Governo estuda fundo estatal para segurar alta de combustíveis; ideia é polêmica
Só neste ano, o petróleo já subiu mais de 30% no mercado internacional e a gasolina, no Brasil, mais de 40%
As arrancadas recentes no preço do petróleo no mundo e, por consequência, da gasolina e do diesel no Brasil, voltaram a levantar as discussões sobre quais alternativas existiriam para que caminhoneiros, motoristas e consumidores em geral não fiquem reféns das variações internacionais de um produto tão volátil. Só nos dois meses deste ano, o petróleo internacional já subiu mais de 30% e a gasolina no Brasil, mais de 40%.
Uma das ideias que sempre aparecem quando os preços apertam, e que volta agora a ser mencionada também entre governo e especialistas, é a da criação de um fundo estatal que sirva para moderar os preços quando eles sobem –em especial para o diesel, que, diferentemente da gasolina, majoritária nos carros individuais, abastece caminhões e transportes coletivos e interfere nos custos de produção do país.
O mecanismo de um fundo estabilizador de preços, já usado em outros países, pode ser abastecido com dinheiro excedente das exportações do petróleo ou com parte dos royalties, por exemplo, e deixaria um colchão de reservas para subsidiar os preços dos combustíveis quando eles sobem muito rápido.
Poderiam vir desse fundo, por exemplo, os recursos para tapar o buraco da isenção de impostos federais que o presidente Jair Bolsonaro prometeu por dois meses sobre o diesel. Anunciada depois de um reajuste de 15% feito pela Petrobras em um único dia, a medida deve tirar mais de R$ 3 bilhões em arrecadação que o governo, que já está com as contas no vermelho, não explicou como vai cobrir.
Em discussão no governo
A proposta já tem sido mencionada nas últimas semanas pelo governo, que estaria estudando formas de colocar o novo fundo de pé. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e o general indicado à presidência da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, citaram a possibilidade em entrevista na semana passada.
“A solução para isso é se a gente conseguisse criar um fundo soberano com base nos royalties do petróleo, e esse recurso, quando houvesse essas flutuações, fosse utilizado para amortecer os aumentos. Não tem outra solução fora disso aí”, disse Mourão.
O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, também afirmou, no início de fevereiro, que a criação de um fundo de estabilização é uma das ideias que estão circulando entre sua pasta e o Ministério da Economia, em uma espécie de pacote de propostas para suavizar as oscilações mais fortes de preços dos combustíveis nas bombas.
“O Brasil passou a ser exportador [de petróleo] no segundo semestre de 2019. Temos, hoje, outra condição em relação a esses hidrocarbonetos, que podem ter parte de seus recursos utilizados para um fundo de estabilização de preços”, disse Albuquerque, em entrevista à agência especializada em energia EPBR.
Tudo isso já está sendo analisado desde o primeiro trimestre do ano passado e está na mesa sendo negociado dentro do governo para ver quais medidas podem ser tomadas e em qual prazo.
Bento Albuquerque, ministro das Minas e Energia
Atualmente, a Petrobras segue uma política de preços pela qual repassa integralmente as flutuações do petróleo e do câmbio, no mercado internacional, para os preços dos combustíveis que refina e vende aqui. Como os dois –petróleo e dólar– são altamente voláteis, o motorista e o frete acabam sofrendo com a volatilidade também.
Volta da polêmica ‘conta-petróleo’
A proposta de um fundo, porém, deixa os especialistas do setor historicamente divididos. De um lado, há uma parte para quem a ideia é importante para suavizar os choques de preços. Para outra parte, porém, trata-se de mais uma forma de intervenção que, se não traz novos desequilíbrios para o caixa da Petrobras, traz para o do Tesouro Nacional e para a competição do mercado.
O ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) David Zylbersztajn é um dos que se opõem à ideia. Em sua opinião, a proposta de um fundo para conter variações de preços do diesel ou da gasolina é apenas uma reedição da falecida conta-petróleo, mecanismo de subsídio aos combustíveis que foi extinto em 2001 depois de deixar uma dívida bilionária do Tesouro com a Petrobras.
Foi Zylbersztajn, que comandou a ANP de 1999 a 2001, quem coordenou a abertura do mercado de petróleo para outras exploradoras no Brasil e ajudou a conduzir a gradual extinção da conta-petróleo.
Tem que aprender com os erros do passado. Se for para errar de novo, que seja um erro novo, não o velho
David Zylbersztajn, ex-diretor da ANP e professor da PUC-Rio
A conta-petróleo era uma espécie de conta conjunta para repasses feitos entre o caixa do governo e a Petrobras, nos tempos em que a estatal ainda tinha monopólio da exploração de petróleo. O pré-sal não existia e quase tudo o que o país consumia era importado. Os preços internos eram diretamente controlados pelo governo.
Quando o barril do petróleo no mercado internacional subia, a Petrobras revendia mais barato aqui e o governo pagava a estatal para cobrir a diferença. Quando, por outro lado, a importação ficava mais barata, era a Petrobras que repassava a folga para o Tesouro.
Nos governos atuais, os esforços têm sido no sentido de reduzir a participação ainda dominante da Petrobras no mercado doméstico e permitir a entrada gradual de novas empresas, de maneira a chegar a preços menores ao consumidor por meio da maior concorrência.
Se o país quer abrir o mercado para mais empresas, o mecanismo de fundos nunca vai dar certo. É difícil criar uma metodologia para o preço de referência dos repasses, gera uma barafunda. Cria uma nova dependência do governo e afasta investidores.
David Zylbersztajn, ex-diretor da ANP e professor da PUC-Rio
Subsídio só para o diesel
Defensor de longa data de um fundo anti-volatilidade, Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), afirma que há muitas diferenças entre o Brasil de hoje e o da conta-petróleo, a começar pelo fato de que, nesse meio tempo, a Petrobras e o país se tornaram grandes produtores e exportadores de petróleo, conta em que foram historicamente deficitários.
Isso significa que dólar e petróleo mais caros lá fora geram também receitas para a economia doméstica, e não só prejuízos, como no passado.
Não existiam royalties, a receita deles era zero. Hoje, a sociedade brasileira pode ser beneficiada de várias formas disso, e uma delas é esse fundo, para que a volatilidade do petróleo e do câmbio não seja transferida imediatamente para o consumidor.
Adriano Pires, diretor do CBIE
A proposta de Pires é que o dinheiro para abastecer o eventual fundo venha apenas do que houver de receita extra com royalties a cada ano, ou seja, o que o Estado arrecadar a mais do que havia projetado no Orçamento anual em rendas com petróleo. É o que costuma acontecer quando os preços internacionais ou o dólar sobem acima do esperado e a produção no país cresce.
Esse critério evita tirar os recursos dos royalties que já são comprometidos com outras áreas, como saúde e educação. Também dá um caminho para responder a um dos principais dilemas que impedem a criação de mais um fundo estatal no país: de onde tirar dinheiro para depositar nele, sendo que o governo já está quebrado?
Pires também ressalva que é importante pensar no fundo como uma política transitória, de moderação dos preços enquanto a privatização da Petrobras ou a ampliação da concorrência na oferta de combustíveis, hoje dominada pela estatal, não vêm.
Para o economista, porém, é importante que esses subsídios sejam destinados especificamente para o diesel, enquanto a gasolina continuaria seguindo o mercado.
A gasolina vai para o transporte individual, é subsidio para os mais ricos. O diesel é importante porque ainda dependemos do transporte rodoviário e influencia no preço final dos produtos. Mas se a gasolina está cara vá de ônibus, metrô, bicicleta.
Adriano Pires, diretor do CBIE