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    Quarentena faz alta gastronomia aderir ao delivery – e agora faltam embalagens

    Casas se rendem ao delivery e procuram caixinhas compatíveis com a qualidade da comida que servem

    Matheus Prado do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Hoje é possível pedir comida de vários dos restaurantes mais premiados do Brasil por delivery. Este movimento até vinha se fortalecendo nos últimos anos, mas foi (muito) acelerado por conta da COVID-19. As medidas de isolamento obrigaram chefs a manter seus salões fechados o que, fatalmente, fez com que muitas casas recorressem às entregas para manter parte de sua receita.

    Somente na segunda quinzena de março, o número de novos restaurantes de alta gastronomia presentes no iFood cresceu em cinco vezes se comparado com a soma dos quinze dias anteriores. Ainda de acordo com dados da empresa, São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro foram as cidades que mais ganharam novas opções de entrega do gênero.

    O problema, além de toda questão financeira e trabalhista, é que estes restaurantes costumam oferecer uma experiência completa aos clientes. A qualidade dos ingredientes, o bom gosto da decoração, o serviço cortês e, principalmente, a execução irretocável de receitas criativas fazem com que espaços como o Tan Tan e o Komah, na capital paulista, registrem filas de espera diárias em seus estabelecimentos.

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    Para superar os desafios do agora e manter a qualidade do serviço como se estivesse sendo entregue presencialmente, foi preciso se adaptar. E, no caso do delivery, tudo passa pela embalagem. Ela é, ao mesmo tempo, a identidade visual da marca e a grande responsável por garantir que a comida “viaje” bem e chegue ao domicílio do cliente com boa apresentação, sabor e temperatura.

    A Scuadra, empresa que é grande referência na área e confecciona recipientes para casas com Mocotó, Z Deli e Rubayat, já sentiu a mudança. Mesmo trabalhando no limite produtivo, tem uma fila de espera com 600 clientes durante a quarentena. O empresário Luiz Silveira estima que sua fábrica em Guarulhos, que conta com 130 funcionários e produção praticamente ininterrupta, tenha produzido mais de 1.3 milhão de embalagens no mês de abril – ante 800 mil peças, no mês anterior.

    “Cerca de 60% dos meus clientes decidiram ficar com as portas fechadas durante a pandemia. Os outros 40%, no entanto, reforçaram o delivery. Só esse grupo já extrapolou nossa capacidade produtiva”, diz o empresário. “Tive que parar de atender o telefone”, resume.

    Komah
    Komah para viagem com embalagens da FNS
    Foto: Rubens Kato/Divulgação

    Universo das embalagens

    Luiz Silveira, dono da Scuadra, descobriu o nicho de mercado das embalagens “de luxo” em 2017, quando levou uma quentinha do restaurante Coco Bambu para casa. “O molho vazou todo, fiquei revoltado. Comecei então a pesquisar e vi que o Brasil não tinha empresas especializadas em embalagens para comida, principalmente com molho”, diz.

    Ele deixou de lado sua distribuidora de produtos de limpeza e hibernou por mais de um ano para pesquisar o produto que queria produzir. “Em janeiro de 2018, cheguei a um protótipo e levei para uma reunião com a chef Renata Vanzetto, que já estava no delivery”, diz. “Falei para ela que sabia das dificuldades. As pessoas reclamam da temperatura, que o molho vaza. Mostrei o produto, ela gostou e começamos logo a produzir.”

    Hoje, as embalagens, que podem custar até R$ 12 reais, são recicláveis, feitas à base de papel, e levam grafismos do restaurante e desenvolvidos pela própria equipe de Luiz. A empresa, que faturou R$ 5 milhões em 2019, tinha previsão de faturar R$ 12 milhões em 2020. No ritmo que a companhia tem vendido, porém, o montante esperado para dezembro será alcançado em uma porção de meses.

    Mais delivery, menos embalagens no mercado

    Enquanto diversos setores têm sentido o impacto negativo da COVID-19, para Luiz, o aumento de delivery trouxe uma ótima oportunidade ao seu negócio. O problema, porém, é a dificuldade de atender o aumento – não previsto – da demanda.

    Paulo Shin, chef do restaurante coreano Komah, foi um dos que Luiz não conseguiu atender. Ele conta que já estava negociando com o iFood e alugando um espaço para começar sua operação de delivery, mas a pandemia fez com que seus planos fossem atropelados pela realidade. “Já estávamos pensando em novos pratos, adaptando receitas para o delivery, mas precisamos ir com o que tínhamos”, diz.

