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    FIFA: Conheça a ‘bolsa de valores’ do jogo e entenda por que está despencando

    Modo de jogo Ultimate Team rendeu quase US$ 1,5 bilhão à Electronic Arts no último ano fiscal americano

    Matheus Prado, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A Eletronic Arts, ou apenas EA, é uma das desenvolvedoras de jogos mais consolidadas no mercado, tendo sob o seu guarda-chuva títulos como The Sims, Need For Speed e Battlefield. Mas são os jogos esportivos, como FIFA (de futebol), Madden (de futebol americano) e NHL (de hóquei) que pagam boa parte das contas com apenas um modo de jogo, o Ultimate Team.

    Vamos aos números: no ano fiscal de 2020 (entre abril de 2019 e março deste ano), a empresa reportou receita líquida de US$ 5,537 bilhões. E é aqui que as coisas ficam assustadoras. Segundo Daniel Ahmad, analista sênior da Niko Partners, consultoria especializada no mercado de jogos, US$ 1,49 bilhão deste total veio apenas do Ultimate, o que soma bizarros 27% do resultado da companhia.

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    Para explicar o fenômeno, utilizaremos como referência o FIFA, que tem mais de 35 milhões de jogadores apenas na sua versão de 2020 (a edição de 2021 também já foi lançada, em outubro). De forma bem simplificada, o Ultimate Team combina os já tradicionais jogos de futebol hiper-reais de console com uma instância de trading parecida com bolsas de valores, em que os ativos são os jogadores de futebol. 

    No entanto, o que rende dinheiro mesmo para a desenvolvedora é uma prática mais parecida com cassino. Vamos por partes.

    Ativos

    Quando lança uma nova edição do jogo (normalmente coincide com o início da temporada europeia de futebol, no segundo semestre de cada ano), a EA avalia e determina os atributos de cada um dos atletas presentes ali, dando a eles uma carta de pontuação.

    São seis áreas avaliadas –ritmo, finalização, passe, drible, defesa e físico–, que, juntas, dão a classificação final para cada jogador. Para se ter uma ideia, numa escala que vai até 100, Neymar soma 91 de média. Messi e Cristiano, por sua vez, têm 93.

    Além dessa pontuação, que espelha a qualidade dos jogadores dentro do game, há também o “meta” do jogo. Isso quer dizer que, conforme os gamers vão entendendo como as partidas se desenvolvem, certas características vão ficando cada vez mais valorizadas no mercado.

    “O jogador pode ter uma pontuação alta e não ser muito utilizado por conta dos seus atributos. Um atacante que não tem boa velocidade ou um defensor sem pontuação alta no quesito físico são exemplos disso”, diz Rafael “Rafifa13” Fortes, jogador profissional de FIFA pela Netshoes E-Sports e bicampeão brasileiro da modalidade.

    A soma destes dois fatores, então, é o que determina o preço de cada carta, ou ação, no longo prazo. No curto prazo, entretanto, aparecem outros fatores, que abordaremos no próximo tópico.

    Mercado

    Com o embasamento que já temos sobre a classificação e precificação dos jogadores, agora conseguimos falar sobre o modo de jogo em si. A premissa básica do Ultimate Team é montar um time competitivo para disputar partidas contra outras pessoas do servidor e ganhar prêmios. 

    Numa espécie de tabuleiro, o gamer precisa ir preenchendo os 11 espaços inicialmente vazios com cartas de jogadores daquelas posições específicas. Goleiro, zagueiros, laterais, atacantes, e por aí vai… até formar seu time. Depois disso, vai negociando pontualmente para melhorar peças e entrosamento.

    O problema, compartilhado por todos no início da jornada, é a falta de dinheiro. Para se ter uma ideia do nível de comparação, disputar um jogo garante cerca de 400 coins, enquanto uma carta de um craque como o Cristiano Ronaldo, por exemplo, custa atualmente mais de 2 milhões de coins em algumas versões do jogo. Além disso, as cartas são limitadas e, quanto melhores, mais raras.

    E é aqui que entram os princípios de trading na plataforma. Além daquelas oscilações de longo prazo já citadas, as cartas dos jogadores também oscilam conforme sua performance na vida real. Se o atleta estiver na lista dos melhores da semana, produzida pela própria EA, é provável que o seu preço suba.

