Auxílio foi essencial para amortecer queda do PIB; dilema é quando acabar
Dados prévios de junho indicam início de uma recuperação e devem reforçar projeções de retração mais branda em 2020, próxima de 5%
Os efeitos da megainjeção de recursos que foi o auxílio emergencial de R$ 600 já aparecem nos principais indicadores de produção e consumo do país. Eles reforçam um cenário em que a pandemia deixou um buraco enorme na economia, mas bem menor do que poderia ter sido caso o suporte do governo não tivesse existido.
Praticamente todos os setores já mostraram um início de recuperação em junho, quando diversos estados deram início à reabertura das atividades depois de passarem abril e maio paralisadas.
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Os dados reforçam a visão de que a queda no PIB do país deve ser muito mais próxima dos 5% do que de outras projeções bem piores que chegaram a aparecer nos momentos mais pessimistas, no início da crise.
Alguns chegaram a falar em retração próxima dos 10% em 2020. O Fundo Monetário Internacional (FMI) cravou projeção de -9%. Os analistas de mercado falavam em queda de 6,5%, mas, pelas estimativas mais recentes, essa média já foi revista para -5,6%, e é que siga melhorando nas próximas semanas.
“Não significa que o Brasil está crescendo”, disse a economista e professora do Insper Juliana Inhasz. “Mas significa que a gente deixou de andar para trás com aquela velocidade de antes; foi um tropeço muito grande.”
A produção da indústria, por exemplo, teve um crescimento de 9% em junho ante maio, depois de despencar 27% em abril e junho. O varejo vendeu 8% mais e os serviços cresceram 5%.
O IBC-Br do mês, que é uma prévia do PIB calculada pelo Banco Central e foi divulgada nesta sexta-feira (14), mostrou um avanço de 4,9% na atividade econômica total do país de maio para junho, embora o segundo trimestre completo, muito machucado pelos tombos da ordem de 14% nos meses anteriores, se encerre com queda de quase 11% pelo indicador.
“Nossa projeção é de queda de 5,5% no PIB deste ano, mas há algumas indicações de que o resultado pode vir um pouco melhor do que isso porque o terceiro trimestre já começa a dar dados positivios também”, disse Fabio Ramos, economista do UBS.
A projeção do banco é de uma retração de 10,9% no segundo trimestre comparado ao primeiro, mas com novas altas nos trimestres seguintes, que darão continuidade em parte à retomada engatada por junho, mesmo que com bastante incerteza ainda envolvida.
“Os estímulos do ‘coronavoucher’ vão começar a diminuir, e principalmente o varejo pode ter algum mês de queda e ajuste à frente por conta disso”, disse Ramos.
O governo já confirmou parcelas extras dos R$ 600 em julho e agosto, podendo estende-las com valores menores depois.
O que está por trás da manobra, no entendimendo dos analistas, é que em algum momento entre o fim deste ano e o começo do próximo, o emprego e a renda devem se recuperar e voltar a girar a economia por si. A retirada do auxílio, entretanto, que não tem fôlego para continuar por muito tempo, deve acontecer antes das outras forças de consumo estarem totalmente recompostas.
Impulso do auxílio emergencial
“O auxílio foi bastante importante, principalmente para o comércio, em um momento em que muitos ficaram com receita zero”, disse o economista do Itaú Unibanco Luka Barbosa.
A estimativa do banco, que já vinha menos pessimista que a do restante do mercado, é de uma queda de 4,5% do PIB neste ano, com retração de 9,1% no segundo trimestre sobre o primeiro.
Um cálculo feito pelo Itaú estima que a injeção bilionária do auxílio emergencial fará a renda total do país sair maior neste ano, em 1%, e não menor do que no ano passado, mesmo com os ganhos do trabalho e dos negócios despencando.
“Há a perda do trabalho, mas um aumento maior com as transferências de renda do governo”, disse Barbosa.
“Os estímulos do ‘coronavoucher’ chegarão a R$ 250 bilhões em cinco meses, isso é 3% do PIB”, disse Ramos, do UBS. “É o que está impedindo o PIB de ter uma queda maior. Não à toa, o Brasil é o que está com as menores quedas entre os principais países da América Latina.”
Em abril, no pior momento, a atividade econômica do Brasil medida pelo IBC-Br caiu 9,7%. “No Peru essa queda foi de 40%”, menciona Ramos. “Essa diferença tão grande sem dúvida é pelo ‘coronavoucher’”
Indicação desse poder, apontam os analistas, está no fato de o comércio estar se recuperando bem mais rápido do que os serviços.
O varejo, puxado por setores bem elementares como supermercados, já recuperaram os níveis de venda pré-pandemia.
Já serviços como restaurantes, cinemas, viagens, salões de beleza e tantos outros estão ainda bastante para trás. Todos eles dependem não só da renda, mas, em medida muito maior, também da presença física, ainda limitada pela pandemia, mesmo para quem tem dinheiro.
“É um forte sinal de que boa parte da crise está mais ligada ao isolamento do que a uma questão de renda, disse Barbosa, do Itaú.
Nesse sentido, conseguir reduzir o número de novas mortes e infecções – o que ainda não está acontecendo no Brasil – é também essencial para a plena retomada econômica.
Sem dinheiro para mais auxílio
O dilema, concordam os economistas, é como fazer a retirada dos R$ 600 integrais do auxílio emergencial, dado que o programa é muito caro para continuar sendo pago por um governo que já está quebrado e que sairá ainda mais endividado dessa crise.
“A economia do Brasl está entre as que menos sofreu da região mas tem também uma das piores dívidas públicas dos emergentes”, disse Ramos. “Continuar com o auxílio como está só poderia significar ou mais imposto, ou mais dívida, ou imprimir dinheiro.”
“O ideal talvez seja uma retirada gradual, conforme a economia engrena”, disse Inhasz, do Insper. “Parece haver um conflito disso com o discurso de liberal do governo, mas o que o liberalismo diz é que o governo deve sair da economia quando o mercado dá conta. Se o mercado não dá, então o governo é importante para colocar a máquina para funcionar.”
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