    Presente no Guia Michelin, a casa é especializada em pratos contemporâneos com inspiração na Coreia do Sul. Depois de muita correria, a operação de delivery e take away começou no dia 9 de abril e rapidamente ganhou tração com o público, mas Shin admite que teve sorte.

    “Já entregamos mais de 100 refeições num dia bom e estamos fazendo 50% do faturamento. Mas a gente tinha caixa e vai conseguir segurar por um tempo assim, sei que somos exceção”, explica. Para embalar seus pratos, procurou então outra alternativa biodegradável e encontrou a carioca FNS.

    “Gastei R$ 10 mil com embalagens e tive que pagar à vista para conseguirem liberar. Fico ansioso só de falar”, resume. Marcelo Simão, CEO da FNS, explica o momento. A companhia importa seus produtos, feitos com matérias primas de origem vegetal (fibra de cana, fibra de milho, fibra de bambu) e papel kraft, da Ásia, e por isso tem sofrido com as altas do dólar.

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    “O dólar faz com que a gente tenha uma questão de fluxo de caixa importante. Eu não posso repassar todo o reajuste para o cliente, então preciso que os pagamentos sejam feitos mais rapidamente”, diz. “Normalmente a gente dava prazo, hoje não dá mais para fazer isso. Os clientes podem pagar com cartão de crédito ou à vista com desconto.”

    Outra empresa que importa seus produtos do continente asiático é a Soubio, braço de biodegradáveis da Cepel. Começando suas operações em 2020, a companhia ainda tenta entender o tamanho do mercado. “Com o dólar tão alto, é difícil fazer planejamentos para o longo prazo. O que fizemos foi adiantar nossas compras para ter um estoque maior e conseguir atender todos os clientes”, explica Fabiana Gonçalves, gestora da marca.

    Tan Tan
     
    Foto: Tati Frison/Divulgação

    Thiago Bañares, chef do Tan Tan, bar-restaurante japonês em Pinheiros, e do OTOTO, especializado em bentôs, a marmita nipônica, escolheu a Soubio para realizar suas entregas. Assim como Shin, ele tinha um plano de delivery para o médio prazo que precisou ser gestado prematuramente em tempo recorde.

    “Ajeitamos tudo em 15 dias, mas tive que quebrar a cabeça. A gente não entrega só o produto, tem a experiência. Tentamos nos reinventar para entregar a experiência do restaurante junto na caixinha” diz. A escolha por embalagens biodegradáveis é parte deste desejo, além da óbvia preocupação ambiental.

    Thiago explica ainda que o OTOTO, que já chegou a entregar 100 refeições em um dia, surgiu em meio à pandemia justamente para oferecer pratos que viajassem melhor e por um preço mais acessível. Somando aos cerca de 150 pedidos diários no Tan Tan, ele estima que esteja conseguindo alcançar um terço do seu faturamento habitual, mas o objetivo é somente “fechar as contas”.

    E é exatamente assim que pensa Júlio Raw, do Z Deli, dono do pastrami mais famoso de São Paulo. “Este não é um momento de ganhar dinheiro. Queremos somente não nos endividar e ajudar quem precisa”, conta. Hoje, com delivery e take away, a marca faz cerca de 55% do faturamento que tinha com suas lojas abertas. Dos 150 funcionários, 80 estão afastados, e, quem vai trabalhar, recebe ajuda no transporte.

    Z Deli
    Z Deli para viagem com embalagens da Scuadra
    Foto: Lucas Terribili/Divulgação

    Os habituais salões se tornaram estações de montagem e embalo de pedidos, que chegam aos clientes em caixinhas da Scuadra. Raw, no entanto, diz não saber por quanto tempo poderá contar com isso. “Se esse problema se estender, não vamos utilizar a embalagem que queremos e sim a que tiver disponível. Precisamos também olhar para o tanto de lixo que estamos produzindo”, aponta.

    Para o futuro, Raw acredita que o take away vai ter um papel cada vez mais importante no faturamento dos restaurantes. Quem ouve isso, não pensa que a casa judaica com inspiração nas delicatessens nova-iorquinas até chegou a ter problemas com delivery inicialmente. Quando a Rappi chegou ao Brasil, em 2017, motoqueiros passaram a formar filas gigantescas nas diminutas lojas de Raw e tiraram o sono do chef.

    “Falavam que a gente não queria entregar, mas simplesmente não estávamos preparados para aquele volume”, explica. Apesar da experiência negativa, percebeu que havia ali uma demanda gigante e começou a trabalhar para explorá-la. Até que começou a entregar, exclusivamente pelo iFood, em 2019.