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    Donos de carro Tesla avisaram sobre risco da condução autônoma antes de acidente

    Mas os riscos da "condução autônoma total" não parecem impedir a montadora de lançar uma ampla versão beta do recurso

    Matt McFarland, do CNN Business

     

    O recurso de “condução autônoma total” fez com que um carro da Tesla tentasse passar por baixo de um bloqueio de uma ferrovia enquanto um trem passava em alta velocidade. Em outro caso, um veículo com o sistema acionado quase bateu de frente em uma parede de concreto de um estacionamento. Houve caso de carro que tentou fazer curvas perigosas à esquerda ou subiu no meio-fio. Entre tantos vídeos publicados nas redes sociais, um motorista conseguiu filmar a velocidade do carro, que estava na máxima de 90 mph (cerca de 145 km/h), em uma rua onde o limite de velocidade era de 35 mph (cerca de 56 km/h).

    Esses motoristas sabiam que não estavam usando um sistema infalível e que haveria falhas, pois tinham concordado em fazer testes para a Tesla das versões iniciais do software de “condução automática total”, que era regularmente atualizado. A empresa alertou sobre as limitações e a necessidade de estar atento.

    Especialistas temem que o nome do recurso crie a ideia de uma funcionalidade maior do que o oferecido pela Tesla. Mas os riscos da “condução autônoma total” não parecem impedir a montadora de lançar uma ampla versão beta do recurso. A Tesla está preparando um grande lançamento, mesmo com algumas pessoas leais à montadora e que testam o recurso levantando preocupações sobre o futuro.

    Alguns fãs da Tesla se pronunciaram antes mesmo de duas pessoas serem mortas em um Tesla no fim de semana, quando colidiram com árvores. A polícia disse que um ocupante estava no banco dianteiro do passageiro, e outro em um dos bancos traseiros. Não havia ninguém no banco do motorista, segundo a polícia. A Administração Nacional de Segurança no Trânsito dos EUA disse na segunda-feira (19) que está investigando o acidente.

    Duas pessoas morreram em um acidente com um Tesla na cidade de Spring, Texas, no fim de semana.

    O relatório policial de que não havia nenhum motorista ao volante sugere que o piloto automático, o precursor da “condução autônoma total”, podia estar ativo e, nesse caso, teria sido usado de forma inadequada.

    O CEO da Tesla, Elon Musk, disse na segunda-feira (19) que os registros de dados recuperados até o momento mostram que o piloto automático não estava habilitado. Porém, Musk não descartou que descobertas futuras possam revelar que o piloto automático estava em uso. Ele também não comentou sobre nenhuma outra teoria alternativa para o acidente.

    A Tesla não respondeu a diversos pedidos de comentários, e geralmente não se envolve com a imprensa profissional.

    O longo caminho para a “condução autônoma total”

    A Tesla disse que o sistema de “condução autônoma total” pode mudar de faixa, navegar por estradas e parar em sinais de trânsito. A Tesla vinha prometendo o recurso desde 2016, mas só começou a deixar um pequeno grupo de motoristas testar uma versão inicial no fim do ano passado. Musk disse que cerca de 2 mil proprietários de carros Tesla estavam testando a “condução autônoma total” desde março. A empresa está preparando um grande lançamento do que chama de um sistema significativamente mais atualizado do que o visto em vídeos, e Musk vem tuitando que ficará “surpreso” se uma ampla versão beta não estiver disponível em algum momento de junho.

    Embora o nome implique um alto grau de autonomia, os motoristas devem permanecer em alerta, manter as mãos no volante e o controle do carro enquanto utilizam a função, de acordo com a Tesla. O lançamento inicial foi tortuoso em outubro passado, mas os motoristas que fizeram testes da versão beta descreveram uma melhora em posts nas redes sociais, e Musk disse no Twitter que ela está “amadurecendo”.

    Mas as limitações do sistema têm preocupado alguns dos maiores apoiadores da Tesla. Vídeos no YouTube da “condução autônoma total” em testes beta mostraram o volante sacudir para frente e para trás de forma imprevisível.

    Carros da Tesla usando uma versão beta da “condução autônoma total” por vezes tentaram fazer curvas aparentemente perigosas à esquerda, entrando na frente do tráfego em alta velocidade, ou fazendo uma curva muito devagar, deixando motoristas aflitos que pisaram no acelerador para sair logo do caminho.

    O software de condução autônoma total da Tesla, ou FSD (do inglês “full self-driving”), é tecnicamente um sistema de assistência ao motorista, portanto os reguladores norte-americanos permitem que versões beta sejam testadas em vias públicas. Existem restrições mais duras para sistemas de assistência ao motorista na Europa, onde a Tesla oferece um conjunto mais limitado de recursos de condução autônoma.

    Mesmo quando o sistema parece estar funcionando como planejado, a Tesla informou que os motoristas devem permanecer atentos e estar preparados para assumir o controle a qualquer momento. No entanto, alguns temem que essas orientações não sejam seguidas.

