Blue wave: quais setores podem sofrer na bolsa com o governo democrata nos EUA
O mercado, que se mostrava assustado com a possibilidade de um governo inteiramente democrata em novembro, não parece muito preocupado
As eleições americanas de 2020 lembram uma das mais célebres narrações de Galvão Bueno, o “vai ganhar, vai perder”. Mas, no final das contas, Joe Biden levou a presidência e os democratas conseguiram maioria nas duas casas legislativas, diferente do que se desenhava em novembro.
Com isso, alguns setores econômicos, e consequentemente papéis da bolsa de valores, tendem a se beneficiar com o movimento. Dá para citar o mercado de energias limpas, por exemplo, umas das bandeiras de Biden. Enquanto outros, como o de tecnologia, podem sofrer com regulamentações mais fortes ou perda de incentivos.
Mas antes de entrar nessa análise setorial, é importante entender o comportamento das bolsas de valores nos últimos meses. Em novembro, Wall Street chegou a tombar com a possibilidade de Blue Wave no radar. Gestores temiam um aumento na carga tributária e a intervenção do governo em setores como o de saúde.
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Pois bem, este temor se materializou e o partido mais inclinado ao progressismo e ao intervencionismo controlará o destino da maior economia do mundo pelos próximos 4 anos. Ah, então Wall Street deve estar vivendo dias terríveis, com ações despencando e clima de tensão, certo? Errado.
S&P 500 e Dow Jones não inverteram sua tendência de alta nem durante a invasão do Capitólio americano na quarta-feira (6) por apoiadores do derrotado Donald Trump. Então, o que aconteceu neste meio tempo? Por que o mercado não se assustou minimamente com seu próprio pesadelo?
“Acho que tem uma questão psicológica. Quando o mercado está de bom humor, os investidores procuram coisas boas para se apegar”, diz Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos. “O argumento da vez é que, com margem mínima no Senado, os democratas não conseguirão passar projetos importantes sozinhos.”
O gestor entende, no entanto, que se trata de uma lua de mel exacerbada, e que eventualmente o mercado vai acordar, porque os índices “não podem continuar subindo de forma descontrolada por muito tempo”. Ele aponta os seis primeiros meses de governo Biden como essenciais para se entender quais serão os novos caminhos dos EUA.
Em termos de prioridades, é consenso entre os analistas que o novo presidente deve continuar injetando liquidez na economia. Aqui entram pacotes de estímulos, cheques para os cidadãos e apoios para pequenas empresas e endividados, o que deve continuar puxando as bolsas para cima.
“Os estímulos econômicos e o desenvolvimento e aplicação das vacinas dificilmente sairão da pauta dos investidores nos próximos tempos”, diz Betina Roxo, estrategista-chefe da Rico Investimentos. “Isso ajuda, inclusive, mercados emergentes como o Brasil, que tem visto uma maior entrada de capital estrangeiro.”
Também dá para colocar neste balaio setores como infraestrutura e outros mais afetados pelo novo coronavírus, como turismo e aéreas, que terão a possibilidade de receber um socorro mais robusto por parte do Estado americano. (Por parte dos investidores, isso continuará dando fôlego para a rotação de portfólios.)
Mas, passado esse incêndio inicial, veremos então como Biden tentará introduzir as pautas que o elegeram e como isso afeta os mercados e as empresas listadas em bolsa. Abaixo, analistas discutem setores que podem ser impactados positivamente ou negativamente na gestão do democrata. Confira:
Setor financeiro
Estagnado há anos nos Estados Unidos e pressionado pela crise nos últimos meses, o setor bancário pode se beneficiar de um governo mais gastador. “Pode ser bom para os bancos, porque com o governo gastando mais, a curva de juros pode empinar para cima”, diz Cantreva.
Ele atenta, no entanto, para o caso do Wells Fargo, tradicional banco americano que anda com problemas regulatórios e, mesmo assim, disparou nas últimas sessões. Isso, segundo o gestor, é parte do descontrole atual vivido por Wall Street.
Tecnologia
Provavelmente o grande perdedor. Há uma bandeira unindo democratas e republicanos: o desejo de diminuir o controle de algumas Big Techs sobre o mercado que atuam. Google e Facebook, por exemplo, são alvos de processos antitruste movidos pelo governo americano. Essas empresas também sofrem pressão na Europa.
“Foi o que se viu no pregão de quarta (6). O mercado financeiro ignorou a instabilidade política, menos o setor de tech. Essas empresas podem (e devem) receber mais taxações e até intervenção governamental, para diminuir suas posições de monopólio”, diz Guilherme Zanin, analista da Avenue Securities.
Saúde
Sem um sistema universalizado de saúde no país, os Estados Unidos têm batalhas nessa seara há décadas. Os democratas defendem uma ajuda maior do Estado no setor, enquanto os republicanos tendem a dar preferência para a manutenção do mercado de operadoras privadas.
Com uma vitória decisiva dos democratas nas eleições, o governo terá ferramentas para implementar mais políticas públicas no segmento. Segundo Cantreva, isso pode vir na forma de regulação de preços ou até na tentativa de fortalecimento de um sistema unificado de saúde. Ruim para as empresas.
Meio Ambiente
O meio ambiente é outra das grandes bandeiras de Biden, que busca uma menor exploração de combustíveis fósseis e maior aplicação das energias renováveis. Com essa expectativa, a Sunrun, maior empresa de energia solar em telhados dos Estados Unidos, já havia visto suas ações crescerem mais de 300% este ano.
“As energias limpas, ou ESG, vieram para ficar. A Europa está mais avançada e os outros países estão monitorando”, diz Bettina, da Rico. “Considero algo difícil de mudar no curto prazo, ainda mais com a China consumindo tantas commodities, mas vai continuar ganhando espaço.”
Drogas legalizadas
Além da eleição de representantes, vários estados referendaram pautas de costumes em novembro, como a legalização de drogas (principalmente maconha, mas o estado do Oregon também liberou o uso de cogumelos para tratamentos médicos). Com isso, empresas do setor demonstraram tendência de alta.
Especificamente para o setor canábico, segundo Zanin, a blue wave pode ter papel extremamente importante. Isso porque, além de aumentar o mercado consideravelmente, uma possível lei americana em âmbito federal pode servir de exemplo para outros países e diminuir ainda mais barreiras para o segmento.
Dólar
Para o mercado internacional, além da análise setorial, é preciso olhar para o câmbio que tem impacto direto na vida real e no mercado financeiro. A expectativa é que o dólar perca força com Biden, já que a dívida do governo deve aumentar, mas a moeda em comparação também precisa subir.
“Nossa visão é que o macro vai pressionar o dólar, mas o micro, no Brasil, tem questões importantes que podem atrapalhar a volta do câmbio, nomeadamente os riscos fiscais”, diz Betina. “Apesar disso, acreditamos que a moeda americana esteja no patamar de R$ 4,90 no final do ano.