‘Corrente do bem’ ajuda empreendedores a vender para sobreviver ao coronavírus
Iniciativas promovem pequenos negócios e profissionais autônomos na internet
Dois dia antes de o governador de São Paulo decretar quarentena por conta do coronavírus e mandar fechar quase todo o comércio do estado, Icaro Foina já sabia que sua confecção teria dias difíceis pela frente. O empresário de São Caetano do Sul tinha um grande estoque de peças para entregar, mas atacadistas suspenderam os pedidos e ele começou a ficar desesperado.
A aflição de Icaro foi o pontapé inicial para que sua filha, a jornalista Beatriz Farrugia, criasse o portal “Ajude um Empreendedor”, onde pequenas empresas e autônomos podem divulgar seus produtos e serviços gratuitamente. É uma espécie de área de classificados virtual: as informações e os contatos de cada fornecedor ficam disponíveis e os clientes negociam diretamente com eles.
“Via muita gente tentando vender seu próprio produto na internet e também muita boa vontade das pessoas em dar preferência para produtores locais, mas as mensagens estavam pulverizadas. Então decidi ajudar”, conta. Todo o site foi desenvolvido por ela e pelo marido, que é programador, em menos de duas horas. “É um espaço para compradores de bom coração”, define Beatriz.
Nas primeiras doze horas o site teve mais de mil acessos e, hoje, após quase duas semanas no ar, já reúne mais de 50 anúncios dos mais variados: desde fabricantes de roupas e calçados até restaurantes, produtores de marmita, professores e terapeutas.
Agora, o casal criou um perfil no Instagram para promover esses negócios e tentar concretizar vendas. “Se render uma ou duas num momento em que a previsão é de nenhuma, estou feliz”, afirma a jornalista.
O choque de demanda causado pelas medidas de isolamento é um baque para qualquer negócio, independentemente do tamanho: a redução de receita é imediata. Não é à toa que tantas grandes redes estão anunciando promoções nesta crise. Mas os impactos são mais duros para os pequenos porque eles têm menos capital de giro, menos caixa e menor acesso a crédito para continuar bancando custos durante a turbulência.
O Brasil tem 17,2 milhões de pequenos negócios e 9,3 milhões de microempreendedores individuais (MEIs). Juntos, eles correspondem a 99% das empresas privadas que têm funcionários no país e empregam 55% dos trabalhadores com carteira assinada, segundo dados do Serviço Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Também respondem por 29,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. “Não queremos deixar o sistema se desorganizar porque eles fazem muito com pouco. Por isso estamos provocando o público a não abandonar os pequenos. É hora de comprar no mercadinho da esquina”, afirma o presidente do Sebrae, Carlos Melles.
Melles emenda que, se muitas PMEs e MEIs forem à falência, há risco até de aumento da inflação. “O vácuo pode limitar a cadeia e gerar escassez de produto e, consequentemente, alta dos preços”.
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‘Salve os pequenos’
Para dar uma mão para autônomos e pequenos empresários continuarem vendendo na crise, assim como o “Ajude um Empreendedor”, outras iniciativas surgiram nos últimos dias – partindo tanto de cidadãos quanto de empresas.
Uma delas é o portal “Salve os pequenos”, idealizado pela fintech Azulis, que presta serviços para esse público. A plataforma também funciona como uma vitrine online: os empreendedores expõem seus anúncios sem custo e os interessados negociam diretamente com eles. Para se cadastrar, basta fornecer informações como local, setor, e endereço do negócio, contatos, horários de atendimento e fotos.
Criado há menos de uma semana, o site já tem cerca de 100 micro e pequenas empresas e autônomos cadastrados e recebeu aproximadamente 20 mil visitas. Cerca de 10 funcionários da Azulis foram dedicados ao projeto – do time de tecnologia aos moderadores de conteúdo.
O “Salve os pequenos”, segundo a Azulis, é totalmente sem fins lucrativos. Os beneficiados, porém, são potenciais clientes da startup.