    Um apelo por cautela

    O AI DRIVR, um YouTuber que posta vídeos da Tesla e está testando a “condução autônoma total”, disse nas redes sociais que está nervoso com uma grande parcela da população tendo acesso ao recurso, e que as pessoas podem acabar cometendo abusos.

    Como outros usuários de redes sociais que postam frequentemente sobre o software de “condução autônoma total” da Tesla, o AI DRIVR disse que tinha assinado um contrato de confidencialidade e que não podia falar diretamente com a CNN.

    “Por favor, não vamos estragar tudo e fazer a Tesla se arrepender de sua decisão e da liberdade que está dando às pessoas”, pediu o AI DRIVR.

    Ele destacou um vídeo controverso em que um jovem, que estava em um Tesla usando o piloto automático, o precursor da empresa para a “condução autônoma total”, sai do banco do motorista e se deita com um cobertor na parte de trás do carro, enquanto parece dirigir por uma rodovia. A Tesla tem medidas de proteção para evitar o uso indevido do piloto automático, tais como exigir um cinto de segurança e detectar o torque no volante, mas um motorista poderia driblar essas medidas de segurança. Um homem, que usa o nome “Mr. Hub” no YouTube, não respondeu a pedidos de comentários.

    Motorista dorme em carro da Tesla com piloto automático ligado
    Motorista dorme em carro da Tesla com piloto automático ligado
    Foto: Reprodução

    “Esse garoto está brincando de roleta russa sem nem perceber”, disse o AI DRIVR sobre o vídeo.

    Em uma série de tuítes em março, Musk disse que não houve acidentes com o FSD, embora não tenha dado detalhes sobre o que definia como “acidente”. Contudo, o AI DRIVR postou um vídeo em que seu carro bateu no meio-fio ao fazer uma curva enquanto estava no modo FSD. Ele disse que seu veículo não foi danificado por causa de um dispositivo de proteção de plástico que ele tinha instalado e que poderia ser substituído.

    “A versão beta está em um ponto onde pode se comportar muito bem e, no segundo seguinte, fazer algo totalmente imprevisível”, comentou em um vídeo no YouTube. Uma deficiência que ele alegou ter vivenciado ao usar a versão beta da “condução autônoma total” foi seu Tesla por vezes desviar de caminhões na estrada, quando não havia uma razão clara para tanto. Em um vídeo no YouTube, ele especulou que uma das câmeras laterais do Tesla poderia ser a culpada, já que fica obstruída pelos caminhões. O AI DRIVR não postou vídeos de seu Tesla se comportando dessa maneira.

    Raj Rajkumar, um professor da Universidade Carnegie Mellon que estuda veículos autônomos, disse ao CNN Business que a câmera lateral do Tesla pode basicamente enxergar uma superfície plana (a lateral do caminhão) com a mesma cor e textura e concluir erroneamente que algo está muito perto.

    A Tesla, como outras empresas de carros autônomos, usa câmeras para ver objetos. A montadora afirmou ainda que seus veículos possuem oito câmeras, 12 sensores ultrassônicos e um radar, mas disse que não depende da tecnologia LiDAR e planeja em breve parar de usar o radar. Ambos são sensores padrão no restante da indústria e úteis para complementar as limitações das câmeras, como o desafio de visualizar certos objetos como tratores-reboque, por exemplo. Carros Tesla se envolveram em acidentes fatais, nos quais não conseguiram ver a lateral de um trator-reboque.

    O Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA (NTSB, na sigla em inglês) determinou que o piloto automático foi utilizado contra as próprias orientações da Tesla, e a empresa aparentemente não havia restringido tal uso. Após a primeira investigação do NTSB em 2017, a Tesla disse que o piloto automático não é uma tecnologia de condução autônoma total, e que os motoristas devem permanecer atentos. A montadora não fez comentários quando o NTSB reiterou suas descobertas em 2020, após outra investigação.

    “As câmeras laterais provavelmente não detectam profundidade”, comentou Rajkumar. “Com essa ambiguidade, o software da Tesla pode chegar à conclusão que é melhor ser conservador e desviar”.

    Os carros da Tesla possuem um radar, mas ele é apontado para a frente, e portanto não para caminhões na lateral. Sensores ultrassônicos estão instalados em todos os lados de um Tesla, mas eles acabam sendo apenas úteis para estacionar, afirmou Rajkumar.

    O professor disse que, como a “condução autônoma total” tem “muitos problemas”, com base em sua avaliação das imagens no YouTube dos testes da versão beta, a Tesla vai precisar priorizar quais problemas abordar primeiro, e talvez não tenha tempo de resolver o problema por completo. Rajkumar ainda não testou ele mesmo a versão beta da “condução autônoma total”.