    (Todos os selecionados para a equipe da semana ganham uma carta comemorativa para o período, que só pode ser encontrada nessa janela. Ou seja, a carta normal sobe por redução de oferta, e a especial também, por ser rara.)

    A partir disso, os investidores começam a analisar os movimentos das ações para tentar comprar na baixa e vender na alta, como em qualquer operação na bolsa. Por vezes, compram várias cartas iguais com preço reduzido e revendem com margem de lucro. E é claro que há, neste caso, desavisados pagando mais do que precisavam por aquela carta.

    Em circunstâncias normais, a coisa funciona assim: existem campeonatos durante a semana e no final de semana. “A premiação destes primeiros ocorre às quintas, injetando liquidez no mercado. Com isso, entre quinta e sexta, os jogadores vão às compras e os preços podem subir”, diz Irlando “Linker” Campos, produtor de conteúdo especializado em FIFA. 

    “Depois das competições de final de semana, ocorre o movimento inverso. Boa parte dos gamers vendem parte dos seus times para fazer os ajustes necessários e começar a competir novamente. Com a oferta grande no mercado, o valor das cartas sofre processo de correção.”

    Existe também a possibilidade de operar o mercado com cartas menos famosas, avaliando, no momento, seus preços mínimos e máximos. Isso porque os próprios jogadores estabelecem os valores de venda dos ativos, precisando só de um comprador topar o negócio. 

    É possível, nessa linha, que uma carta esteja listada por 300 coins por um jogador mais desesperado para vender e 600 coins por outro, com mais paciência. Se a segunda tiver mercado e o trader notar isso, ele pode comprar a mais barata e tentar vendê-la mais cara, obtendo lucro.

    Regulador

    Nessa linha de realização, vários vídeos no YouTube têm alardeado nos últimos dias um “crash” no mercado do FIFA, com vários gamers retirando suas posições em Kylian Mbappé ou qualquer outro. Trata-se, no entanto, de algo que ocorre todos os anos na plataforma. 

    Em meados de dezembro, a EA lança um especial chamado FUTMAS. Nele, além de desafios e pacotes (entenda mais abaixo) especiais, os gamers escolhem os 11 melhores jogadores do ano, que formarão o time do ano.

    Os escolhidos recebem nova carta, com atributos melhorados. Ou seja, por que alguém compraria o Neymar de média 91 se, daqui a um mês, ele pode conseguir o Neymar especial de média 92? Isso deve manter o mercado em baixa nos próximos tempos. (Linker também acredita que exista um movimento de manada dos investidores menos experientes.)

    Já no setor de valores mobiliários, para tentar coibir a especulação a qualquer custo, a desenvolvedora cobra uma taxa de corretagem de 5% sobre cada transação. Linker conta que a empresa também tem lidado com os bots, assim como aqueles de day trade, que realizam transações automáticas. Quem é pego com a ferramenta é banido do jogo.

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    Ainda sobre práticas ilegais, é possível comprar coins com dinheiro corrente. Uma rápida pesquisa na internet revela dezenas de lojas que realizam a operação. Em uma delas, 1 milhão de coins, mais ou menos o preço atual da carta do Neymar, sai por R$ 680. 

    Para realizar a transferência dentro do jogo, o comprador lista uma carta no mercado por um preço muito maior que o praticado atualmente e o vendedor “paga” o valor exorbitante para conseguir transferir as coins de uma conta para a outra. A outra parte do negócio é feita com cartão ou Paypal.

    Receita

    Mas, se todas as transações são realizadas com moeda interna, como a EA faz todo aquele dinheiro com o jogo? A resposta seria, no mercado real, com uma moeda paralela. No mundo dos games, trata-se de um mecanismo conhecido: as microtransações dentro do jogo, ou in-game purchases. 

    Além das coins, existem também os points, explica Rafifa. Com essa outra divisa, o jogador não consegue operar o mercado diretamente, mas tem acesso a pacotes. É como se ele comprasse uma embalagem de figurinhas da Copa do Mundo, com resultado igualmente aleatório.

    Existe uma chance, ainda que ínfima, de tirar as melhores cartas do servidor ali. E é essa esperança que faz a gira girar. No jogo para PC, 12 mil FIFA points custam R$ 499 e o preço de um pacote pode variar entre 50 e 2,5 mil points.

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