“Os grandes, de um modo geral, têm uma estrutura muito maior e acesso a ferramentas, como crédito, que são mais restritas que os pequenos. Por isso, vimos a importância de ajudá-los neste momento”, diz Bruno Dilda, diretor de negócios da companhia.
‘Uma mão lava a outra’
O Magazine Luiza também lançou um projeto para apoiar os empreendedores. Batizado de “Parceiro Magalu”, ele tem duas vertentes: uma voltada para comerciantes, que vão poder oferecer e vender seus estoques no site da varejista; e outra direcionada a trabalhadores autônomos, que vão poder vender produtos da empresa e ganhar uma comissão por isso.
A primeira é basicamente um marketplace (uma espécie de shopping online): os fabricantes e comerciantes vão colocar seus produtos à venda no site do Magalu e toda a transação será feita dentro da própria plataforma. A cada venda efetuada, os empreendedores pagarão uma taxa de 3,99% à empresa, suficiente apenas para manter a estrutura, segundo o Magazine Luiza.
Esse valor, porém, só valerá até julho. Passada a crise, a companhia pretende manter o projeto, mas com taxas maiores. “A longo prazo vamos oferecer serviços para esses empreendedores e depois rentabilizar. Mas com uma visão clara de não lucrar neste momento”, diz Eduardo Galanternick, diretor-executivo de e-commerce do Magalu.
A segunda proposta funciona assim: pessoas físicas poderão criar “lojas” virtuais e anunciar produtos do Magazine Luiza nas redes sociais. Se conseguirem fazer alguma venda, receberão da empresa uma comissão que pode variar de 1% a 12%, dependendo do produto. A logística fica toda por conta da varejista. Na verdade, não se trata de uma vertente nova. Esse sistema já existia com o nome de “Magazine Você” e a remuneração dos participantes é vista pela empresa como um investimento em marketing, segundo Galanternick.
“Mas, neste momento, o objetivo é de fato mostrar para as pessoas que elas podem ganhar dinheiro sem sair de casa”, afirma.
A empresa de pagamentos digitais Ebanx, que se tornou um unicórnio (startup com valor acima de US$ 1 bilhão) em setembro de 2019, criou um market place parecido com o do Magalu, o “Ebanx Beep”. Nesse caso, porém, a taxa cobrada é de 4,9% por venda.
Outras iniciativas também estão surgindo por meio das redes sociais – e protagonizadas por pessoas comuns. Elaine Vilela, que há oito anos trabalha no mercado de eventos, arrumou um jeito que ajudar seu próprio negócio e também o de parceiros. Impossibilitada de organizar as feiras que garantem o faturamento de sua empresa, decidiu realizar o evento de forma online. A escolha foi organizar esses eventos pelo Facebook.
O primeiro, batizado de “SP Online”, começou na sexta (3) e vai até este domingo. Apesar do nome, é aberto a empreendedores de todo o país. Os produtores pagam uma taxa de R$ 50 a R$ 80 para participar e a divulgação fica por conta de Elaine. A feira virtual conta com 50 expositores e 840 pessoas confirmaram “presença”.
“Foi a forma que encontramos de fazer a coisa acontecer de forma rápida e sem muito investimento. Todo mundo precisa receber alguma coisa e ajudar. O que é totalmente equivocado é fazer disso um negócio predatório. A ideia é que os participantes consigam ganhar dez vezes mais com as vendas do que pagaram para participar”, diz.
São ideias que vão ajudar pessoas como a Cristiane Silva, dona da confeitaria Queen Doces Artesanais, da cidade paulista de Santo André. Ela é uma microempreendedora individual e, às vésperas da páscoa, viu os pedidos por seus chocolates caírem cerca de 70% em relação ao mesmo período do ano passado. Agora, encontra nas redes sociais uma saída para conquistar novos consumidores e continuar vendendo.
“Aquela clientela que sempre me deu uma renda boa hoje não me sustenta mais”, diz.