    O professor acrescentou que um dos problemas da “condução autônoma total” é seu próprio nome que, assim como o piloto automático, é extremamente enganoso. Os motoristas vão ficar descuidados, e acidentes trágicos vão acontecer, avisou.

    “Eu me pergunto há muito tempo por que a Comissão Federal de Comércio dos EUA não considera isso propaganda enganosa, e por que a NHTSA não forçou a Tesla a não usar esses nomes do ponto de vista da segurança pública”, lamentou Rajkumar.

    A Administração Nacional de Segurança no Trânsito disse que tomará medidas cabíveis para proteger a população contra riscos à segurança, mas que não tem autoridade sobre questões de publicidade e marketing e encaminhou perguntas à Comissão Federal de Comércio, que realiza esse tipo de fiscalização. A Comissão Federal de Comércio não respondeu a pedidos de comentários.

    James Hendler, que estuda inteligência artificial no Instituto Politécnico Rensselaer, disse ao CNN Business que outra explicação plausível para carros Tesla supostamente desviarem quando próximos de caminhões é que o ângulo do sol refletindo nos caminhões faz com que o carro pense que esses veículos estão extremamente próximos.

    “Esses carros não pensam de uma forma que possamos entender. Eles não conseguem explicar por que fizeram isso”, disse Hendler.

    De olho nos motoristas

    As preocupações dos proprietários de carros Tesla reverberam as dos especialistas em condução autônoma, que há muito vem alertando que a “condução autônoma total” superfatura a capacidade dos carros. Existem ainda perguntas sobre se a Tesla tem sistemas suficientes de monitoramento dos motoristas para evitar abusos de “condução autônoma total”.

    Um estudo do MIT com 19 motoristas no ano passado descobriu que os proprietários de carros Tesla eram mais propensos a tirar os olhos da estrada quando usavam o piloto automático, o precursor da “condução autônoma total”, em comparação com quando estavam no modo de condução manual. Os pesquisadores disseram que mais deve ser feito para manter os motoristas atentos.

    Rajkumar, o professor da Universidade Carnegie Mellon, disse que a Tesla estaria numa situação melhor se tivesse um sistema de monitoramento de motoristas semelhante ao usado pela GM, que possui uma câmera dentro do veículo e luzes infravermelhas para monitorar a atenção do motorista.

    “Isso evitaria as muitas bobagens que alguns operadores de veículos da Tesla fazem para driblar a questão da atenção”, afirmou Rajkumar.

    Os carros Tesla possuem uma câmera montada no lado do passageiro que poderia, teoricamente, monitorar o motorista. Porém, não parece que a Tesla está usando a câmera para verificar se os motoristas de testes da versão beta estão prestando atenção. Dois motoristas de testes beta disseram que às vezes bloquearam suas câmeras: um, que posta no YouTube como “Dirty Tesla”, e Viv, uma fã da Tesla no Twitter que disse estar testando a “condução autônoma total”.

    “Definitivamente, eles não estão monitorando, porque eu bloqueei a minha, e ninguém disse nada”, argumentou Chris em uma entrevista no mês passado. “Se quiserem, eles vão me avisar”.

    O Dirty Tesla não quis responder perguntas da CNN, e Viv não respondeu aos pedidos da CNN para uma entrevista.

    Elon Musk disse no Twitter no mês passado que a Tesla revogou o programa beta de carros “em que os motoristas não prestaram atenção suficiente na estrada”. Mas o CNN Business não pôde confirmar de forma independente que a Tesla revogou o acesso da “condução autônoma total” de algum motorista.

    O recurso custará US$ 10 mil (cerca de R$ 55 mil), mas as assinaturas mensais serão uma maneira mais acessível de usar a “condução autônoma total” por um curto período, como em uma viagem, por exemplo. Musk disse que isso será disponibilizado até julho.

    Tesla Raj, outro YouTuber com acesso antecipado à “condução autônoma total”, disse em um vídeo recente que houve momentos em que ele se sentiu em perigo, com medo de bater em outro veículo ou de outro carro o atingir, e que ele precisava assumir o controle.

    “Tenham cuidado, por favor, sejam responsáveis”, alertou Tesla Raj em seu vídeo.

    Ricky Roy, que se autodenomina um grande fã da Tesla e é um investidor da empresa, postou recentemente um vídeo chamado, “a verdade sobre a condução autônoma total da Tesla”. Ele disse que questões importantes estavam se perdendo em meio a uma “animação insana sobre um futuro de táxis-robô que fará as pessoas ganharem milhões”.

    Roy fez uma alusão à previsão de Musk para 2019, de que haveria um milhão de táxis-robô operando em 2020. Musk disse que a “condução autônoma total” tornaria os carros da Tesla importantes ativos. Roy ainda comentou em seu vídeo que temia que as pessoas confundissem a “condução autônoma total” da Tesla, que ainda requer um motorista humano pronto para intervir a qualquer momento, com um veículo totalmente autônomo, que não precisa de supervisão humana.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês aqui.)

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