 2019 para sua empresa PopCom, que fabrica máquinas para venda automática de produtos de comercialização controlada, como álcool, tabaco e cannabis. A fundadora do Ethel’s Club, Naj Austin, levantou US$ 25 mil usando crowdfunding para dar o pontapé inicial em sua empresa, um clube social e de bem-estar para pessoas não brancas. Ela conseguiu mais de US$ 1 milhão de investidores institucionais e anjos.

    Esses esforços não vieram apenas do lado do fundador. Também houve uma série de pressões por mais diversidade entre os investidores de startups. Organizações como All Raise, BLK VC e HBCUvc têm se concentrado em acelerar a representação de investidores negros e de mulheres para construir um ecossistema mais justo em capital de risco.

    Com esses esforços combinados, defensores como Maillian, da digitalundivided, têm esperança de que, mesmo após o momento de avaliação racial em 2020, as fundadoras negras continuarão a prosperar.

    “Temos uma cultura de abraçar o empreendedorismo como mulheres negras e ver outras mulheres negras continuarem fazendo isso é o que realmente faz a diferença”, disse. “Estamos sinalizando para nossos pares e para as gerações futuras que é realmente possível empreender.”

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês)