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    Economia não conseguirá crescer sem investimentos do governo, diz Delfim Netto

    Ex-ministro da Fazenda defende abertura de espaço no orçamento público por meio da aprovação da PEC emergencial e é contra furar o teto de gastos

    Luísa Melo , Do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Mesmo depois que o choque do coronavírus passar, a economia brasileira não conseguirá crescer de forma robusta sem investimentos do governo. Esse é o diagnóstico do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. 

    Mas ao contrário do que pode parecer, ele não é favorável ao abandono do teto de gastos. Defende como prioritária a abertura de espaço no orçamento público por meio da aprovação da PEC emergencial, projeto de arrocho fiscal que prevê, por exemplo, corte de despesas com servidores. Já a reforma tributária, apesar de “importantíssima”, pode ficar para um segundo moment, acredita.

    Para Delfim, é urgente a liberação de recursos para o Ministério da Saúde atuar no combate ao avanço do coronavírus – tipo de situação extrema em que um crédito extraordinário seria permitido tanto pela lei do teto quanto pela proposta da PEC emergencial. 

    Em entrevista por telefone ao CNN Brasil Business, o ex-ministro disse apostar em um novo corte de juros pelo Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta, mas ter dúvidas de que a política monetária será eficiente para conter o impacto negativo da pandemia na economia e nos mercados. Veja os melhores trechos:

    Para além do efeito coronavírus, por que economia brasileira não deslancha?

    Estamos em uma recuperação muito lenta, talvez a mais lenta da história. O que acontece é que existe uma falta de demanda que só pode ser suprida através do investimento. Seria preciso ter espaço no orçamento público para ampliar os investimentos. 

    As finanças públicas estão deterioradas e o governo ficou dependendo apenas de induzir o setor privado, por meio de parcerias, a realizar esses investimentos. Mas isso exige uma enorme confiança no governo que ele não tem. A cobra mordeu o rabo.

    O que falta para viabilizar esses investimentos?

    O que falta, em primeiro lugar, é aprovar a PEC 186, que é a PEC emergencial. Ela vai substituir despesas de custeio cuja produtividade é nula, dar o controle de despesas que crescem sozinhas. Isso será feito para abrir espaço para o investimento público.

    Enquanto o investidor privado não acreditar que as condições objetivas para a aceleração do crescimento estão dadas, ele não participa. O investimento não vai ser estimulado por promessas, mas por medidas que o investidor acredite que vão de fato aumentar o PIB. 

    Alguns economistas defendem uma flexibilização do teto de gastos para que o governo possa investir. Qual a sua opinião?

    Essa é uma das coisas mais absurdas que estão sendo propostas. A situação fiscal não permite nenhum truque, estamos com um endividamento gigantesco que mal foi controlado, nos últimos dois anos, a dívida apenas foi contida em 75% do PIB. Não temos mais espaço para aventuras monetárias.

    Muitos que propõem isso não conhecem a lei do teto de gastos, que já prevê crédito extraordinário em algumas situações, como essa do coronavírus. Por melhor que seja o desempenho do Ministério da Saúde, e estou muito entusiasmado com o [ministro Luiz Henrique] Mandetta, acho que o governo deveria se preparar para liberar um crédito extraordinário para que a Saúde consiga enfrentar com competência o coronavírus.

    O que achou do pacote de medidas anunciado pelo ministro Paulo Guedes para conter os efeitos do vírus na economia?

    Acho que o pacote é uma antecipação. A prioridade número um hoje deve ser dar instrumentos para o ministro da Saúde poder mitigar o avanço da doença, para impedir que se crie um colapso no nosso sistema de saúde, que é um bom sistema, como poucos no mundo. No caso, acredito mesmo que vai ser necessária uma ação coordenada entre estados, municípios e União, como o Mandetta está fazendo.

    Acho que é importante compreender que tanto pela lei do teto quanto pela PEC 186 [ainda em discussão], uma pandemia como essa está excluída [do arrocho financeiro]. Nesse caso, o governo pode fazer um crédito extraordinário [sem descumprir o teto e a lei de responsabilidade fiscal].

    [O governo federal disse na noite desta terça-feira (17) que vai pedir ao Congresso que reconheça estado de calamidade pública em função da pandemia do vírus, medida que permitiria o aumento dos gastos.]

    Com os juros dos EUA próximos de zero e a possibilidade crescente de uma recessão global, acha que o Copom vai reduzir a Selic nesta quarta?

    Provavelmente o Copom vai baixar o juro, porque tem algum espaço. Mas, de qualquer forma, tenho dúvidas de que a política monetária vai ter efeito nesse processo [de deterioração da atividade econômica e volatilidade nos mercados]. O importante é que o BC tem se comportado muito bem. Desde a gestão do Ilan Goldfajn, as coisas estão caminhando bastante bem, ele tem agido cuidadosamente, sem grandes piruetas. 

    Que importância a reforma tributária terá para um crescimento mais robusto da economia?

    A reforma tributária é uma coisa importantíssima, mas que pode ficar para amanhã. Primeiro, porque essa [proposta] que está aí está crua, ela não está pronta. Ninguém faz reforma tributária com economistas. No mundo todo, essas reformas sempre são feitas com competentíssimos tributaristas. E o Brasil tem nomes como Rubens Gomes de Souza, Gilberto de Ulhôa Canto. 

    Economista não sabe nem colocar vírgula. Uma reforma tributária proposta por economistas só vai fazer a riqueza dos advogados, porque tudo vai parar no Supremo. Na verdade, essa é uma política diversionista do Congresso para não aprovar a PEC emergencial.

    Acha que as turbulências entre executivo e Congresso ajudam a atravancar a economia?

    É evidente que sim. As prioridades do Congresso e do executivo são diferentes por motivos políticos. Esse é o grande problema. Porque para enfrentar isso, teríamos que convencer o Bolsonaro de que ele começou errado e escolheu a pior Casa Civil do mundo, que inventou que existia uma “nova política”.

    O partido dele, antes que ele o implodisse, tinha menos de 10% do Congresso. Em qualquer democracia, isso obrigaria quem foi eleito a atrair outros partidos para construir uma maioria no Congresso. E, para atrair, ele precisaria discutir o programa de governo dele e encontrar um consenso com os demais. O maior erro do Bolsonaro foi acreditar que isso é uma corrupção. Não é. Isso é a forma natural de se exercitar a política nos países democráticos. Ou ele dá uma meia volta, senta com o Congresso e constrói maioria e adota um novo programa consensual, ou não vai acontecer nada.

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