Uma década ainda mais perdida do que 1980: PIB per capita desabará em 2020
Indicador deve recuar 6,7% neste ano, levando a renda a nível inferior à de 2010, aponta estudo de Marcel Balassiano, do IBRE/FGV
As previsões para a queda do PIB brasileiro em 2020 rondam 6%. A recessão será a pior da história e vai agravar ainda mais um quadro já bastante fragilizado que é o da evolução da renda dos brasileiros, medida pelo PIB per capita. Este indicador deve recuar neste ano 6,7%, levando o Brasil a registrar duas décadas perdidas em quatro, segundo estudo preparado pelo pesquisador Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV).
Segundo o estudo, obtido com exclusividade pelo CNN Brasil Business, o PIB per capita brasileiro chegou ao valor máximo de US$ 15,6 mil em 2013, e caiu para US$ 14,3 mil em 2016, no último ano da recessão brasileira de 2014/16. Após fechar o ano passado em US$ 14,5 mil, deve cair para US$ 13,6 mil neste ano, segundo as projeções do FMI.
“Focando mais a década atual, aí sim que temos o grande problema. O coronavírus se soma a dois outros fatores muito fortes que impactaram a economia: a recessão de 2015 e 2016 e a recuperação muito lenta e gradual de 2017 até agora”, diz Balassiano, em conversa com a coluna. “Neste ano a retomada ainda estava em ritmo baixo quando chegou a crise mundial. Se não tivesse coronavírus, o PIB cresceria 2% e, caso isso se confirmasse, já seria a pior década em 120 anos.”
Leia também:
Surpresa boa com varejo precisa se espalhar pela economia
Focus: economistas passam a ver contração menor que 6% para o PIB de 2020
Por Covid-19, FMI reduz projeção do PIB do Brasil em 2020 e prevê queda de 9,1%
Balassiano observou a evolução do PIB per capita brasileiro desde a década de 1980, quando chegou a US$ 10 mil no seu ponto mais baixo, em 1983. Houve uma tendência de recuperação depois disso que foi abortada pelo Plano Collor com a explosão da inflação e o confisco da poupança, levando o indicador a uma nova queda.
A partir do Plano Real, a retomada seguiu mais firme até o início da recessão em 2014, quando houve o pior biênio de crescimento econômico dos últimos 120 anos. Mal saímos desse buraco e fomos atingidos pela pandemia que vai provocar novo empobrecimento da população brasileira.
“A recessão de agora nos joga novamente para uma década negativa. Mesmo quando descartamos os efeitos da pandemia, enquanto o Brasil teria uma década estagnada, o mundo teve crescimento de 2,7% de 2011 até agora”, diz o pesquisador do IBRE. “Este resultado foi puxado pelos emergentes, mas não nos salva. Nós já estávamos em situação muito pior do que a maior parte do mundo. A crise de agora veio para agravar o que já tinha antes.”
Empobrecimento relativo
A comparação do PIB per capita brasileiro nos últimos 40 anos com o resto do mundo mostra como foi a evolução relativa do Brasil. Em seu estudo, Balassiano observou a proporção de países com o nível da renda per capita maior do que o brasileiro, ao longo do tempo.
No período 1981-90, a média de países com PIB per capita maior do que o Brasil era de 36%, número próximo da década seguinte (1991-2000). Nos anos 2000 (2001-2010), a proporção passou para 38%. E na década atual (2011-2020), “mais perdida” do que a chamada “década perdida”, a proporção média foi de 42%.
Pelas projeções do FMI, em seu Relatório Econômico Mundial, ao final deste ano, 44% dos países devem ter uma renda per capita maior do que a brasileira. Mesmo com a evolução da renda depois do Plano Real, o país continuou com um empobrecimento relativo nas últimas décadas.
“Nos últimos 40 anos, a tendência do PIB per capita foi positiva, afinal, passamos de US$ 10 mil para US$ 15 mil. Aumentou a renda da população, mas menos do que outros países. Ao longo deste período, mais países foram aumentando o nível de renda per capita. Agora, teremos duas décadas perdidas em quatro décadas considerando tanto o PIB quanto o PIB per capita.
A pedido da coluna, Marcel Balassiano fez as projeções para o crescimento do PIB e do PIB per capita para a década atual, de 2011 para cá, e para os últimos 7 anos, a partir da recessão iniciada em 2014. O pesquisador do IBRE considerou dois cenários, sendo um excluindo a pandemia, ou seja, o que seria da economia sem a crise provocada pelo coronavírus, e outro com previsão de queda de 6% da atividade neste ano.
1) Com crescimento de 2% no PIB em 2020, a taxa média de crescimento da década (2011-20) seria de 0,8%;
2) Com queda de 6%, a década ficará estagnada com crescimento nulo, de 0,0% em média e ao ano;
3) Com crescimento de 2% no PIB em 2020, a década do PIB per capita ficaria estagnada em 0,0%;
4) Com a queda do PIB de 6% em 2020, o que equivale a uma queda de 6,7% do PIB per capita, a década poderá ser de resultado negativo de 0,8% ao ano em média para a renda. Para efeitos de comparação, na década de 1980, o PIB per capita caiu 0,6% ao ano e em média;
5) Considerando somente os últimos 7 anos (2014-20), com a projeção de -6% para o PIB, a atividade poderá ter média negativa de 1,3% ao ano;
6) Para o PIB per capita, ao se considerar projeção para 2020 de queda de 6,7% do PIB per capita, a média entre 2014 e 2020 ficará em -2,1%, ao ano.
“A palavra que define melhor o momento em que estamos vivendo é incerteza. Incerteza na saúde, sobre os impactos na economia, o que vai ser do quadro fiscal no futuro com a dívida publica chegando a 100% do PIB, com as relações conflituosas entre os poderes”, disse Balassiano. Segundo o indicador de incerteza da FGV, “o Brasil está com a incerteza mais alta do mundo.”
Clique aqui para acessar a página do CNN Business no Facebook